Capítulo 30 - A surpresa (1)

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"Jesy, você está aí? Eu preciso falar com você.  Urgente."

"Jes? Me responde"

"JESY?"

OK. Depois de toda aquelas mensagens eu devia imaginar que alguma coisa muito séria teria acontecido. Quando acordei ainda não havia amanhecido ainda e o computador estava repetindo o filme que Julieta provavelmente viu mais de uma vez antes de dormir. Ela estava apagada ao meu lado.
Desliguei o computador e deitei novamente.
Fiquei alerta com as mensagens e não consegui voltar a dormir. Mandei mensagens para que Louis soubesse que eu já estava acordada, caso ele resolvesse olhar o celular antes de ir para o hospital.
Fiquei deitada com os olhos estalados pensando em tudo que poderia estar acontecendo.  Negativa como sempre fui, pensei em acidente,  assalto, morte. Pensei que ele poderia estar sendo acusado pela morte de algum animal caro e importante (o que é a maioria, quando falamos em cavalos).
Percebi o dia entrando timidamente pela janela e iluminando cada canto do quarto. Eu sempre dormia com a janela aberta, então era fácil saber quando já havia amanhecido e também me proporcionava um sono melhor, respirando ar fresco.
Desde que Julieta veio ficar comigo eu não preciso mais ir à clinica logo cedo. Me autorizaram a chegar às 9, já que eu estava ajudando muito lá. 
Eu sabia que não iria conseguir dormir mais, então me levantei e fui arrumar o café.  Hoje Julieta iria acordar mais cedo,  pois eu precisava ocupar minha cabeça  e queria ir mais cedo para a clínica.
Antes das 8 já estavamos comendo o cereal favorito dela que, admirável como era, estava já sorridente e falante. Eu agradecia todos os dias por aquela criaturinha adorável existir.
Logo que chegamos até a clínica fui procurar Patrick que, ainda bem, estava desocupado.  Precisava compartilhar a minha agonia com alguém.
- Pat, bom dia. Você ta ocupado? - perguntei me esgueirando pela porta de sua sala. Ele levantou os olhos do notebook e sorriu pra mim.
- Oi, Jesy. Bom dia. Não estou não,  pode entrar.
Havia deixado Julieta com uma das professoras, escrevendo no quadro, pois elas adoravam a companhia uma da outra e eu me aproveitava disso para manter a pequena ocupada.
- O que houve? Você tá com cara de quem não dormiu direito.
Patrick estava começando a me conhecer bem demais.
- Louis me deixou preocupada.  Ele me deixou mensagens falando que precisava falar urgente comigo, mas eu estava dormindo. Só que agora eu estou curiosa e angustiada, com medo de ter acontecido alguma coisa. E pra ajudar meu celular não consegue ligar pro dele lá.  Só ele quem me liga. E até agora ele não respondeu.
Eu parei pra respirar e Patrick me olhava atento.
- Você quer tentar ligar pra ele do meu telefone?
Me surpreendi pela proposta.  Até pensei em recusar, mas aquela era uma situação diferente e urgente. 
- Olha. Você sabe que eu tenho vergonha de aceitar usar as coisas dos outros, mas já tenho intimidade e estou preocupada o suficiente pra aceitar.
Ele riu, desbloqueou o celular e me entregou já na tela de discagem. Rapidamente disquei o número de Louis e aguardei enquanto segurava minha respiração, que já estava pesada.
Após alguns toques, ele atendeu com uma voz sonolenta e desconfiada.
- Sou eu... - mal podia ouvir minha própria voz, pois estava tão aliviada por ouvi-lo que senti um soluço se aproximando.
Houve um curto silêncio. 
Ouvi o barulho dele se remexendo, provavelmente estava deitado.
- Oi, Jesy - ele respondeu com a voz grossa e rouca, depois pigarreou.
- Oi, você - eu tentei soar calma,  mas minha vontade era perguntar logo o que havia acontecido.
De repente ouvi uma voz feminina ao longe
"Com quem você esta falando?"
Imediatamente fiquei alerta.
- Está tudo bem, Louis?
Outro silêncio.
"Depois eu falo com você" ele respondeu pra dona da voz feminina.
- Louis, o que está acontecendo? O que você queria me dizer ontem?
- Eu... É que eu fui numa festa ontem. Eu queria te dizer, porque não gosto de esconder nada de você. 
- Uma festa? No meio da semana? Nossa... com quem você foi?
Eu ja sentia algo sombrio e amargo crescendo de dentro pra fora em mim. Mas eu não poderia permitir, eu tinha que acreditar e confiar nele.
- Fui com os estagiários. E as estagiárias.
Ele diminuiu sua voz na última palavra.
- E por que é importante que eu saiba que elas também foram?
Outro silêncio. 
Ok, aquilo estava começando a ficar estranho.
- Porque... porque uma delas tá aqui no meu quarto comigo. 
Nesse momento eu me senti anestesiada. Essa deve ser a sensação de quem está em coma. Tem consciência de tudo o que acontece ao redor mas não consegue reagir.
Eu podia ouvir minha respiração mas parecia que ia desmaiar a qualquer momento. 
- Jesy? Não é o que você ta pensando. 
Antes que ele falasse mais alguma coisa,  eu desliguei o telefone e o devolvi ao Patrick.
- Descobriu o que houve? - ele me perguntou tranquilamente. 
Eu não pude responder.
Louis com certeza queria terminar comigo ontem para poder ir pra a festa e aproveitar. Mas pelo jeito o fato de não ter conseguido falar comigo não o impediu. 
- Jesy? - era Patrick. Sua voz assumiu um tom preocupado.  Eu ainda estava parada na sala dele.  Pisquei algumas vezes.
- Eu preciso ir pra casa - foi a unica coisa que consegui dizer.
Fui em direção ao laboratório onde Julieta estava. Sentia minha garganta queimar e  parecia que meu corpo ia parar de funcionar a qualquer momento.
Logo encontrei Julieta. Ela estava com todas as canetas na mão fazendo desenhos no enorme quadro branco. Se ela não estivesse comigo eu tenho certeza de que ia desabar.
- Juju, vem cá?
Ela me olhou, fez um biquinho mas veio até mim, deixando as canetas no apoio do quadro.
- A tia Jesy não está passando muito bem. Você ficaria muito brava se eu te pedisse pra irmos embora?  A gente volta amanhã ou mais tarde. 
Ela cruzou os bracinhos no peito, franziu as sobrancelhas e fechou o sorriso. Deus, por favor, faça com que ela me obedeça de primeira hoje.
- Você não tá com dor de barriga, ne?
Ela falou com tanta naturalidade que todos que estavam no laboratório ouviram e caíram na risada.
Estava sendo cada vez mais difícil segurar a vontade de chorar que estava praticamente arrombando meu coração naquele momento.
Eu a abracei forte. Aquela pequena com certeza foi uma maneira que Deus encontrou de me mandar um depósito onde eu sempre encontraria amor, bastava abraçá-la.
- Não, miss sunshine. Eu estou com dor, mas é em outro lugar. 
Ela me olhava atenta com aquele olhos enormes e brilhantes.
- Então vamos embora. O tio Louis pediu pra eu cuidar de você.
O som da voz dela pronunciando o nome dele trouxe consigo um aperto que me deixou com dificuldades de respirar.
Meus olhos ja estavam marejados, então eu só concordei com ela.
Nos despedimos rapidamente de todos e eu só precisava encontrar minha casa.  

