32. Uma mão lava a outra?

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Obviamente, não devia esperar um reencontro sem qualquer ressentimento. Era consciente das mentiras que lhe deviam ter contado e também sabia que não devia ter ido embora sem dizer-lhe uma só palavra ou ao menos sem confirmar que ele estava bem.

Contudo, também não me esquecia das minhas razões para partir e com certeza, ele não imaginava o que tinha acontecido.

- Não vais dizer nada? – Perguntou.

- Conheces? – A voz que surgiu logo ao seu lado era da rapariga ruiva que o tinha beijado antes.

- Elsa, agora não. – Disse num tom impaciente.

As respostas ou explicações teriam que ser adiadas. Não iria ter aquela conversa ali e muito menos com a tal Elsa ali a assistir.

- Não vou falar aqui e muito menos agora. – Respondi. – Se ainda tens o Tiago como teu melhor amigo, sabes de que hotel foi expulso.

- Foste tu que até colocaste a polícia no meio?! Ele está com problemas por tua causa!

A reação da sua parte era tudo o que eu precisava para saber que continuavam a ter uma relação próxima.

- O problema é dele. Não tinha dinheiro para se hospedar lá e ainda por cima, achou que estava no direito de falar comigo de qualquer maneira. Enfim, já sabes onde estou.

- Essa arrogância toda, pensas que…

Interpelei-o, dizendo:

- Um dia deixei todas as decisões nas tuas mãos, mas agora quem dá as cartas sou eu. Mudei, tal como tu querias, não é? Aliás, mudei também porque eu queria e porque precisava mudar.

Ele ainda tentava assimilar as respostas que tinha recebido, quando lhe virei as costas e misturei-me com o mar de gente. Seguiu-se, mais um grito de protestos e o agitar de cartazes e lenços negros. Foi tudo o que precisei para desaparecer.

Aquele reencontro não tinha sido como imaginei. Se bem que não podia ficar indiferente à rispidez do seu tom de voz. Como se tudo o tivesse acontecido, fosse culpa minha. Pelo que podia perceber, continuava a confiar cegamente no Tiago. Não vi qualquer vontade da parte dele em perguntar qual era a minha versão da história.

A tudo isto ainda se acrescentava aquela tipa ruiva. Os olhos castanhos e acusadores, agora deviam estar dirigidos ao Vasco. Ela devia querer respostas e questionava-me acerca das explicações que ele lhe daria.

Regressei ao hotel e ao passar pela receção, reconheci um rosto. Um senhor de cabelos escuros, presos num rabo-de-cavalo e adereços de ouro pelas mãos, pescoço e até num dos dentes. Os olhos azuis e grandes abriram-se ainda mais com a surpresa e sorriu. Veio ao meu encontro, dirigindo-me palavras de saudação em russo. Respondi-lhe nessa mesma língua e apertei a sua mão. A pele pálida deixava a evidência, as bochechas coradas. O hálito apontava para alguma bebida alcoólica, mas ainda assim, de todos os contactos do Tiago que conhecia, aquele seria provavelmente o mais agradável.

Cheguei a vê-lo em várias ocasiões quando acompanhava o Vasco naquelas viagens proporcionadas pelo melhor amigo dele.

Aleksei era um homem que vivia de viagens de negócio pela Europa e também pela Rússia, de onde era originário. Além do russo, falava perfeitamente o inglês e desenrascava-se melhor do que muitos a falar um português sem erros e apenas com algum sotaque. Era bastante sociável e passou a ser muito simpático comigo quando numa ocasião, por impulso, corrigi a triste tentativa de um funcionário de hotel de falar russo com ele.

- Já há muito tempo que não te via. O Vasco também está aqui?

- Não, porquê? Não o tem visto?

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