Se antes tinha alguma dúvida, agora estava certa. Aquilo era uma péssima ideia. Era só nisso que conseguia pensar diante da minha figura ridícula diante do espelho. Os meus cabelos dourados presos num rabo-de-cavalo adornavam um rosto com uma maquiagem demasiado forte para a minha pele pouco tocada pelo sol. Os lábios rosas escuros, as sombras da mesma cor que cobriam os meus olhos castanhos e a base que tentava corrigir algumas das marcas do acne no meu rosto, só acentuava a diferença que ia da cor do meu rosto para o meu pescoço. Aquele vestido preto era demasiado justo e curto e não conseguia fazer mais do que puxá-lo insistentemente para baixo, embora fosse impossível cobrir muito mais do que metade das minhas coxas. Porém, o pior era sem dúvida, o uso de umas plataformas que me fariam cair com toda a certeza. No meu calçado só existiam sapatos rasteiros e os saltos altos sempre foram algo que riscava das minhas preferências porque só me conseguia imaginar a cair.
No entanto, as minhas novas amigas estavam quase histéricas com aquela minha aparência pois até parecia até outra pessoa. A Katya nunca usaria roupas daquelas, nem colocaria um pingo de maquiagem. Optaria simplesmente por umas calças de ganga e um conjunto de camisolas que provavelmente, deixariam horrorizadas aquelas três raparigas que se encontravam comigo naquele quarto.
- Estás tão gira! – Elogiou Kiara, a rapariga de raízes sul-africanas, pele escura, olhos castanhos e que ostentava um vestido bege do mesmo estilo que o meu, curto e justo. Penso que apenas diferia do “meu” pelo detalhe do pequeno laço nas costas. Como maquiagem usava apenas alguns brilhantes perto dos olhos e um batom cor de vinho acentuava os seus lábios carnudos. Quanto ao seu cabelo, usava as suas já conhecidas tranças.
- Claro, nós somos especialistas nesta matéria. – Gabou-se Sandra com o seu vestido de alças vermelho, um pouco mais solto, mas igualmente curto. Os seus longos cabelos castanhos-claros e ondulados caíam pelas suas costas. A sua maquiagem de risco nos olhos, lentes de contacto azuis e base faziam-na parecer bem mais velha. Se tivesse coragem de dizer aquilo que pensava da sua aparência, aliás da nossa aparência em geral, diria que nos preparávamos para algum trabalho noturno. Não eram bons pensamentos, mas infelizmente não conseguia pensar em outra coisa.
- Vamos? – Júlia apareceu na porta do quarto. – O táxi já chegou.
Para não fugir à regra, Júlia também levava um vestido curto, embora não tivesse alças e a cor fosse um cinzento algo brilhante. O seu cabelo pintado de ruivo estava bem esticado e o seu rosto também bem carregado de maquiagem. Caminhava como se não estivesse com uns sapatos de salto finíssimos pretos enquanto a Kiara e a Sandra ajudavam-me naqueles passos desastrosos para sair da casa da Júlia. Definitivamente, não fora feita para andar com aquele tipo de calçado, mas a custo, lá consegui entrar no táxi que nos levaria a um lugar onde também nunca tinha estado antes. Um bar.
Isso mesmo, eu, uma adolescente de dezasseis anos iria pela primeira vez sair à noite com amigas. Esse tipo de cliché costumava ser algo que via nos outros e nunca sequer me imaginara em tal situação. Além disso, aquele também seria o meu primeiro aniversário fora de casa, longe dos bolos do meu pai e da animação da minha mãe que apoiou sem qualquer sombra de dúvidas, esta mudança. Ela dizia que já estava na hora de sair mais e aproveitar a minha juventude. Será que se soubesse como aquilo iria mudar a minha vida, teria apoiado essa nova fase da minha vida? Tendo em conta, as preocupações parentais penso que nem a minha mãe ou o meu pai teriam incentivado aquele momento, soubessem eles o que iria acontecer.
- Vá, eu vou sentar-me aqui na frente para não amarrotarmos os nossos vestidos. – Falou Sandra, indo sentar-se ao lado do taxista, um senhor de trinta e poucos anos que nem procurou disfarçar o olhar de luxúria que nos lançou. Se por um lado, senti-me mergulhada em vergonha, por outro lado, tanto a Sandra como a Júlia pareciam incitar aquele tipo de comportamento, cavando mais alguns elogios pelo caminho. Quanto a Kiara distraía-se, enviando algumas mensagens ao rapaz que se sentava ao seu lado na sala de aula e que em poucas horas, reunira coragem para pedir o seu número de telemóvel.
