33. Marcas permanentes

1.9K 102 13
                                    

Não sabia muito bem o que esperar, mas uma coisa era certa: em poucos minutos, ele estaria naquele quarto, onde o aguardava. Ouvi o som de uma batida na porta e abri-a quase de seguida. Sem esperar, passou por mim e entrou. Não deixei que o seu comportamento me afetasse. Fechei a porta com calma.

- Não esperava ver-te aqui tao cedo. Pensei que os protestos ainda estivessem pela rua, embora isso não me devesse surpreender. Aqui as reivindicações têm hora para começar e acabar, independentemente dos resultados.

- Porque te foste embora sem dizer nada? – Perguntou sem rodeios.

- Que razão os teus amiguinhos te deram? – Exigi saber, cruzando os braços.

- Os amiguinhos como tu lhes chamas, foram os únicos a visitar-me enquanto estive no hospital. A minha namorada mandou-me à merda. – Falou sem esconder como aquilo o tinha magoado. – Não tens o direito de desaparecer e voltar quando te apetece!

- É mesmo isso que pensas que aconteceu? Que me fui embora porque me deu na cabeça?

- Não sei! É por isso que estou a perguntar! – Falou exaltado. – Mas uma coisa é certa: se me amasses como dizias, não terias ido embora e a primeira pessoa que teria visto ao acordar, terias sido tu.

- Não admito que ponhas em causa os meus sentimentos. – Falei num tom cortante.

- Ah claro e voltaste porquê? Porque ainda gostas de mim? Tens uma forma fodida de o demonstrar!  

- Se também me amasse como dizias, desconfiarias que não me teria ido embora sem mais nem menos. Mas parece que a razão que tenho pouco te importa.

- Nada pode justificar o que fizeste. – Afirmou com uma certeza que me estava a irritar profundamente.

- Ah sim?

Por dentro sentia uma vontade de explodir. Devia dizer-lhe a espécie de amigos que tinha.

Porém, vê-lo com aquelas certezas relativamente aos meus sentimentos enfurecia-me. Como é que ele se atrevia a duvidar de tudo o que lhe disse quando estávamos juntos? Talvez não me conhecesse tão bem e se os amiguinhos estavam em primeiro lugar, então que se fodessem os três.

- Vais dar-me a tua explicação surreal ou chegaste à conclusão de que não vale a pena? – Ironizou.

- Não vou perder o meu tempo visto que já estás tão convicto sobre o que aconteceu. Se nem ao menos acreditas nos meus sentimentos, não mereces que perca o meu tempo contigo.

Ele riu com traços de ironia.

- Ah claro, queres ver que a culpa é minha?

- Podes ir. – Falei secamente. – Não vá a noiva aparecer aqui com ciúmes.

- Não vais mesmo tentar explicar? – Insistiu.

- És surdo?

- Não vais dizer nada por teres ciúmes da Elsa? – Provocou.

- Estás a atingir aquele ponto da conversa em que tudo o que dizes começa a ser só merda.

- Foste tu que bazaste, agora não tens o direito a ter ciúmes.

- E no entanto, ela talvez tenha já que para todos os efeitos, o noivo veio falar com a ex-namorada num quarto de hotel. – Retruquei com um meio sorriso.

- Pensavas o quê? Que nos íamos reconciliar? – Perguntou e aproximou o seu rosto do meu. – Ou pensaste que me podias usar?

- O que eu penso parece ter deixado de ser claro para ti. – Repliquei, diminuindo a distância entre nós. – Portanto, espero que te divirtas tanto quanto eu a tentar entender o que vai na minha cabeça…

Sem acrescentar mais nada, encostei os meus lábios aos dele. Senti alguma surpresa da sua parte, mas nada fez para se afastar de mim. Talvez quisesse aquilo tal como eu, pois não havia o mesmo gosto ou ligação com outra pessoa. Pelo menos, era assim para mim. Ninguém era capaz de despertar aquele desejo.

Enlacei o seu pescoço e em resposta, notei que me encostava à parede. Um das suas mãos encontrava-se na minha cintura e outra agarrava os meus cabelos, como se quisesse impedir-me de criar novamente distância entre nós.

Ao sentir que me pressionava cada vez mais contra a parede, cheguei à conclusão de que se não parasse naquele momento, em pouco minutos haveria roupas pelo chão. Não podia mentir, parte de mim, ansiava por isso.

No entanto, a outra parte dizia-me que se optasse por esquecer tudo, eu seria a única com cicatrizes para o resto da vida. Não estava disposta a isso. A perdoar ou a esquecer por muito que ele fosse o único capaz de deixar-me naquele estado de êxtase.

Quebrei aquele beijo e empurrei-o para poder afastar-me.

- Ainda sentes alguma coisa por mim. – Ouvi-o dizer.

As palavras certas seriam “Nunca deixaste de sentir nada por mim” ou “sempre sentiste algo por mim”. Em vez disso, restava-me o “ainda” e a ideia de que era melhor confiar nos seus amigos.

- Ainda és atraente. – Foi a resposta que lhe dei.

- É só por isso? Este beijo…

Voltei-me para ele e perguntei:

- Quem é que afinal pensava que nos podíamos reconciliar?

- Não fales como se isto não tivesse sido nada para ti! – Disse irritado.

- E se for assim? – Desafiei. – Um dia jurei a mim mesma que não seria humilhada, pisada ou usada novamente. Tu estás incluído no leque de pessoas que deixou de ter poder sobre mim.

- Tens razão. Não te reconheço. – Afirmou desconcertado.

- Abriste as portas para que eu me encontrasse. – Falei. – Pois muito bem, esta sou eu e como não temos muito mais para conversar… importas-te de sair? Tenho coisas para fazer.

Entre a confusão, incredulidade e raiva vi-o abandonar o quarto de hotel, onde ainda me restava mais de uma hora com os meus pensamentos. Esses que se encontravam terrivelmente atordoados depois daquela troca de palavras. Por momentos, estive quase a cair nos seus braços e a deixar-me levar pelo beijo. Quase esqueci todos os meus planos. Estive prestes a abandonar tudo que eventualmente iria recordar mal olhasse novamente para as marcas que vinha cravando no meu corpo. As marcas que jamais poderia apagar e que me diziam que a única que me restava era a vingança. 

ConexãoOnde histórias criam vida. Descubra agora