Ela chora, chora muito.
- Athos, por favor, deixe ela.
Meu Deus! Acalme o Athos. Ele me joga com força no chão que até bato a cabeça no primeiro degrau da escada. Choro ali mesmo, no canto, sem consiguir me levantar.
- Você tem culpa, Angeliquê! - grita ele.
- Nós dois temos.
- Não, eu não, você deixou ela ir para o Rio de Janeiro mesmo sabendo que eu inibi isso.
Merda! Agora eles estão brigando por minha causa. Com dificuldades, meus irmãos me ajudam a levantar do chão.
- Pai, me perdoe.
- Cale a boca, eu nunca mais quero ouvir você me chamar de pai. Você não é minha filha.
Meu coração fica despedaçado, minha boca fica seca. Eu não acredito que ele disse isso. Ele disse isso!
- Pegue leve, meu pai - alerta Érodys.
Enxugo as lágrimas.
- Tudo bem. Eu nunca fui sua filha mesmo, se fosse para você jogar isso na minha cara, Athos Júnior, me deixasse de uma vez naquele bendito orfanato.
- Ainda por cima atrevida - ele me dá mais um tapa.
- Agora chega, pai! Eu não vou deixar você bater nela mais uma vez - branda Taylison.
- Quer levar uma surra também, moleque?
- Então vem - Taylison o enfrenta. - Vem - repete ele, convicto.
- Não, Taylison, não, por favor - pego-o pelo braço. Temos que honrar pai e mãe.
- Ah... agora meus filhos estão contra mim. Preferem ficar do lado da irmã perdida - ele aponta o dedo para mim.
- Saia da minha casa! - grita.
O quê?
- Não, Athos - apela minha mãe.
- Certo - digo. - Eu saio.
- Vai sair sem dinheiro, sem carro e sem cartão de crédito. Dê um jeito para se virar sozinha assim como deu para abrir suas pernas para sei-lá-qual-cara-das-quantas que você se relacionou. Não quero saber de você e muito menos desse bastardo que está aí dentro. Ele deve ser filho de algum moleque que só quer aproveitar a idiota que cai em sua conversinha - ele sai pela porta da frente, zangado e determinado.
Nossa! Nunca pude imaginar que ele fosse assim. Por que me adotou então? E agora? Estou na rua sem direito a nada. Ele falou tudo que pudesse me magoar.
- Mamãe, me perdoe - murmuro, subindo para o andar de cima, enquanto Taylison e Érodys me olham como se eu fosse um alienígena. Destrui minha família, destrui meu pai, querido. Eu o amo tanto, mesmo não sendo sua filha biológica. E olha lá que ele nem usou um eufemismo para: "Você não é minha filha".
Abro meu closet e vou jogando as roupas na mala, com raiva de mim. Vou ter que levar seis malas de uma vez só, são muitas roupas. Quem vai levar isso tudo para mim? Pego o telefone e disco o número do estacionamento.
- Pablo, me leve para o centro.
- Desculpe, senhorita, mas o seu pai deu ordens para que eu não fizesse isso. Se eu não obedecer, vou ser demitido.
- Está bem - desligo, sento numa cadeira de rodinhas, me sentido totalmente enervada.
Como ele pôde? Meu Deus, o Athos me odeia, é o fim. Como vou carregar essas malas? Estão todas pesadas. Alguém bate à porta, pegando-me de surpresa. Digo para entrar. É Érodys. Olho para as minhas mãos pousadas em meu colo.
- Onde vai ficar?
- Não sei, por aí.
- Tem certeza de que está grávida?
- Tenho. Desde janeiro.
Érodys passa a mão na cabeça. Olho para ele.
- Eu estou muito decepcionado com você. Nunca pensei que...
- Chega - interrompo-o, caindo no choro. Ele para e me fita, incrédulo.
- O seu pai já disse tudo que pudesse me magoar, então, eu não quero mais ouvir sermões.
- Desculpe, você tem razão.
Levanto-me da cadeira e pego uma mala de rodinhas e outra de mão.
- Acho que vou ficar num hotel.
- Qual?
- Pensei em Sheraton Porto Alegre.
- Eu posso te levar lá.
- É melhor você ficar aqui.
- Marihá, o Athos pode até mandar em você, mas em mim não. Não moro com ele para receber ordens.
