2. Uma pequena viagem

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Felix já não sabia quanto tempo havia se passado.

Na escuridão sufocante da cela, o conceito de horas, dias ou até mesmo meses tornara-se irrelevante. O gotejar constante de água nas paredes era o único som que preenchia o vazio, mas até isso parecia distorcido, uma tortura lenta que se infiltrava em sua mente. Sua fome já não era tão aguda, seu corpo acostumado à escassez. Ele comia a sopa fria que traziam, mas mal sentia o gosto.

Ele não sabia por que ainda estava vivo. Qual o propósito de mantê-lo ali? Felix era um assassino condenado, uma ferramenta quebrada e descartável. E ainda assim, toda vez que a porta da cela se abria, trazendo mais uma tigela de comida insossa, ele se perguntava: Por que ainda não acabaram comigo?

Naquele dia, ou noite — ele não podia dizer —, a monotonia foi quebrada.

O som de passos ecoou no corredor, mais rápidos e decididos que de costume. Felix se endireitou instintivamente, seus olhos castanhos se estreitando contra a penumbra. A chave girou na fechadura, e a porta se abriu com um rangido que cortou o silêncio.

Um guarda entrou, a expressão dura e inexpressiva. Antes que Felix pudesse dizer qualquer coisa, o homem o agarrou pelo braço, puxando-o com força.

— O que está acontecendo? — Felix perguntou, sua voz rouca de desuso.

Não houve resposta. O guarda o ergueu de forma brusca, obrigando-o a colocar os pés descalços e doloridos no chão frio. Felix tentou resistir, mas as algemas de ferro ainda prendiam seus pulsos, drenando qualquer força que pudesse usar para lutar.

— Eu perguntei o que está acontecendo! — Ele tentou de novo, sua voz agora mais firme, mas a única resposta que recebeu foi o baque seco de um saco preto sendo enfiado sobre sua cabeça.

A escuridão voltou, ainda mais opressiva sob o tecido áspero. Ele sentiu as mãos do guarda apertarem seu braço com mais força, guiando-o para fora da cela. Os passos de ambos ecoavam no corredor, mas Felix conseguia ouvir mais além: outros sons, distantes, como o rangido de rodas e o relinchar de cavalos.

Ele tentou resistir novamente, fincando os pés no chão, mas o guarda apenas o puxou com mais força. O silêncio do homem era mais perturbador do que qualquer ameaça. Felix sabia que perguntas seriam inúteis, mas sua mente fervilhava com possibilidades — nenhuma delas boa.

Os passos pararam subitamente, e Felix ouviu o som de uma porta sendo destrancada. O ar ao seu redor mudou; não era mais o ar denso e mofado das masmorras, mas algo diferente. Mais fresco, talvez, com um toque de umidade.

De repente, ele foi empurrado para frente. Seus pés tropeçaram em algo de madeira, e antes que pudesse recuperar o equilíbrio, sentiu mãos ásperas o erguerem e o colocarem em um espaço apertado e instável. Ele percebeu pelo movimento que estava dentro de uma carroça.

O saco ainda cobria sua visão, mas seus outros sentidos estavam alerta. Ele ouviu o som de madeira rangendo, de correntes sendo ajustadas e, em seguida, um baque — provavelmente a porta traseira da carroça sendo fechada.

Felix tentou se mexer, mas as correntes em seus pulsos e tornozelos o limitavam. Ele ouviu vozes do lado de fora, abafadas demais para que pudesse entender, e logo o som inconfundível de cavalos sendo guiados.

A carroça começou a se mover.

O corpo de Felix balançava com o movimento irregular das rodas sobre o terreno, e cada solavanco fazia seus músculos doloridos protestarem. Ele apertou os dentes, forçando-se a manter a calma.

Para onde estão me levando?
Essa pergunta se repetia em sua mente, como um mantra sombrio. A incerteza era pior do que o medo.

