20. Perguntas sem respostas

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Felix se esforçava para manter os olhos fixos nas anotações, mas as palavras pareciam borrões na página, meros rabiscos sem sentido. Sua mente, sempre disciplinada e focada, agora se recusava a cooperar. Ele tentou recitar as frases em voz baixa, uma tentativa desesperada de recuperar o controle, mas os pensamentos indesejados invadiam como uma enchente, submergindo qualquer concentração.

A visão de Hyunjin, tão perto, os corpos quase se tocando, insistia em voltar. Felix sentia as bochechas queimarem enquanto imagens vívidas se formavam contra sua vontade. Ele imaginava o que teria acontecido se Hyunjin não tivesse se afastado. E se ele tivesse se inclinado um pouco mais? Se seus lábios tivessem se encontrado? Se a tensão no ar tivesse explodido em algo muito mais intenso?

A ideia o fazia estremecer, e suas mãos passaram nervosamente pelo rosto. Ele respirou fundo, mas o ar parecia pesado. Não adiantava mais insistir. Felix sabia que não conseguiria se concentrar naquele estado. Com um suspiro frustrado, ele largou as anotações na mesa, levantando-se tão bruscamente que a cadeira fez um ruído alto contra o chão de mármore.

Ele saiu da biblioteca, caminhando pelo corredor vazio e silencioso do palácio. As tochas nas paredes lançavam sombras oscilantes pelo chão, enquanto Felix seguia sem rumo, os passos ecoando suavemente. Ele precisava de ar, precisava organizar os pensamentos. Ou talvez só precisasse esquecer... esquecer Hyunjin.

Mas esquecer parecia impossível. O toque, a proximidade, o calor... tudo ainda estava ali, queimando em sua memória como uma chama que se recusava a apagar. Felix sacudiu a cabeça, tentando afastar a imagem de Hyunjin, mas, no fundo, ele sabia que aquilo era inútil.

Conforme ele caminhava pelos corredores, seu olhar varria cada canto, atento. Ele temia que Hyunjin surgisse de repente, o surpreendendo como fazia com frequência. Felix mordeu o lábio com força ao pensar nisso. E se ele aparecesse? O que eu faria? O que eu diria?

A verdade era clara em sua mente, mesmo que ele não quisesse admiti-la. Se Hyunjin aparecesse naquele momento, Felix não teria controle sobre si mesmo. Ele o atacaria com um beijo desesperado, com uma intensidade que faria suas bocas incharem, como se toda a frustração e desejo acumulados precisassem ser liberados de uma só vez.

Essa ideia o fez parar no meio do corredor, ofegante. Ele fechou os olhos por um momento, tentando se recompor, mas o ar ao seu redor parecia carregado demais, sufocante demais. Com os punhos cerrados, Felix se forçou a continuar andando, torcendo para que Hyunjin não estivesse à espreita... ou talvez ele torcia para que estivesse.

...

Felix caminhou pelos jardins silenciosos, as botas tocando o chão coberto por uma fina camada de gelo que nunca derretia. O céu acima estava coberto por nuvens densas, mas alguns raios de sol escapavam entre elas, lançando um brilho pálido sobre o terreno congelado. Ainda assim, mesmo sob a luz do dia, o frio persistia, um lembrete constante da maldição que pairava sobre o reino de Erillea.

Ele apertou os braços contra o corpo, mais por hábito do que por necessidade. O frio não o incomodava tanto quanto a sensação de vazio dentro dele. Era como se a falta de calor no mundo ao seu redor refletisse a falta de algo essencial dentro de si: poder, propósito... controle.

Os pensamentos se voltaram para a maldição que congelava tudo, até mesmo o sol. Felix sempre se perguntava como o mundo era antes de toda aquela escuridão, antes do frio eterno. Ele fechou os olhos por um momento, tentando imaginar. O calor do reino do fogo devia ser devastador e ao mesmo tempo reconfortante, uma força viva que aquecia o coração e a alma. Ele se perguntou se algum dia teria a chance de ver aquele calor de perto.

