Na sexta à noite em que fiquei de ir assistir a mais uma atuação da banda Broken Utopia, fiquei em casa. O aniversário do meu pai teria passado sem lembrar-me dele, não fosse o próprio ter dito que tinha tirado o dia para estarmos juntos, dado que sentia que de alguma forma, parecíamos mais distantes. Desculpei-me com o Vasco, mas realmente não podia negar-me àquele pedido. Era um dia especial, aliás por muito simples que fossem os seus presentes, o meu aniversário era sempre memorável por algum motivo.
A minha mãe normalmente comprava-me livros, já ele optava sempre por algo feito à mão. Era extramente talentoso para trabalhos manuais e por isso, sempre tive presentes personalizados da sua parte e que me faziam sorrir genuinamente por imaginar os sentimentos, o cuidado que tinha colocado em cada um dos pormenores do presente.
Por essa e muitas razões que podia citar quase sem fim, passei o dia na sua companhia e como só estávamos dois, regressámos no tempo. Aqueles em que quando passeávamos de mãos dadas, no meu tempo de criança e falávamos apenas através daquela língua que ele me tinha ensinado desde cedo. Há bastante tempo que não passava horas a falar russo. Por vezes, quando conversávamos em casa podia escapar-me alguma palavra, mas confesso que usar aquele idioma durante horas trazia um bonito sentimento de nostalgia. Ser criança era tão simples, não ter que pensar em nada e sorrir com as coisas era tão simples.
– Doce inocência que nunca mais vai voltar… - Concluí ao fim daquele dia em que me despedi do meu pai, antes de entrar no meu quarto e adentrar novamente na realidade.
Liguei o computador e de relance, vi os meus livros sobre a secretária. Devia pegar neles com alguma frequência se quisesse melhorar as minhas notas. Porém, estava com pouca vontade ou paciência para dedicar-me aos estudos. Inseri alguns códigos de execução de programas no meu computador e observei as pastas de fotografias, vídeos ou textos embaraçosos guardados. Selecionei alguns, tendo o cuidado sempre de notar que não eram apenas coisas recolhidas de colegas da minha turma. Precisava recorrer a pessoas com quem provavelmente, nunca tinha trocado olhares. E porquê? Bom, se fosse apenas direcionado à minha turma, alguém podia desconfiar de alguma coisa. Seria quase impossível provar que tinha sido eu, mas mesmo assim não queria deixar pontas soltas. Se isto era justo para outras pessoas? Bom, azar o delas. Tivessem mais cuidado com o que colocavam na internet. A vida é mesmo assim, injusta. Aprendi às minhas custas e fazia questão de que todas aquelas vadias que estavam na minha escola, também aprendessem que a vida não era só tirar fotografias com copos de cerveja na mão, sentada sobre o namorado, apenas com uns boxers vestidos.
- Cada vez que olho para isto, mais tenho a certeza de que estou numa escola recheada de putas. – Concluí, começando a distribuição daquele material pelas páginas que tinha criado. O número de acessos era impressionante e não me interessava quantas vezes conseguissem denunciar, no dia seguinte, poria o dobro ou triplo de páginas disponíveis. A internet é um lugar assustador. Não há nada que não possa piorar, por isso o meu conselho seria que parassem de tentar impedir a difusão das imagens porque só faria com que sentisse mais vontade de as espalhar.
Enquanto os programas atuavam e ajudavam-me a disponibilizar mais uma parte do material que tinha recolhido, decidi ver a minha lista de downloads e distrair-me com alguma série ou filme, como sempre fazia nas horas vagas. Quando não me apetecia jogar, sempre acabava por me entreter com algo assim. Cliquei na série de animação japonesa “Death Note”. Era a segunda vez que estava a rever aquilo, mas não podia evitar. Identificava-me com a personagem principal. Identificava-me com aqueles pensamentos que definiam a sociedade como um lugar podre que precisava de ser limpo. Identificava-me com aquela ideia de que realmente havia pessoas que não deviam existir.
O meu fim-de-semana acabou por ser passado em casa. Desconfiava que o Vasco não teria combinado nada, dado que não ficou nada satisfeito com a minha tampa na sexta-feira. Lembro-me de como a sua voz soava insatisfeita e penso que isso fez com que quisesse dar-me o troco.
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Conexão
RomanceE se o desejo de mudar te levasse por caminhos que nunca pensaste percorrer?