05 de fevereiro de 2011
08:20 AMAs cortinas do meu quarto resplandecem o alvor da janela. Isso me faz lembrar o quarto de Leonel, o meu ex-professor da Faculdade de Medicina. Já se passaram dois meses e vinte e um dias desde que saí do Rio de Janeiro. Minha vida está um caos, uma droga. O que faço, meu Deus, agora que estou esperando um filho daquele infeliz?
Olho para o espelho da minha penteadeira, passo a mão no ventre e vejo que ainda não dá para notar que estou grávida —, mas daqui uns meses... ah, daqui uns meses... todo mundo vai perceber. Ninguém da minha família sabe nem mesmo meus dois irmãos, Taylison e Érodys. Nunca escondi nada deles, sempre fomos abertos um com o outro. Apesar de eu ser adotada, eles me amam como irmã de sangue. Lágrimas ameaçam sair dos meus olhos.
O que você fez, Esther?
Aquele imbecil me engravidou e agora vai casar com outra. Não suporto mais me arrostar contra essa notícia, é difícil saber que a pessoa que você ama vai ser feliz com outra. Feliz! E eu? E eu, Leonel? Você não pensou em mim?
Choro, olhando a foto dele e da sua futura esposa. Ela é morena, cabelo curto, linda, encorpada e muito atraente. Tem um corpo de dar inveja, enquanto eu sou pele e osso.
Você é mais bonita do que ela, muito mais, Marihá.
A porta do meu quarto abre e meu irmão mais velho entra. Ele me olha atentamente. Ainda bem que tirei a mão do ventre a tempo. Enxugo as lágrimas de um jeito horroroso.
— O que houve, Esther? — ele se aproxima e senta na cama.
— Coisa minha, Érodys.
— Fale, eu sou o seu irmão mais velho, você sabe que pode confiar em mim.
Deito na cama e começo a chorar de novo. Que droga! Se Érodys souber, ele vai acabar com Leonel.
— Eu não posso falar, irmão.
— Você quer que eu conte para o nosso pai sobre isso? — ele me encurrala.
Fico paralisada. Para o Athos Winkler? Ele vai pirar.
— Não, por favor, não — pego sua mão. Ele franze a testa.
— O que está acontecendo, Marihá? Desde que voltou do Rio de Janeiro você anda triste.
— Eu prometo que um dia lhe contarei.
Ele dá um sorrisinho.
— Vamos sair hoje à noite? Você, Taylison e eu.
— Melhor não.
Ele faz cara feia.
— Taylison deve saber o que está acontecendo com você.
— Ele não sabe de nada.
Érodys suspira. Eu o conheço e sei que sua paciência está esgotando.
— Espero você lá embaixo — ele me dá um beijo e some pela porta.
Tenho que me recompor, senão todos vão me interrogar, odeio quando ficam me perguntando coisas que me deixa constrangida. Tomo um banho, me arrumo e desço para tomar meu café da manhã junto com a minha família. Todo mundo me olha quando chego.
— Bom dia, papai, mamãe, Taylison, Érodys...
— Bom dia, filha — diz minha mãe Angeliquê.
— Bom dia, querida.
Ah, mãe, pai... eu odeio mentir pra vocês. Daqui a alguns meses minha barriga vai crescer. Meu Deus, me ajude, não sei o que fazer, não posso tirar a vida de um ser tão pequeno. Estou num abismo e ninguém pode me ajudar. Uma parte de mim odeia o Leonel, a outra o ama sem adestrar.
— O que foi, filha? — pergunta meu pai, Athos.
Ele é muito bonito, o cabelo é cor de cobre enferrujado, os olhos são negros. Ele é magro e musculoso, sempre anda com a postura de executivo, ainda é jovem, tem quarenta e três anos.
— Nada, pai. Eu te amo — digo de repente, fazendo com que todos fiquem surpresos. Ele sorri e beija minha testa.
— Também te amo, filha. Sente-se aqui perto de mim.
Arrasto a cadeira para o lado dele.
— Sempre mimando a Esther, Sr. Winkler — balbucia Taylison.