Mal percebi o caminho de volta. Vim o caminho todo segurando firme na mãozinha de Julieta. Naquele momento ela era minha âncora,  me impedindo de me afundar na decepção,  na vergonha, na frustração da traição.
Louis havia me ligado diversas vezes durante o trajeto.
Eu não iria atendê-lo. Ao menos não agora. Eu não estava pronta pra deixá-lo ir - será que há como se preparar pra isso?
Ele provavelmente encontrou alguém melhor. Alguma mulher mais segura, mais bonita, mais magra. Não é difícil encontrar.
Quando chegamos em casa eu queria ir direto para o banheiro.
- Jujiba, a tia vai tomar um banho. Você já sabe o que tem que fazer, ne?
- Não abrir a porta. Não mexer no fogão. Não ligar nada na tomada. Eu vou brincar la no quartinho enquanto você toma banho depois vou te ajudar a melhorar essa sua dor. Deve estar doendo muito,  você está chorando.
E eu estava. E estava muito agradecida por ela estar aqui comigo. Eu queria que Valerie ou Diana também estivessem aqui, mas elas não estão e eu não vou incomodá-las. Não antes de resolver toda essa situação desastrosa.
- Tá doendo muito sim, meu bem. E você só vai precisar me encher de abraço e me fazer rir, que vai melhorar, tá?
Ela abriu um sorriso enorme. Resplandecente - como o dele.
- Ah, então vai ser fácil te curar.  Ela disse já me abraçando. As lagrimas agora já não tinham vergonha de inundar meu rosto.
Beijei o rosto de Julieta, a vi se afastar e sentar no tapete onde seus brinquedos estavam espalhados e fui até o banheiro.
Retirei minha roupa, abri a água deliciosa e morna, e me sentei no chão.  Precisava de um banho para refrescar minha mente e tentar acordar daquele estado letárgico onde me encontrava, mas aquele cômodo me trazia tantas lembranças que eu tenho certeza que minha cabeça vai doer depois de chorar tanto.
Era óbvio que Louis ia perceber o erro que estava cometendo ficando comigo. Ele só precisava se afastar, ampliar seu círculo e sua visão. Era questão de tempo.

