A porta está semicerrada. Abro-a lentamente e depois fecho. Ele está sentado em sua cadeira, os cotovelos sobre a mesa e as mãos entre laçadas à frente da boca. Ele está com uma expressão séria, mal humorado. Não gosto de ver meu pai assim. Ele está parecendo esses executivos maus, sádicos. Aproximo de sua mesa.
- O que você quer? - diz secamente.
Nossa.
- Seja breve. Estou ocupado.
- Pai...
- Eu não sou o seu pai - me interrompe.
- Desculpe, eu vim aqui para pedir perdão ao senhor.
Ele solta uma risada falsa e má.
- Eu não vou te perdoar. Você passou dos limites. Não obedeceu minhas regras, se você me obedecesse, não estaria com esse ou essa bastarda na barriga.
- Não fale assim, pai, por favor.
- Oh - ele ergue o dedo indicador. - Eu não sou o seu pai, menina.
- Para mim, você é. Eu vim aqui para lhe avisar da minha viagem para o Rio de Janeiro durante as férias da faculdade.
- Não me interessa se você vai viajar ou não, Esther.
As lágrimas querem sair. Aguente, Esther, aguente.
- Não quero saber nada de você.
- Athos... eu...
- Você não cansa de ser idiota --ele levanta da cadeira e vem até mim.
Ele está à minha frente agora. Estamos olho no olho, encarando um ao outro.
- Saia da minha empresa - ordena.
- Eu já vou. Mas eu peço desculpas por tudo.
Uma lágrima escorre pelo lado direito do meu rosto. Ele me olha, impassível.
- Seu choro não me comove - balbucia.
- Perdão, pai - caio ao chão, de joelhos, suplicando. - Perdão - choro.
- Eu disse para sair! - grita.
Então decido me levantar, ainda segurando a dor de suas palavras. Ele observa meus movimentos até a grande porta de metal. Paro e olho para trás. Ele está destemido.
- Eu amo o senhor, pai.
- Mentira! - grita ao fundo da sala. - Você me traiu, eu confiei em você, confiei.
Abrace ele, abrace ele.
Uma coisa me corrói por dentro, o choro não para, não consigo contê-lo. Corro até ele e me jogo em seus abraços. Ele me pega pelo pulso brutalmente e me põe para fora da sala.
- Aqui não é palco de teatro para você fazer suas ceninhas patéticas - ele aperta meus braços, que já estão vermelhos.
- Pai - choramingo.
Ele fecha a porta do escritório na minha cara. Desabo no chão, enervada. Choro, levando os joelhos para perto dos lábios, assim, sem forças, fico um tempo no chão. Ele não está para brincadeira. Meu pai me odeia agora.
Me levanto do chão e saio. Nayara e outras assistentes do meu pai me olham caminhando até o elevador, estarrecidas. Um dia demitirei todas essas desocupadas e darei o cargo para quem merece. Aperto o botão do elevador para descer.
O carro do meu irmão está estacionado do outro lado da rua. Contemplo mais um pouco a empresa do meu pai, o prédio é grande e alto. Há repórteres na entrada, com certeza souberam de alguma novidade que está rolando lá dentro. Bem, agora só Deus sabe quando vou botar os pés aqui novamente.MINHA MÃE ESTÁ tocando piano quando chego em casa. Ela toca piano desde que tinha quinze anos, sempre gostou de fazer isso. Ela pausa ao me ver na sala, parada. Taylison desce as escadas rapidamente e me pega num abraço apertado. Ele fica feliz em me ver.
- Que bom que veio, irmã, estava com saudades - ele beija minha cabeça. Retribuo o abraço também, segurando a emoção.
- Filha! - minha mãe me pega pelo braço.
- Oi, mamãe - falo baixinho. Ela me abraça, alegre.
- Você disse que não viria, meu amor.
- Eu resolvi passar aqui para saber se vocês estão bem - avalio os dois com os olhos. Taylison sorri para mim.
- Mais ou menos - diz ele, rindo.
- É, filha, você sabe. Sente-se aqui.