Jogo um olhar pétreo para ele, que faz beicinho ironicamente.
— Seu feioso — murmuro, revirando os olhos.
— Sua feia — rebate ele.
Estreito os olhos. Parecemos duas crianças brigando.
— Chega, Taylison — interrompe minha mãe. — Já terminou a obra do seu tio?
— Ainda não, mamãe.
— E por que não vai trabalhar em vez de ficar tirando sarro da sua irmã?
— Ainda não terminei o meu café. Ah... família... quero informar que hoje faz dois anos que me formei em arquitetura.
— Hum. Meus parabéns.
Meu pai se levanta da cadeira e abraça o filho com carinho.
— Estou orgulhoso de você, meu filho.
— Obrigado, pai.
Ai! Às vezes o Taylison me irrita lembrando que é arquiteto, ele ficou muito bom depois que se formou. Diferente de mim, que caí numa tentação do próprio professor, aquele médico imbecil, filho da... Epa!
— Adoro saber que meus filhos não são perdidos nesse mundo.
Eu sou, Athos Júnior.
— Minha filha está cursando medicina, meu filho é arquiteto e o outro é um executivo brilhante. Obrigado, crianças, vocês me deixam orgulhoso.
— Crianças não — corrige Érodys.
Ele é lindo, meu irmão mais velho é um tremendo gostosão. Ele é tão forte... malha demais, olhos cor de chumbo, cabelos do estilo do Leonel — corte quadrado com uma franja lisa e bagunçada no topo da cabeça. Um corte tipo social. E Taylison é magro, não muito musculoso, mas também é lindo de doer. Eu sou uma sortuda, cresci ao lado de três homens perfeitos, lindos e só meus. Minhas amigas ficam com inveja quando saio com os três homens da minha casa. Eles são o que toda mulher queria ter, tem dinheiro, são famosos e bonitos.
Passo a mão sob a blusa — meu filho ou filha está aqui. Eu estou com um ser humano dentro de mim, é inacreditável. Como será que uma mulher se sente barriguda? Deve ser desconfortável, as roupas... os vômitos... Que nojo! Maldito Leonel Blanchard, mil vezes maldito! Isso só pode ser um pecado que estou pagando. Grávida! Nunca me imaginei com um filho.
Levanto-me da cadeira e de repente me sinto tonta. A mesa de jantar gira duas, três, quatro vezes... Caio no chão e apago de. O preto toma minha visão.MINHA MÃE ACARECIA meus dedos lentamente, chorando. Abro os olhos e a vejo.
— Mamãe, está chorando?
Ela enxuga as lágrimas.
— Ai, filha... você me deixa preocupada. O que está acontecendo?
Putz! Todo mundo está ao redor da minha cama. Eu não espera isso.
— Nada, mamãe, nada. Não se preocupe comigo.
— Como assim, não se preocupe comigo? Nós somos os seus pais, Marihá — meu pai me repreende.
Ajeito-me na cama para ficar mais confortável, fungando o nariz com a costa da mão. Meu pai está zangado, Érodys sem paciência, Taylison desconfiado e minha mãe preocupada. Todos estão aflitos por minha culpa e desse bebezinho que está me prejudicando.
Não fale assim do seu filho.
Eu não quero esse filho, não quero nada que me lembre o energúmeno do Leonel.
— Vou chamar um médico para essa menina.
— Não pai, por favor.
Ele me ignora e sai do quarto com a minha mãe, emburrado.
— Que droga, Esther. O que você tem? Fale logo, olhe o que está fazendo com a sua família — diz Taylison.
— Eu não sei — minto.
Érodys também some do quarto.
— Você tem ideia de quem está em Porto Alegre?
— Não. Quem?
— Com certeza o papai vai chamar ele para vir aqui.
— Quem, Taylison?
— O seu ex-professor.
Arregalo os olhos, estupefata. Não! Não! Não! Ele não pode... Ah! Ele vai descobrir a minha gravidez e aí eu vou me foder.
Foder por que, se ele tem direito de saber?
