Capítulo 33

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17:50 PM

   Acho que vou pedir demissão da Clínica Blanchard. Não posso mais enfrentar Leonel, não no estado em que ele está, é perigoso para mim. Ele já disse até que tem coragem de me matar. Matar! O que aconteceu com aquele Leonel do ano passado, aquele professor inteligente e disciplinado que eu conheci? Onde ele está?
   Recebo um telefonema enquanto contemplo Rio de Janeiro aos meus pés, na varanda da casa de Yany. Olho na tela do celular e vejo o nome de Érodys. Um súbito de felicidades percorre meu corpo, porque estou triste e queria mesmo falar com alguém da minha família, exceto meu pai. Pego o celular e atendo.
— Oi.
— Oi, irmã, quanto tempo.
   É verdade, faz muito tempo que não nos falamos. Eu suspiro para começar a conversa.
— Como estão todos aí? — pergunto com a voz embargada, segurando o choro.
— Estamos bem, e com saudade da rainha da casa.
   Contenho um sorriso sardônico.
— Também estou com saudade.
   Fico em silêncio por uns segundos, e ele pergunta:
— E como você está? Quero saber.
— Ah, meu irmão, se você soubesse...
   Desabo em choros. Droga! Érodys suspira no celular.
— O que aconteceu? Desabafe.
— Aconteceu tantas coisas aqui desde que voltei, Érodys.
— Começando por Leonel, não é?
   Meu Deus, como meu irmão faz isso?
— É. Ele mudou muito na minha ausência.
— Estou sabendo disso, e que você voltou com ele. Esse homem é perigoso, você sabe.
— Eu sei — choramingo.
   Anoitece no Rio de Janeiro, a escuridão é clara, pois as luzes dos prédios resplandecem à noite. Observo as estrelas no escuro. São extremamente lindas. Eu já disse que amo olhar estrelas? Então, eu amo. Elas me fazem lembrar uma época feliz.

                        ♪

Papai me aconchega ao seu colo, que está quente. É o lugar em que quero estar: em seu colo de pai. Ele me mima toda hora, mais do que os filhos biológicos. Ele não é meu pai de verdade, mas é como se fosse, fui adotada há cinco anos atrás e ele nunca me escondeu isso. Eu o agradeço.
Athos Júnior é o nome dele, e sua esposa se chama Angeliquê, eles têm dois filhos homens e esses dois são um pouco nojentos, ficam brincando com sapos. Os meninos estão sentados ao nosso lado, olhando as estrelas no jardim do haras da minha avô adotiva. Tudo é perfeito aqui.
— Mamãe, eu escolho aquela estrela maior — Taylison aponta para uma estrela brilhante no céu escuro.
— Não aponte, filho, apenas olhe — adverte minha mãe.

   Érodys continua falando no celular, me distraindo do devaneio.
— Dê um tempo, o médico mesmo disse isso a você.
— Vou tentar ficar longe dele.
— Peça demissão já. O que deu em você de querer trabalhar para o Leonel?
— Ele paga bem os funcionários, muito bem. Como eu estava precisando de dinheiro, eu me vi disposta à entrar na clínica.
— Do que adianta pagar bem, se trata os funcionários mal? Com certeza foi por impulso.
— Digamos que sim.
— Esther, venhe passar esse fim de semana com a gente, por favor.
   Fico calada por um tempo sem saber o que dizer. Ir à Porto Alegre?
   !
— Não tenho dinheiro para viajar.
   E isso não é uma desculpa esfarrapada, eu quero ir, mas não tenho grana. Érodys bufa no celular.
— Eu pago a viagem, Esther. Não se preocupe com o dinheiro.
— O seu pai não vai gostar disso.
   Presumo que ele esteja revirando aqueles lindos olhos cinzentos para mim.
— O seu pai... — repreende ele com um tom de voz irritante — ...te perdoou há muito tempo, se você não está lembrada. Eu liguei para convidar você por intermédio dele.
— Hum. Tem certeza?
— Claro que tenho, Esther.
— Vou checar minha agenda.
— Você promete que vai pensar?
— Prometo.
— Mande uma mensagem para mim mais tarde, ok?
— Ok. Beijo.
   Se bem que viajar até minha cidade natal vai me fazer bem, pelo menos vou estar longe de Leonel e de sua loucura por mim. Resolvo tomar um banho e depois dormir.
   Quero paz, Senhor.
   Quem diria que aquele professor disciplinado viraria um obsessivo transtornado? E por mim! O que eu fiz, meu Deus do céu? Não mereço isso. Depois de vinte minutos no banho, visto um moletom e vou me deitar. Na cama, checo meu celular e uma mensagem de texto surge na barra de notificações. Fico puta da vida quando vejo o nome de Edward.

Edward
Você está aí?

Esther
Estou. O que você quer?

Edward
Pedir desculpas por hoje de manhã. Eu disse aquilo por ódio de você e do Leonel. Não aguentei ver vocês dois juntos.

   Ele vai ficar esperando, enquanto tomo um gole de suco de morango que Yany deixou em cima da minha cômoda.
   Amo você, Yany.

Esther
Edward, aceito seu pedido de desculpas, mas não vou poder mais ser sua amiga ou outra coisa que você quer...

   Ele responde de imediato.

Edward
Sei disso, lamento muito que a gente não tenha dado certo. Nunca iria dar, aliás.

   Reviro os olhos para a foto do perfil dele.
   Idiota.

Esther
Bem que você sabe. Sempre deixei claro que amo outro.

Edward
Me desculpe. Vou deixá-lá livre para ser feliz.

Esther
Obrigada. Agora vou dormir. Amanhã tenho que ir à faculdade e depois trabalhar.

Edward
Durma bem. Beijos!

   Que ódio! Como ele ainda tem a cara de pau de falar comigo? Essa história de me deixar livre para ser feliz é conversa fiada, duvido se ele não gostaria de estar no lugar de Leonel — idiota também.
Vai me deixar sozinha de novo.
   Você decidiu isso, querida, agora aguente.
   Não quero mais saber de nada por hoje, apenas quero dormir em paz.

  

Minha estúpida coragemOnde histórias criam vida. Descubra agora