Felix voltou para o interior do palácio, seus passos lentos ecoando pelos corredores vazios. A pequena neve que conjurara ainda caía no jardim congelado, mas ele a deixou para trás ao cruzar as portas duplas que o separavam do calor aconchegante do interior. Seu corpo ainda estava dolorido, as queimaduras e os músculos tensos o lembrando de cada instante da noite anterior. Apesar disso, ele parecia mais sereno agora, como se a solidão do jardim tivesse ajudado a organizar seus pensamentos.
Ele caminhou até a biblioteca, um de seus lugares favoritos no palácio. O ar cheirava a papel envelhecido e madeira polida, um aroma reconfortante que sempre o fazia se sentir à vontade.
Felix deslizou os dedos pelas lombadas dos livros, lendo os títulos em voz baixa. Ele não precisava mais estudar como antes, então podia se dar ao luxo de escolher algo apenas por prazer. Seus olhos captaram um volume de capa escura com letras douradas que brilhavam sob a luz suave das lâmpadas.
— Sombras da Noite — ele leu em voz alta.
O título chamou sua atenção, e a sinopse na contracapa prendeu ainda mais seu interesse: uma história sobre um humano e um vampiro que se apaixonavam e ficavam ligados para sempre por uma ligação de sangue. Felix sorriu de canto. O livro que Hyunjin mencionou que lera, percebeu, abraçando o livro contra o peito antes de seguir até o divã em frente à lareira.
A lareira crepitava suavemente, o calor das chamas aquecendo a sala. Felix se ajeitou no divã, ajustando a capa azul para cobrir parte de seu corpo enquanto se acomodava. Ele abriu o livro, folheando as primeiras páginas, e logo mergulhou na história.
O vampiro do romance, Lorde Adrian, era uma figura imponente. Ele tinha cabelos pretos que caíam em ondas sobre os ombros, olhos que pareciam queimar como brasas, e vestia-se sempre com elegância, em tons de preto e vermelho. Ele era debochado, confiante, e cada palavra que saía de sua boca carregava um charme irresistível. Felix não pôde evitar a comparação: “Ele se parece tanto com Hyunjin,” pensou, com uma pontada de melancolia.
Quanto mais lia, mais a semelhança ficava evidente. Felix podia imaginar Hyunjin nos trajes descritos no livro, a postura impecável, o ar de superioridade que mascarava algo muito mais profundo. Ele suspirou, sentindo o peito apertar.
Então veio a descrição do humano, Ethan. Pequeno, loiro, de olhos brilhantes e sorriso gentil. Ele era sensível, apaixonado, e sua bondade parecia desarmar Lorde Adrian a cada instante. Felix riu baixinho, mas era um riso melancólico. “Ethan sou eu” ele admitiu para si mesmo, os dedos apertando as bordas do livro.
A história avançava, narrando o momento em que Ethan ofereceu seu sangue a Adrian. A ligação que se formou foi intensa, indestrutível, criando um elo que ia além do físico. Felix sentiu o coração bater mais rápido enquanto lia, como se pudesse se ver naquela cena. A dependência emocional de Ethan, o desejo de estar ao lado de Adrian mesmo quando isso significava arriscar tudo... tudo aquilo parecia um reflexo dolorosamente familiar.
Ele fechou o livro por um momento, apoiando-o no colo, enquanto olhava para as chamas da lareira.
— Por que isso está me atingindo tanto? — ele se perguntou.
Mas ele sabia a resposta. A relação entre os personagens não era apenas semelhante à sua com Hyunjin; era como um espelho que refletia tudo o que sentia, mas não tinha coragem de admitir.
Felix mordeu o lábio inferior, segurando as lágrimas que ameaçavam cair. Ele queria tanto Hyunjin. Precisava dele. E, ao mesmo tempo, sentia o peso da distância que Hyunjin parecia impor entre eles. O livro parecia uma ironia cruel, uma história que ele desejava viver, mas que, no fundo, sabia que talvez nunca se realizasse como sonhava.
