Nunca soube o que esperar dele. Nem nunca tive a certeza de que conhecê-lo e deixar-me levar por ele fosse acabar assim, mas agora só conseguia classificar tudo como inesperado. Se alguém me contasse que um dia teria a coragem de sair de madrugada às escondidas de casa, pensaria que se tratava de uma previsão descabida e impossível. Teria que nascer de novo para ter coragem sequer de pensar no assunto, mas a verdade é que o fiz. E fi-lo para ir ao encontro de um rapaz que me guiou até a um local, sem nunca dizer qual era o nosso destino e enquanto conversávamos, ensinou-me como devia fumar e no que devia pensar quando o fizesse.
Podia comparar o Vasco a uma tempestade. Intenso, imprevisível e devastador. Se por um lado, conseguia ler-me em alguns aspetos, por outro, quando não o conseguia, colocava perguntas até satisfazer a sua curiosidade. Chegava inclusive a ignorar o impacto que a sua presença e proximidade tinha em mim tão depressa, como se lembrava de brincar com esse fato. Apesar disso, não podia negar que esse jogo mexia comigo e não era de todo uma sensação desagradável.
- Ok, isto não fica assim tão mal. – Comentei à frente do espelho. Prendi os meus cabelos, apesar da brisa fresca do exterior de onde tinha vindo há pouco mais de meia hora. Vesti um top branco com um casaco castanho fino de malha por cima que tinha grandes botões pretos. Optei por deixar o casaco aberto porque acho que a adrenalina não permitia que sentisse frio naquele momento. Aquelas eram roupas que normalmente não usava, mas visto que estava prestes a sair outra vez com o Vasco, não queria que comentasse sobre o meu mau gosto. Consequentemente, acabei por enfiar dentro da minha mochila outras peças de roupa que não normalmente não usaria.
Agora precisava de ir até à cozinha, comer qualquer coisa e trazer alguma coisa também para comer. Essas tinham sido as indicações do Vasco e já faltavam menos de quarenta minutos para nos encontrarmos. Respirei fundo e saí do meu quarto. Talvez, os meus pais ainda estivessem a dormir e não precisasse de cruzar-me com ninguém. Deixaria um recado sobre a mesa da cozinha e…
- Acordada tão cedo, filha?
Um frio percorreu o meu corpo. O meu plano podia ir por água abaixo a partir daquele momento. Não, não podia pensar assim. Algo assim não podia deter-me, o Vasco estava à minha espera. Engoli em seco, dirigindo-me ao frigorífico de onde tirei um iogurte líquido.
- Sim. – Comecei por dizer. – Pai, vou passar o fim-de-semana na casa da Kiara. – Anunciei enquanto de costas para ele, retirava um pequeno pacote de bolachas do armário. Mentalmente pedia para que saísse rápido da cozinha, pois caso contrário não poderia levar nada comigo sem ter que dar explicações.
- Filha, sei que depois do que se passou ontem… - Ouvi-o dizer. – Se calhar, devíamos sentar e conversar.
- Não. – A minha voz saiu bem mais firme do que podia imaginar. – Não quero falar sobre nada agora.
- Entendo que te sintas…
- Pai, por favor. – Pedi, suplicando interiormente para que a minha voz não tremesse ou a minha postura não deixasse transparecer nada de errado.
Para meu alívio, o meu pai não insistiu mais e até deixou-me só na cozinha. Mal me vi nessa situação, concluí que era a situação ideal para levar mais algumas coisas do armário. Contudo, depressa tive que parar de escolher o que podia levar. Os meus pais suspeitariam de algo se levasse comida. O que ia fazer? O relógio não parava e eu não tinha tempo a perder com aquele tipo de indecisão. Fechei os armários e acabei de beber o iogurte líquido e meti as duas bolachas restantes na boca. Regressei com passos apressados ao meu quarto, onde procurei o meu cofre que guardava debaixo da minha cama. Nele além de poucas fotografias, havia um saquinho azul-turquesa com notas que me tinham sido oferecidas em várias ocasiões: aniversários, passagens de ano, recompensas por boas notas, mesada, entre outras. Tirei meia dúzia daquelas notas e coloquei-as na minha carteira. Teria que servir para comer, nem que fosse o básico dado que tirar alimentos de caso sem ser notada, parecia mais arriscado.
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Conexão
RomanceE se o desejo de mudar te levasse por caminhos que nunca pensaste percorrer?