28. Despertando o gelo

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Os jardins congelados eram ainda mais intimidadores sob a escuridão da noite. O vento cortava como lâminas afiadas, sibilando entre as árvores cobertas de neve, e as sombras das estátuas pareciam ganhar vida sob a luz fraca da lua. Felix estremeceu levemente, mas se manteve firme, determinado. A quietude do palácio atrás dele o deixava desconfortável, como se fosse o único ser vivo em quilômetros. Ele puxou o capuz da capa de veludo azul sobre a cabeça, tentando bloquear o vento gelado que mordia suas orelhas, e respirou fundo, enchendo os pulmões com o ar gélido.

Com os olhos fechados, ele se obrigou a ignorar a vergonha que sentia — a sensação de ser observado por algo invisível, por olhos que não estavam ali. Era ridículo, ele sabia. Estava sozinho. Mas o peso do lugar e da sua própria mente insistiam em conspirar contra ele.

Felix inspirou novamente, mais fundo desta vez, e se concentrou. Chame o gelo, pensou. Chame a neve, o frio. Sinta dentro de si. Ele uniu as mãos à frente do corpo e tentou se conectar com aquilo que estava enterrado em seu interior. Fechou os olhos com força, buscando uma fagulha, um sinal do poder que sabia existir, mas que parecia tão inalcançável.

Sua mente começou a vagar, e ele deixou. Pensou no casamento que estava por vir. Na cerimônia que o uniria a Hyunjin para sempre — não apenas no corpo, mas na alma, nos poderes, em cada fibra de quem eles eram. Pensou no peso dessa união, no que ela significava. A ideia o fazia hesitar, mas também o atraía de um jeito que ele não queria admitir.

Então sua mente se desviou para os homens que havia matado. Homens imundos, cruéis. Ele se lembrou do som do gelo estalando enquanto subjugava suas vítimas. Do frio que preenchia o ar enquanto ele assistia seus inimigos serem consumidos, transformados em estátuas de gelo, belas e horrendas. Ele lembrou da satisfação sombria que sentia. E lembrou de seu pai.

Um arrepio percorreu sua espinha, mas não era por causa do frio ao seu redor. Era por causa do que sentia quando pensava no dia em que congelou o próprio pai. Ele não queria reviver aquele momento, mas as memórias vieram como um turbilhão. A raiva, o desespero, o poder. Ele havia sentido o gelo explodir dentro de si naquela noite, tão forte que parecia consumir sua própria alma.

Felix respirou fundo, forçando-se a acalmar o caos em sua mente. Ele precisava se concentrar. Precisava canalizar aquilo. Azul, pensou. Ele se lembrou do azul. Do tom vibrante que tomava seus olhos toda vez que usava seu poder. O azul intenso que substituía o castanho que ele via no reflexo do espelho diariamente. Ele sentia falta daquele azul, daquele sinal tangível de que era mais do que um príncipe exilado. De que era poderoso.

E foi então que aconteceu. Uma onda gelada atravessou seu corpo, crescendo em intensidade, como se tivesse sido libertada de um confinamento. Felix sentiu algo explodir dentro de si, uma força que parecia maior do que ele próprio. Ele abriu os olhos, e seus dedos estavam envoltos em uma luz azul pálida. Neve começou a cair ao seu redor, uma tempestade se formando em pequenos flocos que rodopiavam no vento, obedecendo ao chamado de Felix.

O jardim ao seu redor parecia ganhar vida, mas não era algo bonito ou acolhedor. Era algo assustador e grandioso. Felix podia sentir o gelo em seu coração, a tempestade em sua alma.

Felix respirou fundo, fechando os olhos novamente. Ele podia sentir o gelo se movendo dentro dele, uma força viva que pulsava como um segundo coração. Era uma sensação poderosa, mas ao mesmo tempo serena. Como se, pela primeira vez, ele tivesse controle sobre aquela parte de si. A luz azul pálida ainda dançava entre seus dedos, flutuando delicadamente como uma chama inversa, e Felix permitiu que ela fluísse para fora, envolvendo suas mãos e subindo por seus braços em um toque frio, mas reconfortante.

Ele abriu os olhos devagar, e a cor intensa de suas íris azuis brilhou contra a escuridão ao seu redor. Curioso, Felix se inclinou para a frente, aproximando-se da superfície congelada de um pequeno lago no jardim. O gelo espelhado refletiu seu rosto, e ele se viu de uma forma que não via há muito tempo. Aquele azul... aquele tom vibrante que o fazia se lembrar do que realmente era. Ele não estava vazio, não mais.

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