Capítulo 35

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Claudia não parava de tagarelar um só minuto enquanto esperava sua mãe chegar. Enquanto esperava, ela me pediu para lhe ajudar a fazer o jantar. Fiquei inconformada por Claudia não saber cozinhar, já que sua mãe cozinhava tão bem. Tudo bem que isso não significava nada. Mas ela devia saber fazer pelo menos as coisas mais básicas. No fim acabou sendo engraçado vê-la cozinhar.

Dona Ana e Rubens chegaram juntos, o que não era normal.

–– Oi mãe, oi pai. – Claudia os recebeu com muito entusiasmo assim que passaram pela porta. – A Nanda e eu fizemos o jantar, vão se lavar para jatar com a gente.

–– Nossa, que animação toda é essa? Rubens perguntou.

–– Qual a ocasião tão especial?

–– Não tem ocasião especial, só quis fazer uma coisa legal para vocês dois. – disse abrindo um sorriso. – Agora vão se lavar para o jantar.

Colocamos a mesa enquanto os dois não vinham e esperamos.

Foi bom ter todos a mesa, dava pra ver a satisfação no rosto de cada um ali. No rosto de Rubens dava para notar a paz que ele sentia. Como era bom ter a família reunida na mesa como antes, e como deveria ser sempre. Dona Ana tinha um sorriso estampado no rosto enquanto comia e olhava para o rosto de Claudia. E eu me senti bem por estar ali naquele momento. Partilhando daquele momento em família.

Para mim aquilo era muito importante, já que minha família de verdade nunca chegou a se sentar a mesa para comer, não daquela forma. Não com todos se sentindo tão bem.

–– O que acharam da minha tentativa de cozinhar? Perguntou Claudia depois de ter terminado.

Rubens pigarreou uma vez.

–– Ficou muito bom para a sua primeira vez. – ele esboçou um sorriso.

Claudia sorriu toda contente.

–– Obrigada pai.

Claudia começou a tirar a mesa junto com sua mãe, Rubens foi para a sala e eu fui tomar um banho.

Peguei minha toalha na gaveta e uma roupa para me trocar. Parei na frente do espelho quebrado, encarei os restos fragmentados de mim mesma, olhei meu corpo levemente inchado. Minha barriga tão grande quanto uma bola de basquete. Passei os dedos suavemente por meu corpo onde costumava ter curvas, o toque frio fez com que me arrepiasse. Instantaneamente o rosto de Claudia me veio a cabeça. Passei os dedos sobre o lábio e fechei os olhos.

Aquele beijo...

Abri os olhos e ainda estava de frente para o espelho, olhando para os vários reflexos de mim mesma. Virei o rosto. Liguei o chuveiro e deixei a agua cair sobre meu corpo e aquece-lo aos poucos.

Me parecia tão errado pensar em Claudia daquela forma. Mas eu já não conseguia evitar. Não conseguia negar que a forma como ela pensava em mim estava mexendo comigo, a forma como ela às vezes me olhava, mexia comigo.

Terminei meu banho e me troquei rapidamente para voltar para a sala. Precisava conversar com Claudia. Não podia deixar para lá o fato dela ter me beijado a apenas uns dias e ter pedido para deixar para lá por causa de outra garota. Se ela gostasse mesmo dessa outra menina, ela não teria me beijado.

Entrei na sala e encontrei Dona Ana com seus óculos de leitura e um livro nas mãos e Claudia encostada em Rubens que a abraçava enquanto assistiam TV. Era bom ver que as coisas estavam normais, pelo menos por enquanto.

Quando me viu entrando, Claudia deu um pulo do sofá e foi correndo pegar o envelope em cima da geladeira.

–– Já ia me esquecendo. – ela entregou envelope para sua mãe. – A minha treinadora pediu para eu entregar isso para você.

–– Não acredito que foi falar com sua treinadora outra vez. – Rubens interveio pegando o envelope da mão de Dona Ana. – Isso aqui. – ele ergueu o envelope. – só vai ser discutido quando não parecer que você pode se quebrar ao levar uma bolada.

