Perdidos

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Despertei com a voz da coordenadora. Nessa viagem demorada, com o balanço do ônibus, até eu mesma tinha me rendido ao sono. Esfreguei os olhos e me espreguicei antes de catar as minhas coisas, e me dar conta de que Bia não estava ao meu lado ainda. Traíra! Imagino quando eles começarem a namorar. Vai ser muito chato eu sozinha.

Esperei até uma certa quantidade de pessoas saltarem para me mover melhor. Saí devagar, procurando por ela. Lola e Felps estavam num canto e Bia e Jack, no outro. Não creio na cena que vi: os dois passando protetor um na cara do outro. Ai que raiva.

-Bianca. POR QUE RAIOS VOCÊ ME ABANDONOU A VIAGEM TODA E FOI SENTAR PERTO DESSE TRASTE?

Ela desviou a atenção do Jack e falou com um sorrisinho bobo:

-Ah, sei lá. Pare de ser ciumenta menina, relaxe.

Relaxar vai ser a minha mão na sua cara, sua vaca.

-Olha aqui: não quero nem saber, eu vou me meter. Vocês podem ser amigos, namorados, os dois, o que for, eu vou estar no meio, com uma vela enorme, eu sei, MAS EU VOU ESTAR. E não se fala mais nisso, okay?- falei indignada.

Bia e Jack se entreolharam, calados e corados.

-Que é isso, somos amigos.

Ah. Amigos. Hahahaha, sem graça. Tô até me embolando de rir.

-Okay Bia. E eu sou a Selena Gomez.

Me virei e fui para perto da Lola, mas Felps não estava lá.

-Cadê ele?

-Foi no banheiro, acho. Bia tá com Jack e você não quer ficar de vela, né...?

-Disse tudo. Minha vontade é de dar um murro bem no meio da cara dela, mas deixa pra lá...

Lola riu.

-Por isso que eu sou amiga dos irresponsáveis. Eles nunca namoram, então eu nunca fico de vela.

-Boa idéia. Vou fazer isso.

Em nossa caminhada até o museu, parei para pensar. Meu Plano D deu certo. Só falta o Plano E. Céus! Esse ano tudo está indo tão bem até agora! O que houve??? Será que as felicidades que me desejaram nos meus aniversários está chegando atrasada?

O passeio por lá foi normal. Nada de extraordinário a ser visto. Tirei foto de algumas coisas, e por todo o trajeto, andei ao lado da Lola e do Felps. Pelo canto do olho pude ver que Bia e Jack estavam de mãos dadas. Eu a xinguei mentalmente. Não era para ela me trocar por ele!

Durou mais ou menos uma hora lá dentro. Toda essa demora no ônibus pra passar tão pouco tempo vendo o que se tinha para ver.

No caminho de volta, Felipe parou de andar. Ele soltou um palavrão baixo. Eu e Lola nos viramos.

-Perdi o celular em algum lugar.

Lola arregalou os olhos, entrando em pânico.

-O MEU CELULAR???

-É...

-VAI PROCURAR AGORA! QUAL FOI O ULTIMO LUGAR EM QUE VOCÊ USOU? NÃO TÔ ACREDITANDO NISSO.

-Calma, vamos voltar.

-FELIPE, A COORDENADORA ESTÁ LÁ NA FRENTE JÁ!!! TODO MUNDO JÁ NOS ULTRAPASSOU!

-Mas deve estar por perto, ele tava no bolso aqui do lado da mochila, deve ter escorregado e caído no chão.

Lola arfou e parecia estar dando um infarto. Eu não sabia se tentava acalmá-la (perder o celular é tipo perder um filho) ou se simplesmente olhava ao redor. Felps se abaixava e procurava pelo chão. Tentei fazer o mesmo.

Não paramos por um bom tempo, com Lola nos ajudando. Não percebi, mas o pessoal havia se afastado muito. Estávamos perdidos no meio do caminho de volta.

-Lola, me desculpa, mas a gente TEM que ir!

-MAS E O MEU CELULAR???

-Foi mal mesmo! Se quiser, você e Felipe procuram por mais tempo, mas a gente tá MUITO longe deles, não vamos alcançá-los nunca!!!