Enquanto a carroça seguia em frente, Felix fechou os olhos sob o saco, respirando fundo. Ele precisava de forças, precisava manter a mente afiada. Onde quer que estivesse sendo levado, não iria se render facilmente. Ele já havia sobrevivido a coisas piores. Ou assim ele tentava convencer a si mesmo.

...

A carroça parou abruptamente, jogando Felix para frente. Ele acordou com o impacto, o coração disparado e os músculos tensos. Durante o trajeto, ele havia caído no sono contra a própria vontade, o cansaço finalmente vencendo sua resistência. Agora, o medo e a confusão voltavam a tomar conta dele.

Antes que pudesse se situar, mãos ásperas o agarraram, puxando-o para fora. Ele tropeçou, os pés presos pelas correntes, e quase caiu quando foi jogado no chão. O ar frio o atingiu como uma lâmina, cortante e implacável, rasgando sua pele exposta e enregelando seus ossos.

A cada passo que dava, seus pés descalços afundavam no chão gelado. Uma dor aguda queimava as solas, como se estivessem sendo perfuradas por agulhas de gelo. Felix cerrou os dentes, mas não conseguiu conter um gemido baixo que escapou de seus lábios. O som foi ignorado pelos guardas que o escoltavam, seus passos pesados ecoando na neve compactada.

Ele tentou acompanhar o ritmo deles, mesmo com as pernas doloridas e o corpo tremendo. O frio penetrava sua roupa fina, mordendo sua pele suja e suada, enquanto Felix tentava, em vão, entender o que estava acontecendo.

Onde estou? Por que ainda estou vivo?

Finalmente, eles pararam. Ele ouviu o som de portas grandes sendo abertas e sentiu uma onda de calor envolver seu corpo assim que foi arrastado para dentro. O contraste entre o frio cortante lá fora e o calor agradável do ambiente fez seus músculos tensos relaxarem por um breve momento.

O saco em sua cabeça foi arrancado de repente, e Felix piscou repetidamente, seus olhos castanhos precisando de tempo para se ajustar à luz. Quando finalmente conseguiu enxergar, ficou paralisado.

Ele estava em um banheiro. Não apenas um banheiro qualquer — era o banheiro mais luxuoso que ele já vira. As paredes eram revestidas de mármore branco com veios dourados, e candelabros de cristal pendiam do teto, refletindo a luz suave por toda a sala. Uma banheira grande, quase um pequeno lago, ocupava o centro do espaço, cheia de água morna e perfumada que soltava finas nuvens de vapor.

Felix não conseguia entender. Ele olhou ao redor, confuso, esperando por algum tipo de explicação, mas os guardas permaneciam impassíveis.

— Lave-se. — A ordem veio seca e direta de um dos homens.

Ele hesitou, ainda processando a situação. Por que o estavam tratando assim? Era uma punição ou um favor estranho antes de sua execução?

O guarda deu um passo à frente, franzindo o cenho.

— Agora.

Felix respirou fundo, a tensão ainda evidente em cada músculo de seu corpo. Ele olhou para a banheira novamente, os vapores quentes parecendo tentadores contra o frio que ainda sentia na pele.

Sem dizer uma palavra, ele obedeceu. Levantou as mãos trêmulas, os movimentos dificultados pelas algemas de ferro. Os guardas se aproximaram, destrancando as algemas dos pulsos e tornozelos com um clique seco. Felix massageou os pulsos doloridos, a pele machucada pelas correntes, antes de começar a tirar as roupas.

Sua camisa suja e rasgada caiu no chão, seguida pelas calças esfarrapadas. Quando ficou completamente nu, Felix hesitou por um instante, sentindo o olhar dos guardas sobre ele. Mas ele ignorou o desconforto, aproximando-se da banheira com passos cuidadosos.

A água quente tocou sua pele, e ele arfou de alívio. O calor envolveu seu corpo, derretendo o frio que parecia ter se impregnado em seus ossos. Ele mergulhou lentamente, fechando os olhos enquanto a água cobria cada centímetro de sua pele.

Pela primeira vez em semanas — talvez meses —, Felix sentiu algo próximo a conforto.

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