–– Pai!

–– Rubens isso foi grosseiro. – Dona Ana pegou a carta de volta.

–– Eu acho que vocês deveriam pelo menos dar uma olhada na carta. – disse. – Pode ser bom para a Claudia. As amigas da Claudia vieram aqui entregar a carta hoje, foi a própria treinadora dela que mandou.

–– Como pode ser bom para ela se foi lá que tudo começou? Ele me encarou, e depois de um minuto ele completou. – Por mim ela nunca mais pisaria naquele lugar.

–– Rubens...

–– Eu não quero discutir sobre isso na frente dela. – ele apontou para Claudia que estava toda chorosa no sofá.

–– Pai, por favor – pediu com os olhos cheios de lagrimas.

Dona Ana começou a abrir o envelope.

–– Não Claudia, não adianta me pedir, eu não vou concordar com isso. – ele se sentou ao lado dela. – Você também tem que entender o meu lado como pai.

–– Ah, claro. Agora a egoísta sou eu. – ela revirou os olhos.

–– Tenho certeza que eu não consigo fechar minha mão assim no braço de nenhuma de suas amigas. – ele encostou dedo com dedo em volta de seu braço. – Praticamente só tem pele e osso aqui.

Ela tentou se desvencilhar de sua mão, mas obviamente ele era mais forte.

–– Você não pode falar assim comigo. – disse quando ele a soltou. – Isso magoa. – ela abaixou a cabeça.

–– Te ver assim me magoa também. – ele se arrumou ao seu lado para lhe abraçar.

Dona Ana deixou a carta em cima da mesinha de centro e foi para o lado de Rubens.

–– Nós podemos conversar sobre esse assunto mais para frente, tudo bem? Eu concordo com o seu pai filha, você parecia estar melhorando, mas de uns tempos para cá tem dado uma recaída.

Claudia olhou para mim como um ultimo pedido de ajuda, mas eu não podia discordar daquilo. Eu não estive com ela por mais de um mês, então não podia intervir naquele momento.

Quando percebeu que não teria jeito, Claudia apenas encostou a testa nos ombros de eu pai e chorou.

Eu não queria ficar ali, então passai a mão nos ombros de Dona Ana apenas como um conforto para ela e me retirei da sala.

Voltei até o quarto e me deitei na cama de Claudia. Encarei as palavras esculpidas na escrivaninha. Estava começando a achar que Claudia podia estar se cortando. Isso explicaria o fato dela não querer se trocar na minha frente.

Ela costumava fazer isso quando era mais nova, mas tinha prometido nunca mais pegar em uma lamina.

Me cobri com o edredom e fiquei ali enfiada em baixo das cobertas por um tempo sem me mexer.

Ouvi o barulho da porta se fechando.

–– Tudo bem? Perguntei.

Ela deu de ombros e pegou uma roupa dentro do guarda roupa para tomar um banho.

–– Não faz assim Claudia.

Ela deixou cair às coisas no chão e veio para a cama me abraçar com os olhos cheios de lagrimas.

–– Ei, calma. Não precisa ficar assim.

Ela deitou na cama e começou a chorar alto.

Fiquei mexendo em seu cabelo por um tempo e depois comecei a afagar seu rosto, enxugando as lagrimas com a mão.

–– Senti tanto a sua falta. – disse dando um soluço.

Ela segurou minha mão parada em seu rosto.

Eu me ajeitei na cama ao seu lado, tentando ficar da forma mais confortável possível por causa da minha barriga. Então Claudia se virou e deitou em meu ombro e me abraçou.

–– Dorme aqui comigo essa noite? Perguntou.

Fiz que sim.

–– Obrigada. – ela beijou o canto da minha boca.

–– De nada. – respondi depois de um tempo lhe dando um beijo no alto da cabeça, o único lugar que eu alcançava.

Um fio de esperança. {EM REVISÃO.}Onde histórias criam vida. Descubra agora