Do outro lado daquele pequeno armário de madeira, repintado de tinta branca inúmeras vezes, tinta que também foi usada por meu pai para pintar meu berço. Neste mesmo armário havia os remédios, aqueles que viciam as pessoas, aqueles que levam a depressão, aqueles que não se pode exagerar. Tinha inúmeras caixas do mesmo. Eu larguei a vassoura de vez no chão, colocando minhas mãos na boca em espanto. Lágrimas começaram a descer no meu rosto sem nem mesmo eu piscar os olhos.
Mostarda apareceu na porta, parecia ter acordado com o tamanho do barulho que eu fiz. Ele começou a lamber os meus pés para fazer carinho, mas eu não me movia, eu estava intacta. Tinham colado meus pés no chão, ou eles teriam criado raízes.
— LIA? — Ouço Júlia gritar do corredor. — Lia? — Sua voz agora era mais próxima de mim.
Ela entra na dispensa, eu desvio meu olhar até ela. Depois volto a olhar os remédios, encosto-me à parede e vou escorregando minhas costas até me sentar no chão. Abraço meus joelhos e começo a chorar desesperadamente.
Sinto Júlia me abraçar de frente junto com meus joelhos, mas ela parecia abraçar com medo e receio. Eu continuava chorando sem parar junto com os soluços altos e o Mostarda que tentava me consolar lambendo os meus pés.
— Ei, ei... — Júlia diz em tom baixo e se afasta um pouco, segura com as duas mãos o meu rosto, para levantar o meu olhar. — Não fica assim, respira. O que aconteceu?
Eu olhei em seus olhos. E respirei fundo, passando as mãos nos meus olhos tentando limpar as lágrimas que encharcaram o meu rosto.
— Isso ali. — Aponto com o indicador em direção a caixa de remédios que estão atrás dela.
Júlia faz uma careta sem entender. Então olhou para trás.
Ela demorou alguns minutos até desgrudar os olhos das caixas e só então voltar para mim.
— Ai não... — Ela junta suas sobrancelhas, adquirindo uma expressão muito triste e horrorizada. E então volta a me abraçar, mas dessa vez era forte. Como se quisesse passar toda a minha dor para ela.
E eu desabo novamente, choro mais forte do que antes. Eu nunca imaginei passar por uma dessas coisas, parecia um filme de terror que cada vez ia ficando pior. Tudo estava piorando e literalmente desabando.
Como eu queria que Gus estivesse aqui.
Ele faria eu me deitar em seu colo e me deixar chorar o quanto quisesse. Porque como ele dizia, depois de todas as lágrimas vem o sono, e eu dormiria aninhada em seu colo.
Júlia me fez levantar e me direcionou até meu quarto, me colocando deitada em minha cama. Mostarda pula na cama, e se deita bem do meu lado. Ele estaria me fazendo companhia.
(...)
— É A DROGA DA SUA FILHA, CÉLIA! — Ouço gritos. Abrindo meus olhos lentamente, e identificando a voz.
Era meu pai gritando com a minha mãe. As gritarias pareciam vim do quarto deles, que fica ao lado do meu.
— Ela não teve nenhuma culpa Rodolfo! — Era minha mãe falando em tom normal, porém entre soluços de choro.
— Você pode ter certeza que se o Gustavo morrer, ela vai ter a culpa para o resto da vida! — Meu pai fala alto o suficiente para eu ouvir.
Gustavo morrer. Sinto um aperto no meu coração com essas palavras.
Olho ao meu redor, e percebo que Júlia está num sono pesado num colchão ao lado da minha cama. E Mostarda estava todo encolhido na sua cama de cachorro.
Eu sei que ele sentia falta de Gus, provavelmente, sentia o clima triste e tenso em toda a casa, eu via em seus olhos a tristeza.
Depois de ouvir muitas outras gritarias, permito-me dormir pensando em Gustavo.
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Do outro lado da Rua
Teen FictionEntre rabiscos, linhas, cores e esboços, Lia vive sua paixão por desenhos em uma pequena cidade de São Paulo. Tendo uma mãe com excesso de limpeza, um pai ausente e um irmão cursando a faculdade, ela se vê um pouco sozinha no mundo. Do outro lado da...