-Era pra a gente ter avisado a coordenadora, né?- Felps falou quase num sussurro.

-Por que você não fez isso, então?- Lola quase gritou. Era tudo culpa do Felipe, ou pelo menos era o que parecia.

-Ninguém pensou nisso na hora! Não é minha culpa!

-Calma, calma!!! A gente tem que voltar. Eu vou sozinha. Me desculpem.- tenho trauma de ficar perdida. Já aconteceu em um parque aos 9 anos e foi uma experiência pavorosa.

Fiz meu caminho à frente, mas já não sabia para onde ia. Tentei ligar para a Bia, ou para a minha mãe (nessas horas, eu ligaria até pro papai noel), mas estava sem sinal. E mesmo que tivesse sinal ali, não teria como ligar mesmo, sem créditos. Sou do tipo de pessoa que já salva o número dos outros com o "9090" na frente.

Continuei andando em frente, morrendo de medo, todos os meus órgãos em sinal de alerta. Provavelmente, se continuasse em frente, acharia o estacionamento. "Tudo bem, vai ficar tudo bem". "Não estamos tão longe". Ouvia passos atrás de mim, provavelmente Lola e Felps haviam desistido de procurar e estavam vindo.

O tempo se passa. Eu não parei de andar em nenhum momento, mas não me lembro do caminho dos ônibus até o museu ser tão longo. "Por favor, por favor, que eu não esteja perdida". "Meu Deus, por favor, eu não quero morrer".

-Mell, tem certeza que a gente tá indo pelo lugar certo?- ouvi a voz do Felps- por que tipo, nós só estamos te seguindo até agora. Você sabe o caminho, né?

-Não sei bem. Eu tô com muito medo.

-E se a gente estiver perdido?

Aí lascou-se a vida. Achei que fosse chorar.

-Calma... Vamos continuar andando.

-Meu celular...- Lola disse em tom choroso.

Eu ri. Só mesmo essa aí pra pensar nisso em uma hora dessas, enquanto eu estou aqui me borrando. E pelo visto, o cara ali atrás também está, né... Olhei para o Felps, que me olhou de volta, tenso.

Poucos minutos depois, avistamos vários carros, e ali estavam os dois ônibus, com todo o pessoal do lado de fora, provavelmente nos esperando, a coordenadora estava prestes a botar um ovo. Assim que os vi, uma onda de alívio percorreu todo o meu corpo. Fui correndo em direção à Bia, tão aflita, que estava quase chorando. Ela me abraçou forte.

-Onde você estava? Não posso te deixar sozinha um minuto, é?

-Pois é! Irresponsável, quase me perdi totalmente.

-Todo mundo estava te esperando, quer dizer, você, Felipe e Lola.

Depois que todos entraram nos ônibus, que a coordenadora reclamou conosco por termos nos afastado sem permissão e ameaçado ligar para os nossos pais, o clima se tornou mais leve.

Estávamos fazendo piadas sobre o ocorrido, Lola dizendo que tanto eu quanto o Felipe estávamos parecendo dois bebês, quase chorando de medo, Bianca se embolando de rir, Jack zoando muito o Felps, eu me defendendo, com o pretexto de que eu era uma menina, meninas são sensíveis e sentem medo fácil.

Mas logo, todos pegaram no sono (menos eu e Felipe). Eu estava novamente sentada sozinha, pois Bia estava com Jack, Lola no banco de trás.

Eu estava apenas ouvindo música, fitando o assento à minha frente sem pensar em nada específico. Felipe sentou ao meu lado. Ficamos sem falar nada. O que dizer? Nós dois estávamos provavelmente pensando em algum assunto, quando olhamos um para o outro no mesmo momento. Continuamos nos olhando diretamente nos olhos, vendo quem desviaria primeiro. Quando eu comecei a encará-lo mais de perto, ele se virou, ficando vermelho instantaneamente, o que eu não entendi o porquê.

Existe alguma coisa com ele em relação a mim que eu não posso saber. Lola e Bia sabem. E segundo elas, eu já deveria saber, mas "sou lerda". E o meu próximo objetivo é descobrir o que é.

Os 26 Planos da Minha AdolescênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora