14. Perde-te

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Estacionou o carro diante de um edifício cujas cores variavam entre o negro e o cinzento. Uma placa vistosa assinalava o nome “X-Rhythm” e o Vasco disse que aquele era um estúdio recente e que procurava sobretudo músicos de rua, cantores de bar, ou seja, os amadores escondidos. Atualmente, encontravam-se em processo de seleção, dado que pretendiam dar o próximo passo e oferecer a oportunidade a um artista de se revelar e tornar-se o ponto de referência daquele estúdio.

- É arriscado. – Comentei. – Disseste que das outras vezes, vocês sempre escolhiam estúdios conhecidos.

- Podemos até receber um não, mas sacar-nos dinheiro? – Riu. – Promoverem-se à nossa custa não é possível, se adicionarmos o Tiago à lista. Hei! – Acenou ao ver dois rapazes sair de um café próximo. Eles acenaram de volta e desta vez, pude prestar mais atenção aos constituintes da banda. Naquela primeira noite em que os tinha visto escondidos pela penumbra do bar e completamente focada no Vasco, não dediquei esforço ou tempo para tentar vê-los em pormenor.

Tiago era quase da altura do Vasco. Os cabelos castanhos em tons bem claros caíam em pequenos caracóis sobre os olhos castanhos. Perto do seu olho direito havia um piercing com uma pedra azul. Também vi outros piercings na sua orelha esquerda e o sorriso era um daqueles retirados de filmes. Artificial. Bonito, se não quisermos pensar no quão triste é ser apreciado por algo falso.

Trazia um casaco castanho de couro com um t-shirt azul escura por dentro e umas calças pretas com umas sapatilhas que brilhavam com a marca Puma.

Quanto ao baterista, o Capela tinha os cabelos castanhos escuro lisos bem curtos e assim que me beijou no rosto e teve a uma distância, a meu ver, ainda desconfortável mostrou-me o piercing que tinha na língua. Também tinha outros, um pequeno do lado esquerdo do nariz e outros dois na orelha direita. Na orelha esquerda tinha um alargador de cor preta com desenho de um tabuleiro de xadrez. Os seus olhos misturavam-se vagamente entre o castanho e uns tons fracos de verde que surgiam sobretudo com a iluminação sobre eles. Era o mais baixo entre eles e vestia uma camisa cor de vinho e umas calças com um tom cinza escuro. Calçava uns sapatos clássicos que partilhava a cor da camisa e sorria com tons de malícia, sem disfarçar. Observara-me de cima abaixo e bateu no ombro do Vasco, dizendo:

- Sempre bem acompanhado. De onde desencantaste…? Oh, espera, eu conheço-te. – Segurou no meu rosto, observando-me de perto e de seguida, sorriu surpreso. – É a miúda do vídeo! A que estava a cantar com a preta da outra vez? É, não é?

- Ela tem nome. – Disse, desagradada com o peso pejorativo daquela palavra.

- É ela sim, mas é minha. – Vasco colocou o braço sobre o meu ombro. – Portanto, vai seduzir para outras bandas e tenta não insultar a amiga dela.

- Oh, desculpa. – Ironizou e revirou os olhos. – Deixemos a conversa da treta e vamos entrar? – Olhou novamente para mim enquanto entrávamos no edifício. – Se soubesse mais cedo que ias trazer companhia, também teria trazido uma fã qualquer para nos aplaudir durante a audição. Será que a vão deixar entrar?

- Claro que sim. – Assegurou Tiago e sorriu para mim. – Katya estás a estudar, certo?

- Sim. – Confirmei.

- Posso saber o quê? – Indagou enquanto passávamos tranquilamente pela receção em que apenas um aceno do Tiago parecia servir como autorização para irmos sem problema para o elevador.

- Curso cientifico-humanístico… humanidades com um nome mais pomposo. – Disse sem grande entusiasmo.

Tanto o Tiago como o Vasco riram perante a minha resposta “emocionada”.

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