Depois de um longo momento encarando o fogo, Felix abriu o livro novamente e voltou à leitura, mesmo que cada palavra parecesse apertar ainda mais seu coração já tão frágil. Felix folheava as páginas com os olhos atentos, o brilho caloroso da lareira iluminando o texto em suas mãos. Conforme avançava pela história, o incômodo começou a se instalar como uma sombra em seu peito. A princípio, o romance parecia tão fascinante, quase mágico, mas agora... agora havia algo nele que despertava um nó em sua garganta.
O vampiro, Lorde Adrian, que no início era tão charmoso e sedutor, começou a mostrar um lado frio, distante. Ele tratava o humano, Ethan, com indiferença logo após os momentos mais íntimos. Ethan, por sua vez, se agarrava desesperadamente a qualquer atenção que Adrian lhe dava. Havia noites em que ele chorava sozinho, sentindo-se abandonado, mas, mesmo assim, sempre voltava para o vampiro quando ele o chamava.
A cada palavra, a cada linha, Felix sentia como se estivesse lendo sobre si mesmo. Ele engoliu em seco, apertando as páginas com mais força. O coração parecia pesar em seu peito, especialmente quando chegou às descrições das noites que Ethan passava ao lado de Adrian. O sexo entre eles era intenso, quase brutal. Ethan o descrevia como algo avassalador, que deixava seu corpo marcado por dias, mas ele sempre voltava, mesmo sabendo que Adrian o trataria com frieza logo em seguida.
Felix respirou fundo, tentando afastar as comparações que inevitavelmente surgiam.
— É apenas um livro — ele disse a si mesmo em um sussurro.
Mas não era apenas um livro. As semelhanças eram gritantes demais. Ele se lembrou da noite que passou com Hyunjin — a intensidade, o calor, o desejo que parecia queimar ambos até o limite. O jeito como Hyunjin o olhou nos olhos, segurando-o como se fosse algo precioso, mas depois... depois veio o silêncio, a distância.
Felix fechou o livro abruptamente e o colocou no colo, encarando as chamas que dançavam na lareira. Ele sentiu a garganta apertar, os olhos marejarem de novo. “Será que estou me enganando?” pensou. Talvez ele fosse como Ethan, agarrando-se a algo que nunca poderia ser completamente seu. Hyunjin havia sido tudo o que ele sempre desejou por uma noite, mas será que aquilo era tudo o que ele teria? Uma noite marcada por paixão, seguida por um vazio cortante?
Ele não queria acreditar nisso. Não queria se ver como Ethan, tão dependente de alguém que o fazia se sentir tão pequeno e vulnerável. Mas não podia ignorar a verdade que o livro parecia esfregar em seu rosto: ele era, de fato, dependente de Hyunjin. Mesmo que quisesse negar, mesmo que odiasse admitir, ele precisava de Hyunjin. Precisava de seu toque, de seu olhar, de sua presença.
Felix passou uma mão pelos cabelos loiros, puxando levemente os fios na tentativa de dissipar a frustração que borbulhava em seu interior. Ele queria odiar o livro por ser tão cruelmente honesto, mas sabia que o problema não era a história. O problema era o reflexo que ela projetava de sua própria vida.
Depois de um longo momento, Felix abriu o livro novamente. Ele continuaria lendo, mesmo que doesse. Porque, de alguma forma, ver seu próprio sofrimento refletido ali o fazia se sentir menos sozinho. Como se, pelo menos naquelas páginas, houvesse alguém que entendia exatamente como ele se sentia.

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Trono destruído
ФанфикNa terra distante de Terrasen, onde feéricos de poderes elementares governam vastos reinos, Felix, um assassino notório com a habilidade de manipular gelo, é capturado pelo Estado após uma missão fracassada. Preso em uma masmorra, ele aguarda sua ex...