Pela quinta vez confirmei com a orelha encostada à porta do meu quarto que a casa estava totalmente silenciosa. A chave na fechadura do meu quarto não deixaria que ninguém entrasse e tendo em conta, a discussão que tinha ouvido há algumas horas atrás não acreditei que os meus pais quisessem falar sobre coisas sobre as quais os próprios deviam estar a refletir. Com os meus chinelos calçados, abri com cuidado a janela do meu quarto e com o coração na boca, pus a primeira perna fora de casa. Os meus braços demonstravam alguma fraqueza e os calafrios espalhavam-se pelo meu corpo. Elevei a outra perna e por momentos, envolvi-a erradamente com as cortinas, mas logo me desfiz daquilo que podia originar uma queda aparatosa. Com os dois pés sobre a calçada, procurei controlar a minha respiração que soava pouco discreta. As janelas fechadas e escuras das casas próximas indiciavam que ninguém dava pela minha saída, mas mesmo assim não podia evitar e senti-me paranoica. Qualquer ruído fosse o vento, fosse uma folha no chão fazia o meu coração ter um sobressalto e todo meu corpo ficava rígido e imóvel por um curto espaço de tempo, até perceber que não podia perder tempo com aquilo. Precisava correr, senão o Vasco pensaria que tinha desistido de vez.
Correr de chinelos não tinha sido a ideia mais brilhante, só que com a pressa peguei na primeira coisa que veio até às minhas mãos. O Outono já permitia que brisas frias percorressem aquelas ruas desérticas e mal iluminadas. A minha camisola fina de meia manga com riscas horizontais vermelhas e brancas não era muito quente, mas penso que a adrenalina de correr pela avenida fez com que isso se tornasse irrelevante. Como levava umas calças desportivas pretas, não pude deixar de pensar no que diria o Vasco ao ver-me tão desleixada. A cada passo de corrida que dava, perguntava-me se não devia ter escolhido uma das roupas que a minha mãe insistia em comprar e colocar num canto do meu guarda-roupa. Porém, aquele momento já não era o indicado para pensar nisso. Cada vez que olhava para o ecrã do meu telemóvel, sabia que voltar para trás não era uma opção e só podia continuar a correr para não chegar atrasada. O fôlego não era muito, devido sobretudo à minha fraca forma física porque além do exercício na escola e as minhas idas ao Cais da Solaria, passava a maior parte do meu tempo sentada ou deitada. Esse sedentarismo começava a mostrar os seus efeitos. Faltavam três minutos para a hora combinada e a escola já não estava longe, embora sentisse que fosse atrasar-me por poucos minutos porque sentia cada vez mais dificuldade em correr.
O meu peito apertava, a respiração era cada vez mais alta e os meus passos cada vez mais lentos quando vi a alguns metros um carro parado perto do portão da escola. Sobre o capô deste, mesmo de longe, reconheci o Vasco sentado com um cigarro na mão. Diminuí a velocidade dos passos, procurando acalmar-me e não parecer desesperada à medida que o seu olhar recaiu sobre mim. Os mesmos olhos verdes vivos e inebriantes que nunca falhavam em chamar a minha atenção. Vestia uma camisola com um capuz de cor verde musgo e umas bermudas pretas, calçando também uns chinelos embora o tempo estivesse frio. Bom, ao menos eu não era a única com problemas de vestuário.
- Pensei que te tivesses esquecido de mim. – Falou, deixando uma grande quantidade de fumo escapar dos seus lábios. – Confesso que já não esperava a tua mensagem.
- Hesitei um bocado é verdade, mas também o fiz entre outras coisas por… não ter coragem de enviar-te uma mensagem ou ligar. – Falei. Sabia que era uma estupidez, mas era verdade e o meu embaraço não me deixava mentir.
- E que outras coisas que te fizeram hesitar? – Quis saber e levou mais uma vez o cigarro aos seus lábios e mais uma vez, uma imensa quantidade de fumo espalhou-se novamente pelo ar.
- Tive mais uma vez a esperança de que as coisas pudessem melhorar. – Disse prontamente, embora tivesse que admitir a mim própria que ao contrário da última vez, conversar com ele agora fazia-me sentir um irritante frio na barriga e um nó na garganta. Da última vez estava tão anestesiada com tantos pensamentos negativos que parecia normal e quase indiferente falar com ele e desta vez, deveria ser igual. Porém, havia algo diferente. Pese a atmosfera negativa e o rol de acontecimentos que me tinha levado até ali, sentia que estava mais consciente da sua presença e do seu efeito. Quiçá porque da última vez não estava tão interessada em observá-lo e agora, cada um dos seus detalhes não escapava ao meu olhar. A minha resposta fê-lo rir por pouco tempo. Atirou um pouco a cabeça para trás ao fazê-lo e olhou para o céu nublado sem qualquer estrela visível e perguntou:
VOCÊ ESTÁ LENDO
Conexão
RomanceE se o desejo de mudar te levasse por caminhos que nunca pensaste percorrer?