Sento no grande sofá da sala. Minha mãe também. Taylison senta ao meu lado e leva as mãos em meu cabelo, acarecia fios por fios. Ele é tão carinhoso comigo.
- Como você está, querida?
- Mal.
Ela fica compreensiva.
- O seu pai é duro, frio. Não podemos fazer nada, filha. Ele manda na família.
- Mamãe, tudo bem - afago suas mãos. - Eu não sou filha dele mesmo, ele tem todo o direito de me afastar de vocês, eu não faço parte da família.
Uma lágrima ameaça a sair dos olhos dela, me contenho para não acompanhá-la.
- Não fale assim, meu amor.
- Mamãe, ele não vai mais me aceitar aqui. Por favor, entenda, eu posso me virar sozinha por aí.
Ela chora. Ah, não. Mamãe! Abraço ela carinhosamente, e seus choros desabam mais ainda.
- Eu queria que essa família fosse como era antes. Só isso. Nada mais do que isso, Marihá - sussurra em meu ouvido.
- Mamãe, se acalme - murmura Taylison, beijando a testa dela.
- Ai, meus filhos, queridos. Cadê o Érodys, o Athos? - chora amargamente. Droga! Tudo por culpa minha causa, tudo! Estraguei minha família, tenho que sair daqui para bem longe. Solto ela.
- Perdão! Perdão, mamãe! Eu não queria... - a emoção também me contamina, e choro com ela.
- Quem é o pai dessa criança, Marihá?
Taylison me olha fugazmente. Encaro minha mãe, nervosa. Será que conto? Suspiro.
- Fale - insiste ela.
Vamos lá.
- É o Dr. Leonel Blanchard.
Ela empalidece, condoída. Nossos olhares se encaram, argutos.
- O seu ex-professor?! Esther! - exclama. - Por que ele, filha? Esse homem vai...
- Ele vai se casar - interrompo. Ela leva a mão na cabeça.
- Eu não sei o que dizer - murmura, enervada. Ela olha para Taylison, incrédula. Ele dá de ombros.
- Você sabia, Taylison?
- S_sim, mamãe - gagueja ele, desaprumado.
- E por que não me contou?
- Não brigue com ele, mamãe - digo, tentando acalmá-la.
- Eu sabia desde quando ela começou a se relacionar com ele, desculpe.
- Ah, Deus! Como vai ser o futuro dessa criança? - diz ela, exasperada.
- Mamãe, vou viajar durante as férias da faculdade.
Ela me olha.
- Para onde?
- Para o Rio de Janeiro.
- O que vai fazer lá, Esther? O pai dessa criança mora no Rio.
- Eu sei. Vou para visitar a Yany, alguns amigos e a tia Estefânia.
- Ahn. Por quanto tempo?
- Pouco tempo, não se preocupe.
- Quer que o Taylison te acompanhe?
- Não vai dar, mamãe, tenho que trabalhar aqui - diz ele.
- Não precisa. Eu vou ficar bem.
Ela pega minha mão de novo, compreensiva.
- Tome cuidado - avisa.
- Pode deixar.ÉRODYS ESTÁ OUVINDO uma música que ecoa dentro do apartamento. O que está acontecendo? É raro ele ligar o som da sua casa. A música é rock, barulhenta demais. Acho que é da banda Nickelback, o nome é Lullaby. Conheço todas as músicas dessa banda. Já fui no show deles uma vez, em Nova York.
Depois de dois dias resolvendo as coisas da viagem para o Rio de Janeiro, fico pronta para partir amanhã de manhã, às seis e trinta e cinco. Tenho que colocar o alarme para tocar, não sou muito fã de acordar cedo demais. Lembro-me de Leonel, ele conseguia acordar até três horas da madrugada.
Abro a porta para entrar. A música ainda está alta demais. Não é meu irmão, com certeza. Ele odeia barulhos. Piso na sala. Uma garota vestida de preto dança exultante a música Lullaby da banda. Fico incrédula com a cena horrorosa e repugnante. Ela não tem disciplina. Vou até a mesinha do centro, pego o controle e desligo o som.