Um sorriso insólito sob meus choros percorre minha face. Esqueci que ele não mora com os pais.
- Você pode ficar na minha casa, esqueça o hotel. Vem, eu te levo.
- Obrigada - abraço-o.
- Vai ficar tudo bem, Marihá - murmura.
- Eu espero.
Pego as malas de mão e Érodys pega às de rodinhas. Olho para o meu lindo quarto antes de sair. Adeus! Acho que nunca mais vou pôr os pés nesta casa.
Descemos. Vou em direção à porta da frente com Érodys logo atrás de mim. Caminho sobre o piso branco glacial, cabisbaixa e enervada.
- Filha! - grita minha mãe do corredor, enquanto Érodys e eu entramos no elevador da casa.
Olho para trás. Ela chora ao lado de Taylison.
- Filha, por favor, não vá.
- O seu marido... - meu coração acelera -... fez a coisa certa. Ele tem razão, eu não sou a filha de vocês, nunca fui, Angeliquê.
Ela chora mais ainda.
- Não fale assim, querida.
- Tchau, Sra. Winkler, diga ao Athos Júnior que eu nunca mais vou pôr os pés nesta casa.
- Filha - exclama.
A porta do elevador se fecha e nem um adeus sai da minha boca para a minha mãe.
Entramos direto para a garagem onde ficam os carros da família. Olho para a minha Mercedez branca - nunca mais irei dirigí-la..
- Eu compro outro para você - diz Érodys, me despertando dos pensamentos.
- Eu adoro essa Mercedez.
Entro no carro e Érodys dá a partida, saímos da rua Marquês do Herval, que fica dentro do bairro Moinhos de Vento. Nos distanciamos cada vez mais da casa, pensando que escolhi um péssimo dia para revelar minha gravidez. As avenidas de Porto Alegre já não estão tão alegres, a capital está lenta, assim como eu.
Passamos pelo centro da cidade. Olho para o retrovisor.
- Está com frio? - pergunta meu irmão.
Faço que sim com a cabeça. Ele se desvencilha do terno cinza e me entrega.
- Tome.
- Obrigada. Sabe, Érodys? Sinto como se eu nunca fosse uma Winkler. Não faço mais parte dessa família.
- Não fale assim, Marihá. Com o tempo o papai vai te perdoar.
- Eu queria ir na empresa dele amanhã.
- Fazer o quê?
- Conversar, semana que vem vou para o Rio de Janeiro.
- Tem dinheiro para isso?
- Só um pouco.
- Quantos?
- Uns três mil reais.
- Tem certeza de que vai viajar só com isso?
- Tenho.
- É muito pouco. Vou te dar mais dinheiro. O que vai fazer no Rio de Janeiro?
- Visitar a Yany.
- Ela terminou com o Taylison, não é?
- Acho que sim, vou conversar com ela sobre isso.
Dou uma fugada no nariz.
Está frio mesmo em Porto Alegre. Nossa!
Érodys para o carro na garagem de sua casa e desliga o motor de sua BMW.
- Marihá, não viajarei com você porque tenho coisas pendentes na empresa.
- Tudo bem. Eu vou sozinha.
Ele sorri, mas vejo que não está contente, seu sorriso é apático.
Saímos do carro, pegamos as malas e subimos para o apartamento, no sétimo andar. O elevador para e duas mulheres saem.
- Bom dia, Érodys - diz a morena de cabelo curto, magra e sorridente.
- Bom dia - meu irmão responde de um jeito seco e impassível.
- Bom dia para você também, Érodys - diz a outra morena, mas de cabelo bem longo, bonita e chique.
- Bom dia.
Entramos no elevador, Érodys aperta o primeiro botão e ele sobe. Olho para mim no reflexo da parede. Meu rosto está vermelho com a marca da mão de Athos. Isso vai ficar rocho. Droga! O celular de Érodys toca, nem dou importância quando vejo a foto de Athos na tela, continuo me olhando na parede metálica à minha frente. Érodys desliga depois de uns dois minutos. Levo a mão no ventre carinhosamente. O elevador para no sétimo andar.
- Vamos - diz ele, saindo do elevador. Ele abre a porta do número 161. Entramos com as malas.
- Trouxe todas as suas roupas?