A rapariga com os olhos presos naquele pequeno ecrã era a responsável por conhecer o seu grupo de amigas. Elas eram amigas desde do ensino básico e penso que só falaram comigo porque Kiara veio ao meu encontro. Também em tempos, esta última soubera o que era ser colocada de parte e por isso, viu como sua “obrigação” fazer o mesmo que tinham feito por ela. As três acharam que tínhamos coisas em comum já que o motivo para estarmos no curso de línguas e humanidades era sobretudo por não existir matemática. A terrível disciplina com quem mantive uma boa relação até ao sexto ano. Depois vieram as equações e descobri a minha incapacidade de misturar letras e números. Com isso, sonhos de criança como ser veterinária, médica e basicamente, tudo o que envolvesse queimar os meus miolos com ciência foram deixados de parte. Portanto, aquele curso servia para livrar-me da matemática, biologia e afins e ao mesmo tempo, tentar dissimular a minha indecisão quanto ao futuro. Normalmente, os alunos entravam num determinado curso com o objetivo de ter uma carreira no futuro; fosse entrando diretamente no mundo de trabalho ou então, ingressando num curso do ensino superior. Contudo, no meu caso, não estava certa quanto a nada. Não fazia ideia do que queria do meu futuro e isso mais do que assustar-me, também impedia que fosse capaz de dizer tal coisa em voz alta. O que diriam os meus pais? Diriam o que muitos falam dos filhos dos outros: “Aquele só vai para a escola passear os livros”. Para evitar o desgosto deles mantinha as minhas dúvidas em relação ao futuro em segredo. Quem sabe, antes que pudessem desconfiar de algo, já teria encontrado a minha vocação. As minhas novas amigas também não falavam muito sobre o que fariam no futuro, mas a minha esperança é que me inspirassem de algum modo. Aquela amizade era recente, talvez nem devesse classificar ainda como amizade e sim como colegas que conhecia há três dias, ou seja, desde que as aulas tinham começado. Elas perguntaram-me por amigos de outros anos e tive que mentir um pouco, dizendo que tínhamos perdido o contacto. A verdade que é que embora não fosse isolada, poucos conquistavam a minha confiança. Tive pessoas a quem chamei de amigos, mas sou daquelas pessoas que não deixa um impacto em ninguém e por isso, sou facilmente esquecida. Não tenho jeito para contar histórias ou para falar da minha vida. Sou introvertida. Gosto de conversas profundas, só que sou péssima em conversas informais que parecem ser tão normais para todos. Depois de dizer “Boa tarde, tudo bem?”, não sei o que dizer para continuar a conversa a fluir e por isso, sempre mantive as relações sociais à custa de outros que tentavam continuar a falar, arranjando temas que por vezes, não mereciam mais do que murmúrios da minha parte. Quase não saio de casa. Gosto de passar tardes à frente do computador a ver filmes, ouvir música e jogar alguns jogos online. Isso deixava-me de mãos e pés atados no que diz respeito a ter assunto com outras pessoas. Não saio com amigos, vou poucas vezes ao cinema e só faço compras quando realmente preciso. Não sou vaidosa e o meu interesse em rapazes? Digamos que a última declaração que ouvi, remonta ao meu quarto ano. Desde então, tornei-me pouco ou nada interessante. Se é que alguma vez tive algum ponto de interesse. Apesar disso, gostei de alguns rapazes que não me disseram mais do que “bom dia” ou “boa tarde” ou então “posso copiar os trabalhos de casa por ti?”. Alegrava-me com essas migalhas ou quando se lembravam do meu nome. Porém, nunca tive coragem para expor os meus sentimentos. Mesmo que tivesse dito, não penso que tivesse mudado alguma coisa. As outras raparigas vestiam-se melhor, conseguiam manter conversas de horas e sorriam sem medo. Quanto a mim, há uma semana atrás tinha tirado o aparelho dos dentes e finalmente, podia sorrir. Só me faltava o motivo para que isso acontecesse.
O certo é que tomei a decisão, mais uma vez, de que desta vez seria diferente. Este ano não era apenas mais um novo ano escolar, mas também uma nova escola para tentar deixar outra impressão em todos e por isso, deixei-me levar por estas novas colegas que nunca passam despercebidas quer na nossa turma, quer na escola. Estava decidida a mudar, a fazer com que os meus pais deixassem de se preocupar tanto com a minha solidão.
Não obstante, esta não fosse a primeira tentativa, sentia como se fosse a primeira vez que levava tudo tão a sério ao ponto de até deixar que maquiassem e me enfiassem em roupas e calçado que nada tinham a ver comigo.
E se essa primeira vez fosse o início de tudo?
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Conexão
RomanceE se o desejo de mudar te levasse por caminhos que nunca pensaste percorrer?