Os pensamentos vagaram novamente para Hyunjin. Felix sempre tentava evitá-lo, mas o homem parecia ser como o fogo que ele representava: impossível de ignorar, impossível de esquecer. Ele lembrou-se da pequena chama que tremeluziu nos dedos de Hyunjin durante a conversa de dias antes, um brilho efêmero que parecia quase doloroso de ver. Hyunjin havia admitido, com uma tranquilidade quase assustadora, que seus poderes estavam desaparecendo aos poucos.

Felix nunca quis perguntar mais sobre isso, mas ele queria. Ele queria entender, queria ajudar. Havia uma determinação silenciosa crescendo dentro dele — uma vontade de lutar, de restaurar o equilíbrio no reino, mas também... havia curiosidade.

Aquela chama pequena e vacilante de Hyunjin era fascinante. E a ideia de recuperar seus próprios poderes de gelo o deixava inquieto. Ele queria sentir o frio dentro de si não como um vazio, mas como uma força viva. Queria ver neve dançando ao seu redor, gelo se formando com um estalar de dedos. Mais do que isso, ele queria provar para si mesmo, e talvez para Hyunjin, que era capaz.

E, então, havia aquela outra questão. O compartilhamento de poderes.

Ele suspirou, cruzando os braços enquanto continuava caminhando pelo jardim. As palavras de Hyunjin ecoavam em sua mente: Você será meu. A frase parecia simples, mas sua implicação era tudo menos isso. O que significava, exatamente, ser de Hyunjin? Seria apenas uma ligação de poder, ou algo mais?

...

A sala de jantar estava mais silenciosa do que o habitual naquela noite. O único som que preenchia o espaço era o leve tilintar de talheres contra os pratos e o ocasional estalar da lenha queimando na lareira ao fundo. Felix estava sentado quase na extremidade da longa mesa, afastado o máximo possível de Hyunjin, que, com seu habitual ar de indiferença, ocupava a cadeira no lado oposto.

Felix manteve os olhos fixos no prato à sua frente, tentando ignorar a presença de Hyunjin do outro lado. O silêncio entre eles era denso, mas não desconfortável para Hyunjin, que comia lentamente, sem qualquer sinal de pressa ou inquietação. Já Felix parecia diferente. Ele cortava sua carne em pedaços pequenos e os levava à boca mecanicamente, como se o gesto fosse mais por obrigação do que por fome.

Quando Felix terminou, ele pegou o guardanapo e limpou os lábios delicadamente antes de se levantar.

— Com licença — disse, sua voz baixa e formal, sem olhar diretamente para Hyunjin.

Ele já estava a meio caminho da saída quando a voz profunda de Hyunjin quebrou o silêncio.

— Felix.

Felix parou abruptamente e virou a cabeça para trás, encarando Hyunjin por cima do ombro. O rosto do outro homem era parcialmente iluminado pelas chamas da lareira, destacando os contornos fortes e as sombras que se formavam sob suas maçãs do rosto.

— Pratique seus poderes hoje à noite — disse Hyunjin, casualmente, enquanto repousava os talheres sobre o prato vazio.

Felix franziu o cenho, confuso.

— Por que à noite?

Hyunjin deu de ombros, recostando-se na cadeira com aquela calma irritantemente inabalável.

— Porque é a melhor hora.

Felix continuou parado por um momento, tentando decifrar se havia um significado oculto naquela resposta. Mas Hyunjin apenas ergueu uma sobrancelha, desafiando-o a perguntar mais alguma coisa.

Finalmente, Felix suspirou e assentiu brevemente.

— Tudo bem.

Ele virou-se e saiu da sala de jantar, seus passos ecoando no corredor vazio enquanto o coração batia mais rápido do que ele gostaria de admitir. Não era a primeira vez que Hyunjin o deixava desconcertado, mas aquele homem parecia ter o talento de transformá-lo em uma tempestade de emoções com apenas algumas palavras.

Felix caminhou até seu quarto, tentando se convencer de que as batidas rápidas de seu coração eram apenas de ansiedade pela prática dos poderes. Afinal, era só isso... não era?

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