Droga. Tomara que ele morra na estrada. Começo a chorar. Não posso desejar mal ao homem que amo. Meu irmão me abraça.
— Esther, calma.
— Ele não pode me ver assim — murmuro entre soluços.
As lágrimas molham a camiseta azul de Taylison.
— Mas por quê?
— Taylison... eu... não fale isso para ninguém, eu imploro.
— O quê? — ele me olha intrigado.
— Eu... estou... grávida — choro. — O pai dessa criança é o Leonel.
Ele põe a mão na boca, perplexo.
— Não pode ser.
— Aconteceu, eu descobri em janeiro.
Taylison balança a cabeça em negativa.
— Dois meses? Sua barriga nem cresceu.
— Por isso ninguém notou ainda, mas daqui uns meses...
Meu irmão continua pasmo
com a notícia.
— Ele vai casar no final do mês que vem e nem sabe que vai ser pai. Ele tem que assumir o que fez, Esther.
— Não diga nada, por favor, não quero atrapalhar a vida dele com a outra. Fale com o papai e diz para não chamar o Leonel.
— Ele vai desconfiar, você sabe como o Athos é. Ah, Esther, o nosso pai vai enlouquecer se souber disso.
Respiro fundo.
— É melhor eu sair dessa casa.
— Não faça essa loucura. Conte a ele e veja no que vai dar, mas não saia.
— É melhor eu ir mesmo.
— O melhor agora é você não enganá-los. Crie coragem e conte o que está acontecendo.
Fico em dúvidas. Será que devo falar a verdade? O medo me impede.
— Amanhã, talvez — murmuro.
— Eu espero. Você sabe que pode contar comigo, não sabe?
Dou um sorriso forçado para ele.
— Sei, obrigada. Te amo — abraço-o.
— Eu também, mana. Posso falar para Érodys?
Aperto os lábios e dou de ombros.
— Não, eu conto amanhã.
— Está bem. O Leonel vai aparecer daqui a pouco. Fique preparada, ele é médico, com certeza vai descobrir.
— Eu sei. Tomara que ele morra na estrada e não venha.
As palavras saem rapidamente.
Ai, meu Deus!
— Esther — Taylison me repreende. — Não fale assim, perder a pessoa que ama dói mais que ser traído, acredite. Descanse e o espere.
Reviro os olhos para ele. Não tenho coragem de admitir que estou errada. Abro a gaveta da mesinha ao lado da cama, pego uma fotografia de Leonel e fito-o com os olhos cheios d'água.
— Eu sou uma idiota. Você vai se casar e eu vou ficar sozinha. Por que você fez isso comigo, Leonel?
Jogo o retrato no chão e tento controlar o choro. Eu não posso ficar assim, tenho que tomar uma atitude para que ele não pise em mim.
Você é forte, Marihá! Forte!
É, eu sou forte — não sei até quando. Ele me tirou da Faculdade de Medicina sem eu saber, me fez acreditar nele depois que me apaixonei e saí do Rio de Janeiro para não vê-lo prejudicado. O que uma mulher apaixonada não faz? Mas do que adiantou? Ele está comendo outra agora. Maldito! Mil vezes maldito! O que ela tem que eu não tenho?
Marihá, ele ama você.
Descarto esse pensamento ridículo. Me ama... Ele não sente o mesmo que eu.
Deito na cama e olho para o teto, estou cansada, com sono. Ai, Deus, ainda tem a faculdade. O que eu fiz comigo? Eu sou muita nova para ser mãe, só tenho dezoito anos.
Levo a mão no ventre, ele ou ela está aqui... É impressionante, é como se eu não estivesse grávida.
— O seu pai vai se casar, filho — digo olhando para a minha barriga.
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Minha estúpida coragem
RomanceInconformada com a vida sem o prestigioso Leonel Blanchard, Esther vê seu mundo desabar ao se mudar para Porto Alegre. E nessa jornada, ela descobrirá um Leonel sem escrúpulos, possessivo além da conta e descontrolado. Esther se vê sem saída ao p...