12. Preciso de ti

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Nem mesmo a negativa no teste de Geografia conseguiu tirar a satisfação que sentia nesse dia ao ver todas aquelas que me humilharam, desfazerem-se em lágrimas e tentativas de explicação com os amigos e namorados. Além disso, a Sandra apareceu nas aulas para surpresa de todos. Ela tentava manter o nariz empinado, mas não era fácil até porque não havia maquiagem que escondesse as marcas deixadas pela Kiara. Gostava sobretudo as manchas negras perto daqueles olhos falsos.

- O que o prof de Filosofia queria contigo? – Perguntou o Mário enquanto caminhávamos até ao pavilhão desportivo.

Peguei no papel que mantive guardado no bolso, depois da aula de Filosofia e rasguei-o. Aproximei-me de um caixote e deixei lá os pequenos pedaços rasgados.

- Sugerir que frequentasse a psicóloga da escola.

- E esse era o papel para…?

- Para o meu pai assinar e concordar. – Esclareci. – Não sou eu quem tenho um problema.

- Nisso tens razão. Será que a Sandra e a Júlia receberam a mesma sugestão?

- Não sei e nem me interessa. Aliás, nem acredito que isso resolva as coisas. Algumas pessoas simplesmente não mudam. – Falei, ajeitando o meu cabelo pela terceira vez. O vento estava a irritar-me. Porém estava a tentar manter-me fiel à promessa de usar o meu cabelo solto.  

- Acho que as pessoas mudam. – Disse o Mário ao meu lado. – Olha tu por exemplo, parece que estás diferente… ou já eras assim e não deixavas ninguém ver.

- Achas mesmo? – Perguntei curiosa com o que me acabava de dizer e ele assentiu, dizendo:

- Quando a Kiara nos apresentou, fiquei com a impressão de que eras tímida, estudiosa e muito na tua, ou seja, não querias problemas. Às vezes, ainda vejo isso mas outras vezes, pareces uma outra pessoa… e essa para ser sincero, é bem interessante.

Sorri e agradeci num tom mais baixo, continuando a caminhar à sua frente. Interessante. A pessoa que sempre escondia atrás de todos os meus silêncios e ausências era interessante. A pessoa que não pensava assim tão bem dos outros e muitas vezes, nem queria ser simpática era interessante. Não era uma ideia apenas do Vasco, mas parecia também ter chamado a atenção do Mário que na ausência de Kiara, pensei que fosse andar mais com os outros amigos. Porém, aproveitava cada intervalo desse dia para estar na minha companhia, alguém que normalmente ficava na biblioteca, alguém que comia sozinha sentada em algum sítio discreto ou num círculo de pessoas ficava sempre de parte. Sempre tive a teoria de que não participava nas conversas dos outros porque estas não captavam a minha atenção. Não me identificava com nada do que era dito e portanto, sem nada a acrescentar ao tema, silenciava-me. Isso sempre foi encarado como alguma antipatia da minha parte em que me recusava a ser social. Na verdade, calava-me não só, por não ter nada que dizer, mas também porque se dissesse o que pensava, poderia ofender alguém.

- Queres ficar comigo hoje? – Ofereceu-me o Mário, durante a aula de Educação Física.

- Pode ser. – Concordei.

O Mário nunca foi antipático ou tentou ignorar-me antes, aliás tentava muitas vezes, tal como a Kiara convidar-me para passar mais tempo com eles. Mesmo assim, era inesperado para mim que continuasse a comportar-se da mesma forma, na ausência da namorada. Pensei que fosse correr para estar com os amigos e não com a amiga da namorada. Alguma parte dentro de mim questionava-me sobre isso. Desde que tinha decidido deixar a minha mudança nas mãos do Vasco, arriscava dizer que o Mário parecia bem mais atento e simpático. Será que a aparência é mesmo tudo? Bastava vestir-me um pouco melhor para até o namorado da minha amiga ver-me de outra forma? Não sei até que ponto gostava disso, mas por outro lado, era melhor estar na companhia dele do que passar o dia de aulas completamente sozinha como era o habitual.

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