10. Estudos

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Felix suspirou profundamente, sentindo-se oprimido pela vastidão da biblioteca. Depois que Hyunjin foi embora sem dar qualquer orientação, ele ficou parado no centro da sala, girando devagar sobre os calcanhares e tentando decidir por onde começar. As prateleiras se estendiam para todos os lados, cada uma repleta de livros que prometiam histórias ou conhecimentos, mas sem um único sinal ou mapa que o guiasse ao que ele realmente precisava.

— Ótimo — ele murmurou para si mesmo, cruzando os braços enquanto seus olhos percorriam as estantes próximas — Muito útil, Hyunjin. Obrigado por nada.

Ele começou a caminhar lentamente, passando os dedos pelas lombadas de couro e tecido, algumas já gastas pelo tempo. Havia títulos que chamavam sua atenção — Histórias do Velho Mundo, Segredos do Fim da Terra, Vampiros e Lendas Místicas — mas ele sabia que não tinha tempo para distrações. Ainda assim, sua curiosidade o fazia parar de vez em quando, puxando um livro aqui e ali apenas para espiar as primeiras páginas.

Cada seção parecia mais fascinante do que a anterior. Ele tropeçou em estantes dedicadas a romances épicos e proibidos, lendas de heróis e heroínas de tempos antigos, tratados de magia ancestral e até mesmo um canto dedicado a botânica, com títulos sobre flores e ervas raras. Uma parte dele queria se perder ali, mergulhar em histórias que o afastassem da realidade sufocante do casamento iminente e do peso de suas responsabilidades.

Mas ele sabia que não podia.

— Foco, Felix. Foco — disse a si mesmo, endireitando os ombros.

Depois de quase uma hora de busca infrutífera, seus olhos finalmente pousaram em um livro com uma capa escura e um título em letras douradas: A Essência do Gelo: Um Guia para o Controle do Frio Interior. Felix parou, o coração batendo um pouco mais rápido. Aquilo parecia promissor.

Ele puxou o livro da prateleira com cuidado, sentindo o peso em suas mãos. A capa tinha um toque frio, quase como gelo real, e ele se arrepiou ao segurá-la. Sem pensar duas vezes, ele se virou e caminhou em direção ao divã mais próximo, que ficava estrategicamente posicionado diante de uma lareira acesa.

A biblioteca parecia mais acolhedora ali, com o calor do fogo contrastando com o frio que parecia seguir Felix por todo o palácio. Ele afundou no divã, o estofado macio acolhendo seu corpo cansado. Por um momento, ele se deixou relaxar, fechando os olhos e inspirando profundamente o ar levemente perfumado de madeira queimada e couro envelhecido.

Com um suspiro, abriu o livro. As primeiras páginas eram densas, cheias de explicações teóricas sobre a magia do gelo, como ela fluía pelo corpo e como estava conectada à alma. Felix franziu o cenho enquanto lia, tentando entender as palavras complicadas e os conceitos abstratos. Ele nunca precisou pensar tanto sobre seu poder antes; ele apenas acontecia.

— "O gelo é tanto uma extensão de você quanto uma parte de sua essência," — Felix leu em voz baixa, tentando absorver o significado. — "Para controlá-lo, você deve primeiro entender o que dentro de você está congelado."

Ele parou, os olhos fixos na página. Algo sobre aquela frase fez seu peito apertar, mas ele não sabia exatamente por quê.

O tempo passou sem que ele percebesse. As chamas da lareira dançavam à sua frente, lançando sombras suaves sobre as páginas do livro. O silêncio da biblioteca era absoluto, quebrado apenas pelo som do virar das páginas e o ocasional crepitar do fogo.

Felix começou a submergir no conteúdo do livro, absorvendo o que podia. Embora a leitura fosse desafiadora, ele se viu intrigado pelas descrições das formas de magia e dos exercícios sugeridos para recuperar o controle sobre o gelo interior. O texto falava sobre encontrar um equilíbrio entre emoção e razão, sobre encarar medos e traumas para liberar o poder preso dentro de si.

