3. Rumores

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Em toda a minha vida não conseguia lembrar-me de nenhuma dor de cabeça que se equiparasse àquela com que acordara na casa de Kiara, que compreensivamente e em solidariedade ajudava-me a lidar com a minha primeira ressaca. Estávamos deitadas na cama dela à espera que a situação melhorasse, mas à medida que o tempo passava, tudo parecia piorar.

Nem me lembrava como tinha chegado à casa dela. Supostamente, iria ficar na casa da Júlia que era próxima, mas também não me lembrava em que momento, nos tínhamos separado. Assim, para saber isso e ao mesmo tempo, evitar um silêncio demasiado demorado, perguntei porque estávamos ali. Sem demoras, virou o rosto na minha direção e disse que tinha sido melhor assim. Explicou que tanto Sandra como a Júlia nos tinham deixado sozinhas à porta do bar, pois a inveja que ambas sentiram por não ser o centro das atenções levou a melhor. Sem entender muito bem, indaguei se não teria havido algum mal-entendido, afinal elas eram amigas de longa data. Portanto, se queriam deixar-me ali era uma opção, mas deixar também a ela parecia-me exagerado.

Kiara esboçou um sorriso com algum escárnio e fitou o teto com tons de amarelo pálido, obscurecido pela persiana da única janela do quarto que se encontrava apenas aberta pela metade. Esperei que houvesse mais do que silêncio da sua parte e finalmente saíram as suas palavras:

- Elas conhecem-se desde do quinto ano, só as conheci o ano passado e sempre andamos às turras. O papel de trio de amigas é só fachada. – De soslaio alcançou o meu olhar. – Afinal quem gosta de estar sozinho? – Estendeu a sua mão direta com a palma aberta na direção do teto e prosseguiu. – Só que também me canso daquela superficialidade. Canso-me das merdas delas e por isso, andamos nesta coisa que chamamos amizade. Eu sei que sou sempre a parte fraca na opinião delas e ver como te iam deixar sozinha só porque o Vasco te deu atenção, pareceu-me que era ir longe demais.

- Vasco? – Repeti.

- O vocalista da banda que devia estar interessado em acrescentar-te à longa lista dele. – Esclareceu, baixando a mão e fitando-me. – Aquelas duas sonsas podem ter prometido da boca para fora que iriam cuidar de ti aos teus pais, mas eu levo as promessas a sério e se há coisa que sempre tive foi palavra.

- Obrigada. – Agradeci quase num murmúrio e ao fechar os olhos, ouvi o som de uma porta a abrir e a fechar-se. – Que horas são? – Indaguei mais sobressaltada, sentindo dificuldades em sentar-me. – Pelo menos, preciso de desculpar-me com os teus pais pelo incómodo. Trazer-me para aqui sem avisar, pode n…

- Sem estresse, miúda. – Disse Kiara, também se sentando com a mesma dificuldade. – Só vivo com a minha tia.  

- Bem, mas então ao menos dar alguma satisfação à tua tia. – Falei, tentando ignorar a curiosidade em perguntar acerca da sua família.

- Ela é enfermeira e quando faz turnos da noite, só quer chegar a casa e atirar-se para a cama. – Disse descontraidamente. – Não estás curiosa acerca dos meus pais? Sempre que digo isto bombardeiam-me com perguntas.

Sorri um pouco acanhada e confessei que sim, estava curiosa. Porém não iria perguntar algo que ela podia não querer responder. Afinal, nem nos conhecíamos assim há tanto tempo e além disso, todos tínhamos algum assunto do qual preferíamos não falar. Ocultei a outra razão que me levava a não fazer muitas perguntas. Normalmente, mesmo as pessoas a quem um dia chamei de amigas nunca me contavam coisas pessoais. Os segredos partilhavam-se apenas entre as melhoras amigas, onde tudo era intercambiável. E eu? Bem, eu era demasiado reservada. Não gostava de falar sobre a minha vida. A confiança era um bem demasiado precioso para ser gasto de qualquer forma e com qualquer pessoa e por isso, encaravam-me com uma pessoa demasiado misteriosa. Na verdade, eu apenas não tinha nada de interessante para partilhar com elas, só que isso fazia com que me sentisse sempre excluída de algumas trocas de olhares cúmplices e de sorrisos cheios de significado. Era assim que estava habituada a ser tratada e por isso, não esperei a atitude de Kiara que sorriu algo divertida, abanando a cabeça.

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