Seis dias depois

4K 240 6
                                    

20:00 PM

   Meus pés afundam na areia à medida que caminho conversando com Yany, ela conta algumas coisas que esqueceu de me dizer ano passado. É noite e só há oito pessoas caminhando descalços na areia. Estou triste por não estar com Leonel neste momento, magoada por ele não me ligar até agora e desapontada em saber que ele abriu mesmo mão de mim.
   Você quis assim.
   Ultimamente me sinto tão carente, sentindo a falta dele. Isso dói muito, só quem ama sabe. Droga, Esther, você disse que ia superar, aguente firme. Até quando? Parece não ter fim esse suplício.
   Yany e eu nos sentamos em um dos bancos da praça de namorados, onde eu estava há três meses atrás. Aqui é lindo, cheio de gramas, luzes que iluminam a praça, bancos e mesas de cimento em formato de coração. Quem será o autor tão perspicaz que fez essa obra? O brasileiro é mesmo inteligente. Bebemos um vinho branco barato que compramos em uma tenda perto da praia.
— Aqui é lindo, não é? — diz Yany.
— É.
— Gosto desse lugar.
   Sorrio para ela. Aproveite, Yany, porque você tem namorado e eu não. Estou solteira há seis dias, Leonel resolveu me deixar, ou não... Às vezes sinto que estou sendo perseguida. Estou até vendo coisas esquisitas, como ontem, por exemplo, eu estava na cama quando senti o janelão da varanda sendo aberto. Eu fiquei assustada, fui logo para o quarto de Yany com tanto medo. Deve ser minha intuição.
— No que está pensando, Esther? — Yany balança a cabeça para encontrar meu olhar.
— Ah, eu...
— Em Leonel, acertei?
   Como ela faz isso?
Sim.
   Ela pega minha mão sobre a mesa.
— Amiga, o médico disse que esse é o único jeito dele se curar. Aguente mais um pouco.
   Ai, meu Deus. Fecho os olhos, depois abro de novo. Quero chorar.
— Até quando?
— Até ele se curar, acho que não vai demorar.
— Claro que vai, Yany. Já se passaram seis dias que não nos falamos.
— Seis dias não é nada, calma.
— Para mim, é uma eternidade.
— Tem gente que ama, mas do outro lado do Brasil. A distância não é problema. Vocês só estão há seis dias sem se vêem.
   Ela tem razão.
— Olhe para mim, seu irmão mora em Porto Alegre e eu no Rio de Janeiro, estamos há mais de dois meses sem nos ver. Eu sinto a falta dele, sim, mas a distância não nos impede de ficar juntos.
   Faço cara de quem está magoada.
— Nossa, Yany, me desculpe, eu sou uma egoísta. Nunca parei para pensar nisso.
   Estou me sentindo péssima. Agora caiu a ficha: ela está com problemas e eu aqui só falando de mim. Você é uma droga de amiga, Esther. Yany dá um sorriso sardônico e isso me corta ao meio.
— Me desculpe — peço de novo, apertando a mão dela.
— Tudo bem, Esther — diz baixinho.
— Yany, chega de falar de mim, agora quero saber de você.
   Ela suspira fundo, demonstrando que tem coisas para contar.
— O seu irmão quer ser pai.
   Meu queixo cai, fico incrédula. Meu irmão quer ser pai tão cedo? Já? Por quê?
— É assim que fiquei quando ele me contou — diz ela, observando-me.
— Mas... O que deu no Taylison?
— Não sei. Eu disse a ele que está muito cedo, ainda tenho mais um ano na Faculdade de Medicina.
— E você está disposta à fazer isso?
— Mais ou menos. Precisamos nos casar para ter filhos, mas Taylison não quer nem saber de esperar.
   O quê?
Ele pirou.
— Com certeza. Você não acha que está muito cedo? — indaga.
— Claro, além do mais você tem vinte e dois anos. Deixe essa história para mais tarde, no futuro.
— E se ele terminar comigo?
— Não vai, não. Vou conversar com ele quando eu chegar em Porto Alegre.
   Minha viagem acontece amanhã de manhã e não posso me atrasar.
— Obrigada, Esther.
— Por que não viaja comigo?
   Ela faz uma careta.
— Melhor não.
— Vamos, por favor.
— Não comprei minha passagem.
— Você pode comprar agora, para amanhã às sete da manhã.
   Ela emudece, mas eu insisto, com cara de inocente:
— Por favor.
— Ah! Tudo bem.

