21. Ya lyublyu tebya

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Esperava pelo Vasco, mas ver que vinha acompanhado pelo Tiago surpreendeu-me, mas de não de um modo desagradável. Entre ele e o Capela, mil vezes ele!

Tratava-se de mais uma noite em que estava sozinha em casa e como usualmente o Vasco não fazia questão de uma refeição pomposa, ficávamo-nos pelas sandes.

- Fiquem à vontade. Também como só uma sandes. – Disse o Tiago com um sorriso. – Sou rico na carteira, só que as manias não as tenho. Qualquer coisa serve.

- Então, dêem-me uma mãozinha. – Pedi enquanto abria o frigorífico e perguntava o que cada um preferia que colocasse nas sandes.

Notei que as brincadeiras frequentes do Tiago pareciam bem reduzidas. Num olhar trocado com o Vasco, percebi que algo se passava. Normalmente, aquele rapaz de sorriso sempre no rosto conseguia disfarçar tudo e mais alguma coisa. Portanto, se desta vez estava a ser afetado, sabia que tinha algo a ver com a sua família. Os pais definiam-se como demasiado ausentes e pouco ou nada interessados na vida do filho. Passou demasiados anos sozinho em casa acompanhado apenas de empregados, até começar a sair com amigos e evitar passar tempo em casa. Fugia tanto quanto possível da casa que o viu crescer.

Contudo, também era consciente que havia ocasiões que exigiam a presença dele e aí, atuava como o filho perfeito. Alguém que era feliz e bem-educado pelos pais que não lhe conheciam mais do que o rosto e aquela personalidade plastificada.

Normalmente, não me custava ver e até estava habituada aos sorrisos falsos, mas naquela noite mais do que incomodar-me, era capaz de sentir como lhe doía. Podia rever-me naquela expressão. Em todas as vezes em que quis que alguém fosse capaz de ver que não estava bem, mas todos pareciam demasiado ocupados para reparar.

- Tiago… estás bem? – Perguntei após uma pergunta que ele nem parecia ter ouvido por estar demasiado distraído. No entanto, aquela pergunta que lhe fiz em seguida que assentava apenas e só no que estava a sentir naquele momento, fez com que os seus olhos se cruzassem com os meus. Por detrás daquele olhar vi alguma hesitação antes de começar a formular mais uma mentira. Forçou mais um sorriso.

- Sim… estou apenas distraído.

- Podes dizer a verdade. – Falei calmamente, esboçando um sorriso triste. – Gostava que em outras ocasiões, alguém me tivesse perguntado e pedido isto. Diz a verdade… como é que te sentes de verdade?

Ele levou a mão aos seus cabelos encaracolados. Na sua expressão era visível ver que se debatia, sobre empurrar mais uma mentira ou deixar cair aquela máscara. A resposta chegou quando o Vasco pousou a mão sobre o ombro dele e disse:

- Estás entre amigos. Podes confiar. Não precisas de te fazer forte…podes cair se quiseres.

- Foda-se… não façam isto comigo. – Falou, deixando cair uma lágrima que depressa procurou esconder, colocando as mãos na cara.

Naquela noite, na sala da minha casa estiveram três pessoas que deixaram a hipocrisia de lado. Ali, onde não precisávamos de ser julgados por ninguém, deixámos as palavras mais frias e rudes escaparem por entre os nossos lábios. Os pensamentos terríveis e as dores de que ninguém fala. As máscaras caíram ao chão e vimos como é terrível e ao mesmo tempo, reconfortante perceber que há outras pessoas que guardam tanta podridão dentro delas mesmas.

Quando saíram da minha casa, Tiago parou por instantes na porta e murmurou:

- Devias aceitar o convite do Vasco porque acredita, o teu pai não está fora até esta hora a trabalhar.

Sem acrescentar mais uma palavra, foi ao encontro do amigo que já o esperava no carro. Não tinha sido exatamente a noite que esperava. Contudo, não me arrependia de um só minuto passado na companhia daqueles dois.

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