- Que isso? Quem é você, garota? - ela altera a voz, possessa.
- Quem sou eu? - aproximo, intrépida, com as mãos no bolso da calça jeans.
Ela me olha como se o demônio tivesse contaminado seu corpo inteiro.
- Eu sou a irmã do dono do apartamento.
Ela ri.
- Ah, é a irmãzinha sem graça do Érodys? - ela cruza os braços. - É melhor você ligar o som, boneca.
O quê? Solto uma risada, suspirando. Ela é muito atrevida.
- É melhor você sair daqui. Não quero som alto, este apartamento não é balada. Os vizinhos já devem estar reclamando.
- Ah, sério? Estou me lixando com eles.
- Saia daqui.
- Vem me tirar - rebate ela.
O que essa menina está pensando? Ela parte para cima de mim, me dando um tapa na cara e me jogando no sofá. Tento fugir das pancadas, mas ela é mais forte do que eu.
- Me solte, sua vaca! Eu estou grávida! - grito. Consigo revidar outro tapa na cara dela, puxo seu cabelo para todos os lados, ela também faz o mesmo com o meu. Ela sobe em cima de mim, me esmagando com seu peso.
- Ai, gorda! Saia de cima de mim.
- Gorda, é? Vou te mostra quem é gorda, Olívia Palito - ela me joga no chão, fazendo com o que eu bata a cabeça na mesinha do centro da sala.
Meu irmão entra dentro de casa e corre para me ajudar. Graças a Deus!
- O que você está fazendo, Gabi? Pare!
Ela para e olha meu irmão, como se ela fosse a vítima. Daquele jeito sabe?
- Que isso? - murmura ele incrédulo, e me pega pelo braço. - Você está bem, Esther?
Faço que sim com a cabeça, me recomponho do tombo.
- Gabi, cadê os papeis que pedi? Você veio bater na minha irmã ao em vez de trabalhar?
A garota baixa a cabeça, emudecida.
- Desculpe.
- Ela estava ouvindo rock muito alto - balbucio sem forças. Érodys me larga no sofá cuidadosamente.
- Minha irmã está grávida, sua petulante. Se acontecer alguma coisa com essa criança, eu te coloco na cadeia - ameaça. Ela olha para o meu irmão, perplexa.
- Me desculpe, Érodys, eu...
- Cale a boca! - grita ele. - Você está demitida, inútil! Saia do meu apartamento agora mesmo.
Ela sai que nem um cachorro com os rabos entre as pernas. Passo a mão na barriga, sentindo dores. Ganho a atenção do meu irmão rapidamente.
- Marihá, você está bem?
- Acho que sim.
- Quer que eu te leve para o hospital?
- Não, obrigada.
- Ah! A Gabi me paga.
- Ela é louca - balbucio.
- Só pode. Mas está tudo bem, ela está demitida por mim - ele pega o celular e disca um número.
- O que está fazendo?
- Ligando para o nosso pai.
Ele atende.
- Pai, sou eu, Érodys. Quero que demita a Gabi... Oras! Ela é muito ousada, bateu na Esther dentro do meu apartamento... isso. O quê?... Não, ela não fez. Está bem. Até logo.
- O que ele disse?
- Ele não gostou de saber, vai punir a Gabi.
Ele ainda se importa comigo. Fico feliz em sabe. Meu pai, querido, ainda se importa. Nossa, tive medo de levar um chute na barriga e machucar essa criança, a garota bate muito. Ela é muito bombada e forte, eu sou só pele e osso em sua frente. Graças a Deus não levei um arranhão grave, minha médica disse que tenho que tomar cuidado. Segundo ela, minha gravidez é de muito risco. Meu irmão chegou a tempo.
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Minha estúpida coragem
RomanceInconformada com a vida sem o prestigioso Leonel Blanchard, Esther vê seu mundo desabar ao se mudar para Porto Alegre. E nessa jornada, ela descobrirá um Leonel sem escrúpulos, possessivo além da conta e descontrolado. Esther se vê sem saída ao p...