19. Só minha

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O percurso de carro até ao pequeno restaurante “Pôr-do-sol” demorou cerca de vinte minutos. O telefonema de antes continuava a influenciar o estado de ânimo de Tiago que para anular o silêncio ligou o rádio. A música preencheu o espaço deixado pela ausência das nossas vozes.

Pese esta situação, as feições dele pareciam demasiado habituadas a um sorriso e ao ar agradável que fez com que a empregada de mesa não resistisse a fazer um comentário sobre a simpatia dele. Inconscientemente, algo na minha expressão denunciou que aquela simpatia era falsa e por isso, assim que a empregada se distanciou, Tiago não esteve com rodeios.

- Não me achas um tipo simpático? – Indagou em tom de brincadeira.

- Huh? – Balbuciei sem entender.

- Quando a empregada estava a elogiar-me pela minha simpatia, tudo na tua cara indicava dúvida quanto a isso. – Explicou sumariamente.

Nesse momento, percebi que inadvertidamente devia ter deixado transparecer muito mais do que pretendia. Por algum motivo, isso interessava-lhe e perguntei-me o que aconteceria se lhe dissesse o que pensava. Só havia uma forma de saber.

- Desde que fomos apresentados, fiquei com a impressão de que tinhas um sorriso e um comportamento artificial.

- Ah sim? – Perguntou divertido enquanto comia uma azeitona que havia sobre um pequeno pratinho que entre azeitonas, também tinha outros aperitivos. – Sabes que é preciso uma pessoa artificial para reconhecer outra.

O tom não era depreciativo. Como se não pretendesse que aquilo soasse como um insulto. Mesmo assim, não posso dizer que tenha gostado da resposta porque talvez houvesse mesmo um fundo de razão naquilo.

- Só que eu estou a cansar-me disso… - Retruquei e os olhos repousaram em mim, ainda com o mesmo ar falsamente divertido.

- E achas que eu não sou assim? Que não me canso?

- Estás habituado. – Repliquei e então, vi-o assentir, concordando com o que tinha acabado de afirmar. – Serves-te dos outros para não teres que ficar sozinho. – Arrisquei dizer e ele sorriu de lado, dizendo:

- Foda-se, tal e qual o que me disse o Vasco na primeira vez que conversámos. É verdade. Esse sou eu. Alguém que sorri, enche-te de presentes e diz exatamente o que queres ouvir só para que gostes de mim. – Pegou na segunda azeitona. – Quando quero alguma coisa, também sou capaz de servir-me do dinheiro e influencia que o nome da minha família tem para ter as coisas.

- O Vasco nunca me contou como se conheceram. – Confessei, cada vez mais curiosa sobre esse assunto.

- Eu sei. – Falou, usando o palito ao lado do prato para brincar um pouco com as restantes azeitonas, mas sem nunca desviar os seus olhos dos meus. – Ele não falaria de uma história que não é só dele. Para te contar isso, teria que te dizer que me conheceu numa noite muito má… - O sorriso apagou-se do seu rosto e largou o palito, retirando uma pulseira de ouro que tinha num dos pulsos e um relógio de marca que tinha no outro pulso. Por debaixo desses acessórios estavam marcas de cortes. – Pretendia uma morte dramática nessa noite à beira-mar… a esvair-me em sangue. – Recolocou os acessórios e nesse instante, a empregada veio deixar as nossas bebidas sobre a mesa. Para mim, uma coca-cola e para ele um Ice Tea Limão.

- Ele impediu-te? – Perguntei com um nó na garganta. Aquilo não era o que estava à espera. Pensava que se teriam conhecido em circunstâncias mais usuais, através do Capela. Se bem me recordava, o Vasco tinha dito que tinha conhecido o Tiago através desse amigo desagradável.

- Inicialmente não. Disse-me que devia fazer o achava que era melhor para mim. Se me quisesse matar, que não me iria impedir. – Disse, abrindo a garrafa de Ice Tea e enchendo o seu copo. – Só que eu não fui capaz e quando dei por mim, estava na casa dele… com ele a tentar fazer curativos. Nunca deixes que faça isso, não tem jeito nenhum. – Disse em tom de brincadeira, procurando aliviar o clima depressivo.

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