Não sei quanto tempo estive ali, até que uma vozinha me chamou na porta.
- Tia Jesy, lembra que quando a gente toma banho demorado o peixinho fica sem água?
Essa foi a maneira mais fofa de dizer que eu estava demorando demais no banho. Consegui até sorrir ao ouvir aquilo.
Me levantei com esforço, meu corpo doía como no dia de aumentar os pesos dos exercícios na academia. Me lavei rapidamente e saí do chuveiro. O planeta realmente não precisava sofrer mais com a falta de água.
Me enrolei na toalha e Julieta estava como um guarda na porta me esperando.
- Até que enfim - ela disse, autoritária.
- Desculpa a demora. Quer pentear meu cabelo?
Seus olhos brilharam, ela pulou enquanto batia palmas. Eu sabia que ela adorava pentear meu cabelo e eu podia usar um pouco de massagem nesse momento.

Quando olhei meu celular havia 7 ligações de Louis e ao menos 20 mensagens. A última dizia
"Você precisa me ouvir. Não é nada do que você está pensando"
Pois parecia exatamente o que eu estava pensando: ele foi a uma festa, no meio da semana, deixou claro que as estagiárias também iam porque uma delas estava no quarto dele, enquanto ele estava com voz de sono e sussurrando que depois falava com ela, enquanto deixava longos e constrangedores silêncios no diálogo comigo.
Se ele queria que eu pensasse algo diferente do que admitir que ele me traiu com aquela mulher, ele claramente estava exigindo muito de mim ou do meu poder de raciocínio.

Eu não conseguia ligar para Louis. Então não tentei. Eu ia esperar ele me ligar de novo, se ele quisesse ligar. Eu apenas deixei uma mensagem, que ele nem sequer visualizou.

"Você está livre para fazer o que quiser de agora em diante."

Logo após o almoço eu cochilei ao lado de Julieta enquanto assistíamos Meu malvado favorito 2. O som da risada dela me acalmou e eu pude descansar e parar de pensar - e chorar - um pouco.

E meu telefone não tocou.

→←

OMG. E agora?

Segunda parte vem amanhã ♥

Resplandecente - CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora