38. O sonho

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A noite já havia descido sobre o palácio, lançando sombras pelas paredes ornamentadas. Felix fechou o livro com um suspiro pesado, incapaz de focar em qualquer coisa além dos pensamentos insistentes que Hyunjin ocupava em sua mente. Ele não estava com fome, o vazio em seu estômago parecia pequeno comparado ao peso em seu coração. Resolveu que não iria jantar. Em vez disso, deixou a biblioteca, seus passos ecoando pelos corredores silenciosos.

Enquanto caminhava, algo dentro dele o impulsionou a mudar de rota. Suas pernas, quase como se tivessem vontade própria, o levaram em direção às escadas que subiam até a última torre do palácio. Ele hesitou por um instante ao chegar no topo. Aquela torre era proibida. Ele sabia disso, mas o desejo de ver Hyunjin falava mais alto.

Quando se aproximou da porta entreaberta, Felix espiou com cautela. Seus olhos logo captaram a figura de Hyunjin, de pé, diante de uma enorme tela. Ele estava concentrado, o pincel deslizando pela superfície com movimentos firmes e habilidosos. Felix ficou imóvel, surpreso. Hyunjin era pintor? A descoberta o deixou atordoado. Ele nunca teria imaginado que Hyunjin tivesse esse lado tão... artístico, tão delicado.

Felix deu mais um passo, tentando ver melhor. Foi então que a porta rangeu levemente sob o movimento. Hyunjin virou-se bruscamente, os olhos encontrando os de Felix. Seu rosto, que antes parecia calmo, fechou-se em uma expressão severa.

— O que você está fazendo aqui? — A voz de Hyunjin era fria, cortante.

Antes que Felix pudesse responder, Hyunjin deu um passo à frente e, com um movimento rápido, fechou a porta com força, quase acertando o rosto de Felix. O impacto do som ecoou pelo corredor vazio, deixando Felix paralisado. Ele piscou algumas vezes, processando o que acabara de acontecer.

Mas, por mais rápido que Hyunjin tivesse sido, Felix já havia visto. Não apenas a tela parcialmente concluída, mas também o brilho nos olhos de Hyunjin enquanto pintava, uma mistura de paixão e vulnerabilidade que ele nunca havia mostrado a ninguém — muito menos a Felix.

Felix ficou parado em frente à porta por alguns segundos, tentando decifrar o motivo daquela reação tão defensiva. O que Hyunjin estava pintando? Por que ele não quer que eu veja? A curiosidade queimava em Felix, mas ele sabia que não adiantaria bater na porta novamente. Hyunjin não o deixaria entrar.

Com o coração apertado, Felix deu meia-volta e começou a descer as escadas lentamente. Seus pensamentos estavam confusos, girando em torno daquela nova descoberta. Hyunjin, o homem que sempre parecia tão forte, tão indestrutível, tinha um lado oculto. Um lado que ele escondia, que guardava apenas para si.

Quando Felix chegou ao seu quarto, fechou a porta atrás de si e deixou o corpo cair sobre a cama, os olhos fixos no teto. Ele não conseguia parar de pensar na expressão de Hyunjin, na mistura de raiva e... vergonha? Talvez fosse algo mais. Felix não sabia.

Ele se virou de lado, apertando o travesseiro contra o peito. O que ele estava pintando? E por que não podia mostrar para mim? As perguntas ficaram girando em sua mente até que, exausto, ele finalmente caiu em um sono inquieto, ainda imaginando o que Hyunjin guardava por trás daquela porta fechada.

...

As chamas eram intensas, vivas, quase dançantes. Hyunjin estava completamente nu, e o fogo parecia envolvê-lo como um manto feroz, subindo pela sua pele de forma orgânica, como se fizesse parte dele. Seu cabelo preto brilhava com os reflexos das labaredas, e seus olhos, sempre tão frios e calculados, agora estavam iluminados por uma intensidade quase animalesca. Ele parecia etéreo, uma criatura forjada das profundezas das estrelas ou das fornalhas do próprio inferno.

Felix observava a cena com os olhos arregalados, o peito subindo e descendo rapidamente enquanto tentava processar o que via. Ele deveria ter sentido medo, pânico até, mas não sentia. Tudo o que conseguia pensar era no quanto Hyunjin parecia... belo. Assustador, sim, mas de um jeito que fazia seu coração acelerar, seus dedos formigarem. As chamas o tornavam magnético, irresistível.

Quando Hyunjin deu um passo à frente, o fogo ao redor dele parecia responder, ondulando com cada movimento como uma extensão de seu corpo. Felix engoliu seco, seu corpo inteiro tremendo, mas não de medo. Havia algo naquele olhar de Hyunjin, naquela forma como ele o encarava, que o fez esquecer qualquer instinto de sobrevivência.

