14. Entre prateleiras

36 8 0
                                    

Poucos minutos depois de sair, Hyunjin voltou, carregando uma bandeja prateada com cuidado, como se fosse um ritual. A luz que vinha das janelas altas refletia no metal, destacando as cores vivas das frutas, o dourado dos pães e o líquido alaranjado que preenchia um copo de cristal. Ele colocou a bandeja na mesa diante de Felix com a mesma leveza calculada.

— Você devia comer — disse, a voz firme, mas sem traço de imposição, como se fosse mais um conselho do que uma ordem.

Felix ergueu os olhos para Hyunjin e, após um breve momento de hesitação, murmurou:

— Obrigado.

Ele alcançou um dos pães e começou a comer em silêncio, sua mente ainda dispersa, embora sua fome fosse maior do que havia percebido. Enquanto isso, Hyunjin se afastou, deixando-o com a bandeja. Ele começou a andar entre as estantes, as mãos deslizando pelos livros como se pudesse senti-los através das capas. Seu olhar parecia contemplativo, e a maneira como se movia tinha a graça de alguém que conhecia bem aquele espaço.

Felix não desviava os olhos da comida, mas sentia a presença de Hyunjin como uma sombra tranquila que preenchia o ambiente. Era quase reconfortante, embora ele não admitisse isso nem para si mesmo.

De repente, a voz de Hyunjin cortou o silêncio, ecoando suave pela biblioteca.

— As histórias do Velho Mundo sempre me fascinaram. — Ele parou em frente a uma prateleira alta, os olhos fixos em um livro antigo de capa escura. — Imagine só: humanos que se reuniam em grandes grupos para cantar e dançar. Milhares de pessoas, todas juntas, compartilhando a mesma energia.

Felix ouviu em silêncio, mordendo um pedaço de fruta enquanto Hyunjin continuava.

— Talvez houvesse vampiros entre eles, misturados na multidão, vivendo sob disfarces. Quem sabe? — Hyunjin pegou o livro, folheando-o sem pressa. — Mas uma coisa que sempre me intrigou sobre o Velho Mundo... Eles odiavam. — Ele fez uma pausa, deixando o peso da palavra preencher o espaço. — Homens que amavam outros homens, mulheres que amavam outras mulheres.

Felix parou de mastigar, franzindo o cenho. Sua cabeça se inclinou levemente, e ele olhou para Hyunjin, que ainda estava de costas para ele, como se a conversa fosse mais com os livros do que com Felix.

— Por que os humanos odiavam algo tão lindo? — Felix perguntou, sua voz baixa, mas cheia de curiosidade genuína.

Hyunjin fechou o livro que segurava, girando-se lentamente para encarar Felix. Seu rosto estava sereno, mas havia uma sombra de melancolia em seus olhos.

— Porque eles não entendiam — respondeu simplesmente.

Felix suspirou, desviando o olhar para o copo de suco. A lembrança de seu pai surgiu em sua mente como uma nuvem escura.

— Meu pai também odiava. — Sua voz saiu mais baixa dessa vez. — Mesmo sendo feérico, ainda havia tanto ódio.

Hyunjin não respondeu de imediato, apenas observou Felix por um longo momento, como se estivesse esperando por mais. Mas quando Felix permaneceu em silêncio, ele apenas voltou sua atenção para os livros, colocando o volume de volta na estante e continuando sua caminhada lenta entre as prateleiras.

...

As horas se passaram, e o silêncio entre as paredes da biblioteca foi rompido apenas pelo som das páginas viradas por Felix e pelo ocasional estalar das velhas prateleiras de madeira. Ele continuava concentrado, absorvendo o máximo que podia dos textos densos, mesmo que eles parecessem mais enigmas do que respostas.

Hyunjin havia desaparecido entre as fileiras de livros há muito tempo, e, embora não se fizesse notar, Felix podia sentir que ele ainda estava por perto. Havia algo na presença de Hyunjin que parecia permanecer, como uma brisa sutil que nunca se dissipava completamente.

Quando Felix finalmente terminou seus estudos, fechando o último livro com um suspiro pesado, a sensação da presença de Hyunjin tornou-se mais forte, quase tangível. Ele se levantou, devolvendo os livros aos lugares que lembrava, e começou a andar pelos andares da biblioteca.

Subiu as escadas espirais novamente, desta vez até o quarto andar. O ambiente ali era mais escuro, as janelas menores deixavam passar apenas filetes de luz. Ele percorreu o espaço, olhando entre as prateleiras, até que o encontrou.

Hyunjin estava sentado diante de uma lareira acesa, as chamas projetando sombras dançantes sobre seu rosto sereno. Ele segurava um livro, mas parecia mais absorto nas chamas do que nas palavras. Seu semblante era tranquilo, quase hipnótico, como se a luz do fogo fosse suficiente para ocupá-lo por horas.

Felix ficou parado por um momento, hesitando em interromper. Antes que pudesse dizer algo, Hyunjin notou sua presença. Ele fechou o livro com um movimento deliberado, levantando-se com a elegância habitual.

— Terminou os estudos por hoje? — perguntou Hyunjin, cruzando os braços e inclinando levemente a cabeça para o lado.

Felix assentiu, as mãos se movendo para trás do corpo de maneira quase infantil, como se ainda fosse um aluno na frente de um professor severo.

— Sim — respondeu, sua voz calma, mas com um toque de exaustão.

Hyunjin o observou por um instante, o canto dos lábios se erguendo em um sorriso quase imperceptível.

— Em alguns dias, deveria colocar em prática o que aprendeu. — Havia algo em sua voz, uma mistura de incentivo e desafio, que fez Felix sentir o peso daquelas palavras mais do que deveria.

Felix assentiu novamente, a resposta silenciosa, mas firme.

Hyunjin deixou o livro de lado sobre uma mesa próxima, caminhando em direção a Felix. Quando passou por ele, seu sorriso se alargou, ainda que levemente.

— Não basta só estudar, príncipe. — A última palavra soou quase como uma provocação.

E então, sem esperar mais nada, Hyunjin desapareceu pelo mesmo caminho que Felix havia tomado para chegar ali, deixando-o sozinho com a luz bruxuleante da lareira e o som suave de suas próprias respirações.

Trono destruído Onde histórias criam vida. Descubra agora