24. Reflexo quase perfeito

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O estudo de dias estava definitivamente a ir por água abaixo. Pelo menos meia dúzia de questões ainda estavam em branco e tinha dúvidas tremendas na escolha múltipla que parecia ter sido concebida para nos lixar a todos. As opções abaixo da questão aparentavam ser todas semelhantes e Geografia continuava entre todas as disciplinas a ser o meu maior problema. Se aquilo continuasse a descarrilhar, acabaria o primeiro período com negativa. A minha preocupação não estava na desilusão do meu pai ou numa visita repentina da minha mãe. O mais preocupante seriam as aulas extras que teria que assistir caso não acontecesse um milagre nos próximos minutos.

Não queria que a minha vida rodasse à volta de geografia. Já me bastavam as aulas a que era obrigada a assistir, se ainda tivesse aulas extras como forma de apoio ao estudo penso que iria explodir.

Os meus olhos alcançaram novamente a mala semiaberta à minha frente. Dentro dela, não só o caderno mas acima de tudo, o livro com as respostas corretas. Já me encontrava ao fundo da sala e por isso, a tarefa não seria assim tão difícil quanto isso. Teria que ter cuidado quando a professora se levantasse para uma das suas rondas, mas também não seria parva. Não queria copiar todas as respostas, apenas algumas que me dessem a segurança de que a nota seria positiva. Afinal, seria estranho que de repente tirasse uma nota demasiado alta. Chamaria a atenção e desconfiada como era aquela cabra, ainda acabaria por fazer-me questões à frente da turma inteira.

Sendo assim, discretamente copiei algumas das questões e confirmei ou completei outras que tinha respondido. Deixei apenas duas questões em branco para não levantar suspeitas e não toquei em outras. Sabia que iria ter positiva, mesmo que não fosse alta, seria o suficiente para hesitar em dar-me negativa no fim do primeiro período.

No fim do teste fiquei na sala. Recusava-me a ficar na companhia da Kiara e do Mário, não só pelos acontecimentos recentes, mas também porque tinha outros problemas de momento e ver o casal maravilha a comer-se à minha frente não era o cenário ideal. Kiara ainda tentou insistir, mas despachei-os em seguida e disse que iria ficar ali para rever a matéria do teste que se seguiria. Era o teste de português para o qual raramente estudava, mas embora não tirasse notas surpreendentes eram sempre o suficiente para passar.

O que tinha em mente naquele momento, nada tinha a ver com o teste e curiosamente, o Vasco também não era o pensamento do momento. O que não saía da minha cabeça era o jantar da noite passada. Aquele em que tive o desprazer de conhecer a Natália, a amiga colorida do meu pai? A presença daquela mulher de perfume excessivamente forte e maquiagem que a fazia parecer uma boneca inflável não foram as únicas razões para não gostar dela à primeira vista. A figura feminina de longos cabelos loiros, cacheados e com roupas coladas ao corpo com risos e poses sempre insinuantes, tinha na verdade cerca de 5 anos a mais do que eu. Sim, exatamente. O meu pai andava metido com alguém que podia ser filha dele. A familiaridade como tratava o meu pai e mesmo quando tentou fazer o mesmo comigo, só alimentou ainda mais a ideia de que não havia hipótese alguma de eu querer passar férias na companhia dela.

Ao tentar perguntar-me como o meu pai passou de uma mulher como a minha mãe para aquilo, a resposta era óbvia. Homens! Basta um bom par de mamas, cara bonita e corpo jeitoso e foda-se a personalidade ou o quão rodada a gaja é. No fim de contas, o meu pai era exatamente como a grande maioria. Não é que a minha mãe fosse feia, pelo contrário, mas ainda assim os atributos dela, comparados com a nova candidata não eram certamente tão evidentes.

Forcei-me a empurrar essas memórias e pensamentos para o fundo da minha mente quando o teste de português foi colocado à minha frente. Tenho a certeza que também não fiz grande coisa durante o teste, mas sabia que seria sempre o suficiente para a positiva.

Na hora do almoço, misturei-me com a multidão para escapar a mais um pedido de Kiara que ficar com ela e o Mário na mesma mesa. Acabei sozinha no exterior numa das laterais do pavilhão. Felizmente, apesar do tempo nublado não chovia e por isso, pude ficar ali à vontade. Depois de comer a minha sandes e beber uma lata de Ice Tea Limão, tirei do bolso do meu casaco um maço de cigarros. O último que o Vasco tinha deixado comigo para ocasiões como aquelas em que queria algo que acalmasse o nervosismo, a ansiedade, a raiva e todas as outras emoções conflituosas.

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