Felipe me xingou dos pés à cabeça. E alto. Todos no pátio pararam para ouvir. Alguns começaram o coro "BRIGA, BRIGA, BRIGA!", outros apenas escutavam cada palavra, atentos, enquanto cochichavam coisas com outras pessoas.
-OLHA O QUE VOCÊ FEZ, SUA LOUCA! NÃO SABE ANDAR COM UMA LATA NA MÃO NÃO? NUNCA TE ENSINARAM?
-Olha, eu já pedi desculpa! Nem faz diferença, não é mesmo? Tenho certeza que não é você que lava suas roupas!
-Isso não te interessa!!!
-Se me interessasse, não seria da sua conta!
-IDIOTA!
Eu sei que é culpa minha. Odeio pressão e odeio muitos olhos na minha direção. Agora eu tinha os dois, por causa da minha teimosia. Eu estava me sentindo humilhada ali, tanto pelos que assistiam, quanto pelas coisas que saiam dos lábios do Felipe. Senti as lágrimas pesarem nas pálpebras inferiores. Não ia deixá-las caírem.
Discutimos feio por mais um tempo, que não sei se foram minutos ou horas. Pareciam não ter fim. As pessoas à nossa volta já haviam formado um círculo, ainda nos assistindo, como num ringue de MMA.
Até que o Felipe subiu os olhos até acima da minha cabeça, mudando sua expressão lentamente. Me virei para trás e dei de cara com a coordenadora. Não tinha passado pela minha cabeça que poderíamos ir parar na diretoria. Eu e encrenca eram palavras que se excluíam mutuamente. Nunca tive uma reclamação na escola.
Nós entramos na sala calados, andando devagar, culpando um ao outro com os olhos. Sentamos nas cadeiras opostas da mesa retangular, cada uma em uma extremidade. Eu observava o local claro, e, embora acolhedor, parecia perfeito para um tribunal. Vou ser condenada? Felipe estava curvado para baixo, não parecendo olhar nada em especial, apenas batucando com os dedos na mesa. Odeio batuque.
-Pode parar, por f...
-Não.
Ele cortou a minha voz com a dele. Não sei se foi o silencio, mas a maneira com a qual ele falou pareceu mortal.
Poucos minutos se passaram, e eu estava com a cabeça deitada na mesa, fitando a parede branca, enquanto a diretora abria a porta e se dirigia à uma cadeira intermediária entre nós. Ela parecia ter uns 55-60 anos, e tenho certeza que existia muita experiência atrás da sua máscara de serenidade.
-Fui informada que, agora há pouco, houve um tumulto no pátio. Podem me dizer o que aconteceu?- ela falou calmamente.
Eu e Felipe nos entreolhamos. "Fala", " Não, fala você ", "Não vou falar!". Nós nos comunicávamos com os olhos. Não sabia que isso podia acontecer com alguem que não tenho a mínima proximidade.
-Bem, eu estava passando com uma lata de coca na mão, quando tropecei no meu próprio pé e acabei derramando tudo nele. Daí ele começou a me xingar, as pessoas colocaram pressão pensando que era barraco, e aí eu pedi desculpa um milhão de vezes, só que ele continuou falando coisas, e começamos a brigar de verdade. Foi isso.
-Mais nada? Felipe, por quê você a xingou? Sabe que é ofensivo e a deixou desconfortável.
Felipe levantou e começou a apontar para mim enquanto falava.
-Ela sabe que não foi bem assim! Ela já estava de marcação comigo desde a cantina, e ai de repente chega por trás e joga refrigerante na minha blusa!
-E que motivos eu teria para fazer isso de propósito???- eu argumentei antes mesmo que a diretora pudesse repreendê-lo por ter ficado de pé.
Felipe se sentou, curvou-se novamente para baixo, assumindo sua mesma expressão de antes, concentrado em um ponto perdido no espaço.
-Certo, acalmem-se. Apenas se desculpem e podem voltar para a sala. E prometam que vão resolver seus problemas pacificamente depois disso.
Por que Felipe não disse mais nada? Pensei, por um instante, que ele fosse gritar e jogar tudo o que eu supostamente tinha feito à ele na minha cara ali mesmo. Talvez ele não quisesse misturar àquela briga infantil, os nossos problemas pessoais. Bem, talvez ele nem saiba que temos problemas.
Nós dois nos "desculpamos" e voltamos em silêncio até a sala de aula. Quando abrimos a porta, todos os olhares ali presentes (até o professor nos olhou de queixo caído, interrompendo sua fórmula no quadro) se voltaram para nós. Sentamos nas carteiras do fundo. Como estávamos bem atrasados, não sobrou uma carteira perto da Bia na primeira fileira do lado esquerdo para mim, assim como o costumeiro assento dele, ao lado do Fábio e do Luís, também estava ocupado. Eu sentei na frente dele. Era desconfortável saber que ele podia me olhar por trás o tempo todo sem eu saber.
Enfim, o horário bateu. Eu copiei tudo, absolutamente tudo o que estava no quadro no caderno (até a data de hoje), mas não entendi nada do que o professor disse. Nem absorvi sequer uma palavra. Felipe se levantou no momento exato em que o sino tocou, e percebi que ele havia ficado na mesma posição a aula toda. Como sempre.
Bia veio agitada na minha direção.
-Pensei que você tinha morrido!!! Sumiu o intervalo todo, e quando perguntei para Daisy onde você estava, ela disse que viu você e Felipe sendo mandados para a diretoria! Vocês brigaram?? O que aconteceu? Me conta tudo! Você bateu nele? Se descontrolou por causa daquela história de afastamento, né?!
-Calma, criança!!! Relaxe! Vou te contar tudo, relaxe.
Relatei com detalhes tudo o que havia ocorrido desde o momento em que eu saí da cantina até o momento em que abri a porta da sala para a aula de Física. Descrevi desde a expressão furiosa do Felipe até a nossa subida constrangedora rampa acima.
-Meu Deus!!! Será que ligaram para a sua mãe? Será que você vai ficar de castigo?
Verdade. Ainda tinha essa hipótese. Muito provável, por sinal.
Já ia abrir a boca para falar que achava que sim, quando Helenna me entregou nas mãos um envelope azul claro, feito de um papel perolado.
"Helenna
15 Anos"-Vai ser daqui à trinta dias. Muita gente vai. A senha está dentro do convite.
Helena deu um sorriso sarcástico na direção da Bia e saiu. Bia não havia sido convidada, por que aos 6 anos, as duas tinham saido no tapa por causa de uma Barbie sereia na sala de brinquedos. As mães chegaram a ser chamadas, pois Bianca se recusava a soltar os cabelos claros e cacheados da Helenna. As duas saíram com várias marcas de dente nos braços e muitos fios de cabelo a menos. Então seria só eu naquela festa.
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Os 26 Planos da Minha Adolescência
Teen FictionExistem 26 letras no alfabeto. E existiam 26 porquês para usá-las. Eu, Melanie, a garota quieta, nerd, que nunca arriscara nada na vida, prometi a mim mesma uma única coisa: em dois anos, 26 acontecimentos improváveis irão se cumprir. Autora: yellow...