Ele fechou o livro por um momento, deixando-o descansar em seu colo. Sua mente vagou para Adarlan, para o momento em que seus poderes explodiram. O dia em que ele matou seu pai. Depois sua mente vagou para as masmorras que passou trancafiado por meses e o grito de dor que ele soltou quando o algemaram com aquele ferro que o enfraquecia, quando percebeu que tudo estava perdido, e o frio em suas veias parecia se retrair para um lugar inacessível.

Felix passou uma mão pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais, e respirou fundo.

— Acho que isso vai ser mais difícil do que eu pensava... — murmurou, olhando para o fogo enquanto o brilho alaranjado refletia em seus olhos.

Mas ele não tinha escolha. Se quisesse sua liberdade — e, talvez, um pouco de paz consigo mesmo —, precisava continuar.

...

O silêncio pesado da biblioteca foi quebrado pelo som das portas se abrindo lentamente. Hyunjin entrou com passos firmes e decididos, suas botas ecoando suavemente no chão de mármore. O sol poente pintava o salão com tons dourados e alaranjados, lançando sombras longas que dançavam entre as estantes. Ele não precisou procurar muito; Felix estava exatamente onde o deixara, afundado no divã diante da lareira.

Hyunjin parou ao lado do divã, olhando para Felix adormecido. O livro que ele havia escolhido — A Essência do Gelo — repousava aberto sobre seu peito, como se fosse um escudo contra os pesadelos ou talvez um lembrete de sua luta. Felix parecia vulnerável naquela posição, com o rosto sardento suavizado pelo sono, os cabelos loiros espalhados de forma despreocupada sobre o divã. Ele murmurava algo ininteligível, um sussurro de sonho que Hyunjin não conseguiu captar.

Com um movimento silencioso, Hyunjin estendeu a mão e pegou o livro. Fechou-o com cuidado, o som suave das páginas se fechando sendo quase imperceptível. Ele o colocou sobre a mesa lateral ao lado do divã, sem tirar os olhos de Felix. Por um instante, apenas observou.

— Como alguém tão teimoso pode parecer tão inocente enquanto dorme? — murmurou para si mesmo, um pequeno sorriso curvando seus lábios.

Ele se inclinou ligeiramente, cruzando os braços.

— Felix.

A voz de Hyunjin era baixa, mas firme o suficiente para romper o véu do sono. Felix deu um salto, o corpo se erguendo de forma abrupta enquanto os olhos castanhos piscavam, confusos. Ele olhou ao redor rapidamente, como se estivesse tentando lembrar onde estava, antes de finalmente focar em Hyunjin.

— O que... o que foi? — Felix perguntou, a voz rouca do sono enquanto ele esfregava os olhos com as costas das mãos.

Hyunjin arqueou uma sobrancelha, claramente se divertindo com a expressão desorientada de Felix.

— Está na hora do jantar.

Felix piscou novamente, o cérebro ainda processando o que estava acontecendo. Ele se endireitou no divã, passando uma mão pelos cabelos bagunçados e sentindo o calor que ainda emanava da lareira próxima.

— Já? — ele perguntou, a surpresa evidente em seu tom.

Hyunjin assentiu, os braços ainda cruzados.

— Sim. Você pareceu aproveitar bastante a biblioteca. Ou pelo menos o divã.

Felix bufou, ainda um pouco embaraçado, e balançou a cabeça enquanto se levantava.

— Estava estudando — ele disse, embora seu tom tivesse um leve toque defensivo.

Hyunjin deu de ombros, o sorriso discreto ainda em seu rosto.

— Tenho certeza de que sim.

Ele se virou, caminhando em direção à porta da biblioteca. Quando percebeu que Felix não o estava seguindo de imediato, olhou por cima do ombro.

— Está vindo? Ou quer passar a noite aqui?

Felix revirou os olhos, mas seguiu Hyunjin, ajustando as dobras da blusa enquanto tentava afastar os últimos resquícios de sono. Mesmo com a provocação, havia algo reconfortante na presença de Hyunjin, como se ele tivesse o controle de tudo — ou pelo menos fingisse ter.

Enquanto eles saíam da biblioteca, o sol continuava a se pôr, tingindo os corredores com uma luz dourada. Felix olhou de relance para Hyunjin, que caminhava à frente com sua habitual elegância, e sentiu uma pontada de algo que ele não queria admitir. Talvez, só talvez, estar ali não fosse tão ruim quanto ele inicialmente pensara.

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