   ARRUMO ALGUMAS coisas na mala para a minha viagem. Decido não levar muita roupa porque já tenho lá. Estou em meu quarto ouvindo uma música de Demi Lovato no fone de ouvido. Eu danço em volta da cama, a música é envolvente demais para ficar parado. Meu computador está em cima da cama, ligado e meu chat amostra. Estou esperando alguém me chamar para conversar. Paro de dançar e vou saltitando no notebook a fim de saber quem está online. Meu coro cabeludo coça ao ver Leonel online, mas desanimo ao ver o horário — há quatro minutos atrás. Ele estava no chat. Que droga!
   De repente, um vento fortíssimo toma as cortinas do janelão da varanda, eu me arrepio toda. Que merda é essa? Olho para todos os cantos do quarto e percebo um clima pesado.
   Ai, Deus! O que está acontecendo?
   As cortinas estão escancaradas, droga. O medo toma conta de mim, mas determino ir à varanda para ver se há alguém ali. Será que a casa de Yany é assombrada? Não pode ser. Me aproximo até sentir o ar do lado de fora invadir minha pele. Que frio! Vejo um bilhete jogado bem no meio do piso glacial da varanda. O que é isso? Encaro o papel no chão totalmente incrédula. Como isso foi parar aí? Pego o bilhete e abro para ler.

           *Você vai me pagar caro. Estou sempre de olho em você, Esther Winkler. Não é essa viagem para Porto Alegre que vai me impedir de te vigiar. Cuidado*.

   Não, não. Releio de novo. Não! Estão me ameaçando. Mas por quê? O que eu fiz? Quem é essa pessoa? Corro para o andar debaixo, vou mostrar isso a Yany. Eu sabia que estava sendo persequida, meu Deus do céu. Corro o mais rápido que posso. Encontro ela tomando cerveja e conversando ao telefone com alguém. As palavras que estão no bilhete foram cortadas de revistas e jornais.
— Yany.
   Ela ergue a palma da mão como quem diz: “Espere aí”.
— Mande amanhã, na casa da minha mãe. Ok. Obrigada.
   Ela desliga. E eu me desespero ao mostrar o bilhete.
— Onde você encontrou isso? — ela fica pasma.
— Na varanda, quando um vento forte bateu lá em cima.
   Yany me encara quase rindo.
— Esther, você está louca? Não bateu vento nenhum aqui.
   O quê? Como assim? Abro a boca e fecho, não acreditando.
— Bateu, eu tenho certeza.
— Você está bem? — ela me avalia.
— Estou. Yany... É... Droga! Você não vai acreditar em mim.
— Você tem que levar isso à polícia hoje mesmo, Esther.
— Agora?
— Agora, neste momento. Ainda são nove e meia da noite. O destacamento da Força Tática Brasileira fica a duas quadras daqui.
— Yany, estou apavorada. Alguém quer me matar.
— Ou só te dar um medo. Muita gente faz isso hoje em dia. Vamos, eu te levo lá. Pegue sua bolsa e documentos.

   SAIO DO CARRO quando Yany estaciona em frente à delegacia. O destacamento é um prédio todo preto, de dois andares. À frente está escrito, com letras de vidro fumê: Força Tática Brasileira. O prédio é bonito. Passamos pela porta de vidro e Yany vai direto falar com um rapaz que fica no balcão da entrada da delegacia. Ele deve ser o moço que anota as denúncias, e tem mais gente no balcão, além dele.
— Boa noite, senhoritas.
— Boa noite. Viemos fazer uma denúncia e falar com um detetive — Yany toma a frente por mim.
— Bom, temos quatro detetives, mas eles não estão aqui, mas a senhorita pode falar com o delegado.
— Perfeito. Onde ele está?
— Primeiro preciso saber do que se trata a denúncia.
— Algum maníaco está perseguindo a minha amiga.
   Puxando meu braço, ela me faz aproximar do balcão. Eu fico envergonhada com o olhar do rapaz cabelo vermelho-laranja igual ao meu. Ele se parece comigo. Descarto esse pensamento impertinente. Ele está me encarado intrigado.
— Conte que vou anotar no computador, senhorita...?
— Esther Winkler.
— Ótimo. Comece.
   O rapaz se prepara para digitar no computador, então, começo a falar e ele vai digitando rapidamente sem tirar os olhos do monitor. Quando termino, ele saca o telefone.
— Sr. Blanchard.
   O quê? Blanchard? Não pode ser, o pai do Leonel trabalha aqui. Olho para Yany, desesperada, engolindo em seco o que o rapaz vai conversando ao telefone. Yany me puxa para o lado.
— Relaxe, o Bryan é legal.
   Ao abrir a boca para dizer algo, o rapaz nos chama.
— Estão liberadas.
— Obrigada — diz Yany.
— No andar de cima, corredor um, sala 12 — informa ele, dando um sorriso com formalidade.
— Obrigada — eu falo.

Minha estúpida coragemOnde histórias criam vida. Descubra agora