9. Algo diferente

3.9K 94 6
                                    

A ausência dos meus pais tinha sido perfeita para esconder a mala debaixo da minha cama e arrumar as roupas novas dentro do guarda-fatos, juntamente com sabrinas e botas e outros acessórios como malas, pulseiras e anéis. O meu pai não costumava passar muitas vezes pelo meu quarto e costumava falar-me apenas da porta. Quanto à minha mãe já estava outra vez em Lisboa com a desculpa do trabalho. Sabia que isso também estava relacionado com a discussão com o meu pai, mas na verdade isso nem me interessava muito de momento. O certo é que ela seria a primeira pessoa a reparar em alguma diferente no meu quarto se estivesse em casa e na sua ausência, teria que ter tempo para esconder bem as coisas ou arranjar boas desculpas.

- Pronto. Vou mesmo assim. – Puxei os meus longos cabelos loiros para o ombro direito, deixando que escorressem aí. Levava um top branco com uma camisa rosa de malha por cima que caía pelos meus ombros, a que se juntava uma minissaia rodada preta com umas meias de vidro e umas botas de couro pretas de cano alto sem salto. Essa era outra fase que não era só uma questão de preparação mental. Teria que praticar e por isso, as plataformas ficariam arrumadas por algum tempo. – Pode ser mesmo este… - Coloquei um anel que parecia uma pequena serpente no meu dedo indicador da mão esquerda e peguei na minha mala nova. Preta de alça bem longa com tachas espalhadas no tecido que levava o material necessário para aquele dia que tinha começado com o meu despertador e logo de seguida, uma mensagem do Vasco. Esta dizia: “Bom dia, princesa. Dormiste bem? A que horas sais da escola? Tens que passar o teu horário para saber quando nos podemos ver. Beijo”. Apenas aquele texto, naquele pequeno ecrã à minha frente fez com que começasse o dia com o coração acelerado. Por breves instantes, recordei o fim-de-semana a beber sobre o capô do carro enquanto chovia e sobretudo, daquele beijo na despedida que ainda queimava os meus lábios. “Bom dia, dormi bem e tu? Saio ao meio dia e meia. Vou até ao cais e passo-te o horário”. A ideia de tratá-lo de alguma forma carinhosa ainda me causava demasiadas borboletas no estômago. Não sabia se devia ou o que nome usar. Esta coisa de não ter experiência com namorados era uma porcaria quando se tratava destas coisas. Contudo, ele parecia não se incomodar com as minhas mensagens menos carinhosas quando comparadas com as dele. “Ok, princesa e mais uma coisa. Quero que uses as roupas que te dei e foda-se o que os outros pensam. Até logo, beijos”, e nessa mensagem lá se foi o carinho temporariamente com alguma linguagem menos própria e depois veio a certeza de que nos íamos encontrar. Isso era o suficiente para animar-me o resto da manhã ou até mesmo do dia.

- Bom di… - O meu pai parou para observar-me e as sombras do seu rosto, tornaram-se num sorriso e até assobiou. – Uau, tão elegante, filha.

- Obrigada. – Sorri envergonhada. – Bom dia.

- Estou a ver que foste às compras com a tua amiga. Fizeste bem. – Disse, sentando-se à mesa comigo. – Embora a saia pudesse ser mais comprida.

Claro. Imaginava um comentário desses para quem só vê a filha de calças e nas raras ocasiões, saias longas.

- Levo meias, pai. Achei bonita. – Bebi um pouco mais do café com leite. – Quis mudar um pouco de visual. Achas que não ficou bem?

- Não, não. Estás muito bonita. – Coçou a barba mal feita. – Tenho que me habituar que a minha menina está mesmo a crescer.

Sorri um pouco, continuando a comer. Pelo menos, aquela conversa simples e afastada dos verdadeiros problemas lá em casa, pareciam ter aliviado a tensão e tristeza do meu pai que saiu mais bem-disposto de casa.

Já eu antes de sair de casa, respirei fundo. Preparei-me para os olhares pelo caminho de quem me via todos os dias a sair de casa e sobretudo, quando chegasse à escola. Liguei o MP3, colocando o som bem alto para abstrair-me mais facilmente das pessoas à minha volta e funcionou embora tenha notado alguns olhares. Já na escola, nem a música era o suficiente para não poder notar alguns rapazes a virarem-se e algumas raparigas faziam olhares jocosos.

ConexãoOnde histórias criam vida. Descubra agora