— Felix... — Hyunjin disse, sua voz rouca e grave, carregada de algo que Felix não conseguia identificar.

Antes que pudesse reagir, Hyunjin o segurou pelos braços com força. Felix sentiu o calor instantaneamente, tão intenso que parecia que sua pele estava se derretendo sob o toque. Ele soltou um gemido, a dor misturando-se a uma estranha sensação de prazer, como se cada célula de seu corpo estivesse viva, reagindo ao contato.

Felix deveria ter se afastado, deveria ter lutado contra aquele calor que parecia devorá-lo vivo, mas ele não fez nada disso. Em vez disso, seus braços se ergueram instintivamente, agarrando-se aos ombros de Hyunjin com força. Seus dedos afundaram na pele quente, e ele sentiu as chamas queimarem suas mãos, mas ele não se importou.

— Hyunjin... — Felix sussurrou, a voz embargada.

O fogo parecia se espalhar para ele agora, tomando sua própria pele, mas Felix não recuou. Ele não podia. O calor era insuportável, mas ao mesmo tempo irresistível. Ele queria mais, precisava mais.

Hyunjin o puxou para mais perto, seus corpos colidindo. Felix sentiu cada centímetro da pele flamejante de Hyunjin contra a sua, o cheiro de carne queimada misturado ao calor sufocante ao redor deles. Ele estava em sangue vivo agora, podia sentir isso. Sua pele derretia, a dor era excruciante, mas algo dentro dele o fazia ignorar tudo.

O olhar de Hyunjin se suavizou por um instante, como se ele quisesse dizer algo, mas em vez disso, ele o puxou ainda mais para perto. Os lábios deles se encontraram, e Felix sentiu o gosto do fogo. Era amargo e quente, mas ele o desejava, queria mais. Suas mãos deslizaram pela cintura de Hyunjin, apertando-o, segurando-o como se sua própria vida dependesse disso.

As chamas subiam ao redor deles, queimando tudo em seu caminho, mas nada importava. O mundo poderia estar desmoronando, e Felix não se importaria. Ele estava com Hyunjin, completamente entregue, mesmo que isso significasse ser consumido por aquele fogo que parecia destinado a destruí-lo...

...

Felix acordou de repente, o corpo se ergueu em um salto, como se tivesse sido arrancado de um abismo. O ar entrou em seus pulmões de maneira irregular, e ele respirava rápido, quase em pânico. Seus olhos se moveram pelo quarto, ajustando-se à penumbra que o cercava. A única luz vinha da lua cheia, entrando pelas grandes janelas de vidro.

Ele estava suando. O tecido da camisa de seda que vestia estava colado ao peito, úmido, desconfortável. Felix passou as mãos pelos cabelos, puxando-os para trás enquanto tentava se acalmar. Ele tremia, mas não de frio. O calor ainda estava com ele, como se o fogo do sonho tivesse deixado vestígios em sua pele.

Ele pressionou as palmas contra o rosto, tentando se livrar da sensação. Podia jurar que ainda sentia o toque de Hyunjin em seus braços, como se as mãos do homem, quentes e abrasadoras, estivessem marcadas nele. O cheiro do fogo parecia impregnado no ar ao seu redor, e ele quase podia ouvir o som das chamas crepitando.

— Foi só um sonho... — ele murmurou para si mesmo, como se precisasse ouvir isso em voz alta para acreditar.

Mas não parecia só um sonho. O realismo dele o perturbava. Felix podia sentir o peso das mãos de Hyunjin em seus braços, a ardência do calor que o consumia, e até mesmo o gosto do beijo que haviam compartilhado. Seus lábios ainda formigavam, e ele os tocou com a ponta dos dedos, como se quisesse confirmar que estavam intactos.

Ele olhou para as mãos, virando-as para frente e para trás, procurando qualquer sinal de queimadura, mas não havia nada ali. Ainda assim, ele podia jurar que havia sentido sua pele queimar, derreter sob as chamas.

Felix jogou o corpo para trás, caindo sobre os travesseiros com um suspiro frustrado. Seu coração ainda batia rápido, pulsando em suas costelas como se quisesse escapar. Ele fechou os olhos, mas as imagens voltaram imediatamente: Hyunjin nu, envolto em chamas, a intensidade do olhar dele, o calor sufocante, a dor misturada ao prazer. Felix abriu os olhos de novo, incapaz de encarar aquilo.

Ele ficou deitado ali por um longo tempo, encarando o teto. As sombras projetadas pela luz da lua dançavam sobre ele, mas isso não o acalmava. Ele sabia que era apenas um sonho, mas algo naquele sonho parecia mais profundo, mais real do que deveria ser.

Por fim, Felix suspirou e virou para o lado, abraçando um dos travesseiros. O calor parecia estar desaparecendo aos poucos, mas as memórias do sonho ainda estavam vívidas.

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