11. Cada um tem o que merece

7.1K 96 6
                                    

Depois de ir para casa, pedi ao meu pai para ficar sozinha. Esse pedido podia não ter sido atendido, não fosse a minha mãe ligar diretamente ao meu pai para discutirem mais uma vez. Desta vez não pessoalmente, mas sim através de um telefonema. E embora, não pudesse ouvir as respostas da minha mãe, imaginava o que estava a dizer e isso só me causava mais dores de cabeça.

Consequentemente, peguei no meu MP3, liguei-o no máximo e deixei que a música afogasse aquelas vozes. A vida podia ser incrivelmente injusta. Mesmo que nada em mim mudasse, um dia apenas desejei ter os meus pais sempre por perto. Parece que qualquer desejo que algum dia tenha tido, caía sempre em saco roto. Por mais que pensasse que não estava a exigir muito, era inútil. Nunca acontecia. A tão desejada mudança só começou quando tomei a iniciativa de pôr outra pessoa na minha vida. Se esperasse que sozinha ou outra pessoa me ajudasse, desconfiava que continuaria a caminhar na mesma linha em direção ao nada.

Contudo, a presença do Vasco na minha vida provava como sempre tinha feito tudo errado. Pensei sempre nos outros. Ocultei o que queria. Calei os desejos mais simples. Sorri quando estava prestes a desfazer-me. Chorei num canto escuro onde ninguém me pudesse ver. Tentei moldar a aparência que agradasse a todos e sufoquei-me atrás de cada silêncio, de cada sorriso falso.

Estava tão cansada, tão farta de tudo que sentir o meu sangue ferver quando ataquei a Júlia foi uma adrenalina estranhamente deliciosa. Naquele momento, posso afirmar com toda a certeza que tive prazer em cada golpe que lhe dei. E porquê? Ela merecia e enquanto a golpeava era como se a imagem de outros rostos também me tivessem passado pela cabeça. Lembranças de outras pessoas que em tempos também usaram a sua boca suja e ações cruéis para me humilharem. Vi nela todas essas pessoas e quis descarregar toda a raiva que acumulei em todos estes anos. Queria ter feito pior. Queria ter sido capaz de fazer pior.

- Será que é assim que uma pessoa normal pensa? – Murmurei para mim mesma.

O Vasco mesmo dizia que todos guardamos em nós sentimentos terríveis, pessoas cruéis e amargas que escondemos atrás de bonitas máscaras que nos tornam capazes de viver em sociedade. Esse era outro aspeto para o qual nunca quis olhar. Encarar a verdade de que há pessoas que simplesmente não prestam, mas comportam-se como exemplos na frente das pessoas certas.

“Olá princesa. Hoje à noite não nos podemos ver. Tenho umas coisas para fazer. Beijos, até amanhã”.

Aquela era uma mensagem inesperada. Não queria ter recebido aquilo. Mais do que nunca precisava de algo que me tirasse de casa e no entanto, como já era o normal, quando mais precisava de alguém, maiores eram as probabilidades de me encontrar sozinha.

No dia seguinte, não saí da cama. Ouvi quando o meu pai avisou que iria até à minha escola conversar com o diretor de turma. Encolhi-me debaixo dos cobertores quando vi que não havia qualquer mensagem nova do Vasco. Havia uma da Kiara que não me apeteceu ler até decidir levantar-me na hora do almoço para ir enfiar qualquer coisa no estômago. Não tinha fome, mas sabia que quando o meu pai chegasse e visse que não tinha comido, isso seria um problema. “Olá miúda, como estás? A minha tia chegou há pouco e apanhei dois dias de suspensão, deves ter o mesmo. Pelo menos não vemos mais a escola esta semana. Diz qualquer coisa, queria saber se estás bem ou pelo menos melhor do que ontem”. Sentada na cama, carreguei na opção ‘responder’ e disse-lhe que estava bem e que provavelmente, teria o mesmo castigo que ela. Mas ainda não sabia de nada porque o meu pai ainda não tinha chegado. Assim que acabei de enviar essa mensagem, ouvi a porta da entrada abrir-se. Aguardei pela batida na minha porta que não demorou. Ele pediu para entrar e sentou-se nos pés da minha cama.

- Estás melhor, filha? – Assenti. – Já almoçaste? Posso preparar qualquer coisa.

- Não é preciso, já comi. – Respondi.

ConexãoOnde histórias criam vida. Descubra agora