17. Quero que saibas quem eu sou

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Acordei com arrepios na minha pele que não provinham das temperaturas de finais de Outubro, pois o corpo dele era bastante quente e fazia com que fosse impossível que o frio fosse uma preocupação. Abri vagarosamente os olhos, sentindo os seus lábios sobre as minhas costas.

- Acordada?

- Hum… - Balbuciei. – Que horas são?

Estava completamente desorientada naquela penumbra, num quarto que não tinha tido a oportunidade de observar com atenção até então. Uma cama de casal com uma colcha que variava entre o branco e os tons cinzas que também se espalhavam pelo quarto, pelo tapete que adornava a cama e nas cortinas da janela, cuja persiana não estava completamente fechada e deixava passar alguma claridade. Não vi um guarda-fatos, mas num dos cantos estava um móvel repleto de gavetas, onde supus que guardasse a sua roupa. No canto oposto estava uma secretária com mais livros e folhas com um candeeiro de cor vermelha no meio da confusão. Não havia fotografias, mas as paredes tinham palavras escritas. Piscando os olhos, entendi que eram algumas letras de música, ou frases que ele tinha escrito. Era no mínimo invulgar e começava a perceber porque guardava tanto aquele lugar. Era o seu refúgio.

- A analisar o meu quarto? – Perguntou, depois de trocarmos um beijo demorado.

- Hum, hum. – Confirmei.

- Estás bem? Não estás indisposta?

- Uma dor de cabeça incómoda, mas fora isso está tudo bem. – Sentei-me, puxando o lençol para cobrir o meu corpo.

- Já queres ir embora?

- Não. – Admiti. – Às vezes, penso que sempre me escondeste algo sobre ti.

- Como o quê por exemplo?

- O teu interesse pela leitura que nunca, nem por sombras me passaria pela cabeça.

- Ninguém quer saber destas coisas. Querem-me pela minha aparência e não porque tenho este tipo de interesse.

- No entanto, tu decidiste mostrar-me este teu lado. – Comentei, olhando para ele. – Porquê?

- Achas que já estou sóbrio o suficiente para falar contigo? – Brincou.

- Não sei. Diz-me tu. – Disse no mesmo tom.

Seguiu-se algum silêncio, supus que inconscientemente enquanto pensava, tivesse passado a mão sobre uma das marcas que havia no seu tórax. Porém, as palavras que se seguiram confirmaram a intencionalidade daquele toque. Os seus olhos focaram-se nos meus com um ar decidido.

- O meu pai morreu quando tinha oito anos e pouco tempo depois, a minha mãe meteu um padrasto lá em casa. Na altura, era demasiado novo para entender a verdade por detrás do trabalho da minha mãe que pensava eu, trabalhava em algum sítio nas limpezas. Mesmo que apenas o fizesse durante a noite. O meu padrasto considerava-me um estorvo, um desperdício do dinheiro que a minha mãe recebia que era gasto na pessoa errada. Ele queria que a minha mãe lhe entregasse todo o dinheiro que recebia… - Fez uma pausa. – Isso mesmo, não era exatamente um padrasto e sim, um chulo qualquer que ela meteu lá em casa porque desde que saiu de casa, viu na prostituição a única forma de sobreviver. – Passou a mão numa das suas marcas. – Algumas ainda são dele, queimava-me com o cigarro ou batia-me até que fosse incapaz de lhe responder. Outras destas marcas… fui eu mesmo que as fiz. Espero que nunca chegues ao ponto a que cheguei, de pensar que a única forma de apagar aquela dor cá dentro, era impingir feridas físicas para fazer-me divagar. – Mais uma pausa enquanto, ele via que eu absorvia a informação e decidiu continuar. – Fugi de casa aos quinze, cansado dos abusos contínuos e também porque a minha mãe disse que o primeiro homem a quem chamei de pai, não era sequer o meu pai, porque depois de se deitar com tantos homens, ela não tinha como saber quem seria o meu pai. Recusei-me a continuar naquele ambiente. Vivi na rua algum tempo, até que uma senhora que sempre me dava comida quando me via, ofereceu-me a oportunidade de trabalhar no seu café. Era uma pessoa sozinha, viúva e sem netos ou outros membros da família que quisessem saber dela. Eu era a companhia dela. Acolheu-me na casa dela e voltei à escola e ocasionalmente, ajudava-a no café. Quando ela morreu… o café fechou, mas arranjei outro trabalho rapidamente por isso, pude manter esta casa que era dela. Este sempre foi o único lugar que respeitei porque alguém que não tinha qualquer obrigação ou ligação comigo, estendeu-me a mão e foi basicamente, o mais próximo que tive de mãe.

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