- Sim. Ah... esqueci uma coisa lá em casa.
- O quê?
- É um lustre de vidro. - Aquele que ganhei de Leonel.
- Eu vou sair para comprar comida e passarei lá. Tem três quartos aqui, escolha o que achar melhor - ele se retira.
- Érodys! - grito, ele vira e me olha.
- Diga.
- Eu não vou ficar por muito tempo. Está bem?
- Marihá, você é minha irmã. Pode morar aqui o tempo que for preciso. Conversaremos quando eu voltar. Tranque a porta, o vizinho do lado adora jogar uma cantando nas mulheres.
Rio, o primeiro sorriso que dou desde que acordei.
- Sério?
- Sério - ele sai pela porta.
É impressionante como Érodys ainda está solteiro, ele tem tudo que uma mulher precisa. Meu irmão é um verdadeiro pedaço de mau caminho, acho que vou dar um empurrão para ele desencalhar. Como pode um partidão desses estar solteiro?
É porque ele anda ocupado demais.
Eu adoraria saber o que Leonel está fazendo agora. Será que está paparicando a noiva? Queria tanto estar em seus braços, lá eu me sinto protegida. Por que você vai se casar, meu amor? Meu celular toca dentro da bolsa, me tirando dos pensamentos absorto. É a Maryelli. O que ela quer?
- Oi.
- Oi, Esther - grita de felicidades.
- Nossa, você está muito alegre, Maryelli.
- Ai, amiga, estou com saudades - murmura com a voz meio tristonha.
- Eu também estou. Mas e aí? Como vão as coisas?
- Ah, agora que meu irmão vai se casar tudo está chato. A noivinha dele não gosta de mim porque sou muito grudada a ele.
Nossa, que petulância querer separar dois irmãos.
- Ah, que pena. E o seu irmão gosta dela?
- Não. Ele disse que vai se casar porque não aguenta mais pensar em você.
O quê?
- Mas o Leonel não gosta de mim.
Ela bufa no telefone.
- Ah, Esther, você não sabe das coisas que meu irmão, Leonel Blanchard, fala sobre você.
Abro um sorriso de orelha a orelha. Ele fala de mim.
- Esther, vem visitar a gente um dia.
- Vou para o Rio no sábado.
- Ah, é?
- É. Vou ficar na casa da Yany.
- Ah... pede para o meu pai deixar a gente ir no shopping quando você vier.
Sorrio. Pedir? Por que ele deixaria a filha sair comigo?
- Ele não vai deixar, ainda mais se souber que eu estou grá... - gaguejo. Puta que pariu. Quase...
- Está o quê?
- Nada, Mary.
- Você falou grá... e depois ficou quieta. É o que estou pensando, Esther?
- Eu não sei o que você está pensando.
- Grá de grávida? - ela desconfia. Meu coro cabeludo começar a coçar.
- Não!
- É sim. Fale - insiste com a voz alta. Droga! Fale logo.
- Mary, desculpe - começo a chorar.
- Esther, esse filho é do meu irmão?
Emudeço. Fale.
- É - minha voz some. As lágrimas não param.
- Ah, Esther, meu irmão vai se casar e você vai ficar sozinha.
- Você usou um bom argumento para isso. Estou sozinha, meu pai me expulsou de casa. Não tenho mais dinheiro e nem carro. Ele disse a pior coisa que uma adotada pode ouvir.
Ela respira no telefone pesadamente.
- Não chore, Esther. O Leonel tem que saber antes que ele cometa uma loucura.
- Leonel já sabe que estou grávida, mas não sabe que o filho é dele.
- Eu vou contar tudo para ele, Esther, não adianta implorar.
- Não, Mary, falarei quando puder. Deixe tudo comigo.
- Não adianta enganar meu irmão, ele é médico. Você sabe como é a peça.
Respiro.
- Entendi. Vou contar.
Vai nada.
- Se não fizer isso, eu mesma farei.
- Está bem. Tchau.
- Tchau.
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Minha estúpida coragem
RomanceInconformada com a vida sem o prestigioso Leonel Blanchard, Esther vê seu mundo desabar ao se mudar para Porto Alegre. E nessa jornada, ela descobrirá um Leonel sem escrúpulos, possessivo além da conta e descontrolado. Esther se vê sem saída ao p...