Se alguém me dissesse que depois de a ter conhecido, acabaria naquela situação, não acreditaria. A menina sem coragem de dizer que não ou até mesmo de falar, deu lugar a uma mulher fria e que não receava pôr as cartas sobre a mesa.
Sempre lhe disse que quando olhasse para mim, veria o abismo. No entanto, não podia imaginar que algum dia o abismo me devolveria o olhar. Embora seja certo que desde da primeira vez que a vi, soube à partida que havia ali alguém perdido, alguém que via o mundo com os meus olhos sem saber, sem admitir.
Sempre soube que mais cedo ou mais tarde, eu ou alguma situação ou acontecimento traria à superfície aquela mulher via à minha frente. Era uma questão de tempo. Só que preferia ter sido eu a fazê-lo com o tempo e gradualmente. Em vez disso, ela viu-se forçada a ficar assim por algo que eu queria ter impedido, que eu desejava que nunca tivesse acontecido. E não era que fosse possessivo o suficiente para desejar que o corpo dela só tivesse pertencido a mim, ainda que parte de mim pensasse que seria bom que assim fosse.
Porém, ao contrário do que ela podia imaginar, não a considerava suja pelo que tinha acontecido. Ainda a desejava como antes, talvez até mais e com isso queria apagar da sua cabeça e do seu corpo tudo aquilo que devia atormentá-la todos os dias. Para mim não havia qualquer dúvida de que ainda a queria. Afinal, que sentido teria odiar a pessoa que mais tinha sofrido com tudo o que aconteceu? Sofreu em silêncio, sofreu por causa das pessoas erradas na minha vida, sofreu por minha causa…
O normal até seria que o sentimento dela por mim se tivesse envenenado, mas não… ela continuava a amar-me apesar de tudo. Para mim, isso era o suficiente, mais do que suficiente.
Estava disposto a qualquer coisa para a ter do meu lado novamente e não seriam os falsos amigos, a vida de aparências que tinha em Lisboa… nada disso valia a pena quando os meus olhos se perdiam nos dela.
Estendi a mão até tocar no seu rosto. Acariciei-o com cuidado e com o meu polegar delineei os seus lábios, dizendo:
- É contigo que quero ficar. O resto não importa… só preciso de ti.
- Mesmo comigo assim? Era isto que esperavas quando nos conhecemos? – Perguntou, colocando a sua mão sobre a minha que se mantinha no seu rosto.
- Não era o que esperava e se pudesse não deixava que te tivessem mudado desta forma, mas o…
- O tempo não volta. – Falou.
- É verdade, mas o meu sentimento por ti não mudou, nem com o tempo. És a única certeza que tenho. – Aproximei o meu rosto e não vi qualquer relutância da sua parte. Assim que fechou os olhos, soube que acreditava no que lhe tinha dito.
Beijei-a. Foi diferente da última vez em que conversámos no hotel. Daquela vez havia uma certa urgência, um desejo reprimido porque não importava com quem estivesse, ela era a única que me deixava tão fora de mim, apenas com um beijo. Como se tivesse sido talhada só para mim.
Quando nos separámos por falta de ar, perguntei onde estava a dormir porque tinha ido procurá-la ao hotel sem sucesso. Em vez disso, acabei por cruzar-me com a mãe dela. O que resultou numa desagradável troca de palavras.
Porém, por alguma razão, tinha mentido. A filha já não estava lá ao contrário do que disse. E não estava por opção. Ela tinha dito que não autorizava que a visitasse, mas também acrescentou que a filha não queria ver-me. Duas mentiras que a caminho da pousada, a Katya explicou o que realmente tinha acontecido.
Finalmente, ao fim de tanto tempo, resolveu dar um basta na relação com a mãe e como o pai também parecia ter perdido a esperança de encontrá-la, restou-lhe ficar ali sozinha.
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Conexão
RomanceE se o desejo de mudar te levasse por caminhos que nunca pensaste percorrer?