Após uma noite no mínimo depressiva ir às aulas no dia seguinte foi quase um suplício, mas visto que só tínhamos duas aulas à quarta-feira, o sacrifício seria menor. Kiara estava mais calma, embora ainda se recusasse a confrontar mais uma vez Mário pela estupidez geral não só dele, como também da respetiva família.
Por ter ouvido as suas queixas durante parte da noite, ela também se sentiu no dever de ouvir o que tinha acontecido entre mim e o Vasco, ainda que continuasse a não aprovar aquele relacionamento. Mas tratando-se de uma decisão minha cujas consequências só a mim diziam respeito, ela resolveu não dizer mais nada sobre ele ser ou não o rapaz mais indicado para mim. Depois de ouvir-me, ficou do meu lado e disse não fosse como ela e não me vergasse perante os desejos ou manias dele. Escutar isso dela fez-me entender como essa era uma das coisas que queria limpar do meu sistema. A inevitabilidade de ceder perante a vontade dos outros sempre foi um problema e se quisesse arrancar essa parte fraca, teria que incluir o Vasco. Mesmo que ele me tivesse pedido para não contestar as coisas que me dizia e simplesmente deixar-me levar, o conceito levar-me-ia por caminhos errados se ele continuasse a ser uma das razões para abaixar a cabeça e concordar mesmo que não quisesse.
Portanto, assim que tivesse a oportunidade de falar com ele, deixaria bem claro que embora quisesse conhecer o que estava do outro lado precipício, não tinha qualquer intenção de ser um brinquedo nas suas mãos. Se essa fosse a sua intenção, seríamos dois a jogar o mesmo jogo. Faria exatamente como me tinha ensinado e veríamos quem de nós os dois seria a marioneta do outro.
Em suma, procurava que estivéssemos em pé de igualdade. A ideia de ter alguém a dominar todos meus desejos e vontades era sufocante. Já tinha passado dezasseis anos da minha vida dessa forma, a estrangular-me em silêncio. Não passaria mais tempo dessa forma, nem mesmo pelo Vasco.
- O ecrã do teu telemóvel está a brilhar outra vez. – Ouvi a voz de Kiara anunciar do outro lado da porta, onde acabava de mudar de roupa enquanto eu lavava os dentes.
- Deixa estar. Tenho a certeza que não é o meu pai. – Respondi.
- Confesso que fico impressionada com a insistência do Vasco. Ele não parecia ser esse tipo de rapaz. – Comentou Kiara, à medida que eu acabava de passar água pela boca e rosto. – Não vais mesmo responder?
- Não agora. Mais tarde, se me apetecer. – Retruquei, limpando o rosto na toalha.
Algum tempo depois, estávamos a entrar na escola e por ironia do destino, a primeira pessoa que vi mal entrei, foi o Mário. O mesmo aconteceu com Kiara que apressou os passos para ir para a sala de aula. Ele chamou-a e fazia questão em andar atrás dela quase como um cãozinho sem trela. Era uma cena que no mínimo me provocava algum desprezo por ele, tendo em conta o que tinha escutado da namorada dele algumas horas antes.
Podia ter ignorado e ter caminhado ao lado dela, mas essa seria a atitude de antes. Silenciosa e sem vontade de interferir nos problemas dos outros.
Agi quase por impulso, agarrei pelo braço dele que me encarou perplexo. Não apenas ele, mas também Kiara a quem disse:
- Vai andando, vou trocar algumas palavras com ele.
- Katya não precisas de… - Ia dizer-me quando a interrompi:
- Preciso sim.
Puxei o Mário, deixando para trás uma Kiara confusa ao mesmo tempo agradecida por estar a fazer aquilo por ela. Acabámos perto de um dos pavilhões numa das laterais, onde normalmente alguns alunos aproveitavam para fumar escondidos. Se vissem alguém ali, teriam que procurar outro ponto e por isso sabia que não seríamos incomodados.
Mário afastou o braço dele com brusquidão e perguntou:
- Posso saber porque te estás a meter num assunto que claramente não tem nada a ver contigo?
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Conexão
RomanceE se o desejo de mudar te levasse por caminhos que nunca pensaste percorrer?