Capítulo 18

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   O dia amanheceu nublado, está até um pouco frio, é como se o sol não viesse mais o dia inteiro, mas ele vem, eu tenho certeza. Ainda é cedo, são seis e trinta e quatro da manhã. Como é bom acordar. Obrigada, Deus! Contemplo a grande janela do quarto da boate, com o corpo dolorido e com a cabeça encostada na borda da janela, as mãos atadas no bolso da calça jeans. O Rio de Janeiro é lindo, penso comigo.
   O celular de Leonel toca e ele acorda na hora, pega o celular e atende sem olhar quem é. Seu cabelo está todo bagunçado, suas costas um pouco arranhada. Tão lindo, tão meu.
   Não se iluda, Esther, ele não quer mais nada com você.
   Ele posa o cotovelo no joelho e atende, ainda nu por entre o lençol branco da cama.
— Agende para semana que vem, por favor.
   Que voz linda, ele é muito educado, apesar de ser ríspido.
— É. Eu disse ao Marco que não funciona aquela droga de medidor. Compre outro também. Tudo bem, até logo.
   Ele desliga, depois se levanta da cama e veste as roupas. Fico só observando. Ele vai até o banheiro, passa água no rosto, checa mais uma vez o celular e finalmente amarra o cadarço do sapato. Parece que vamos embora. Ele fica em silencio, mesmo sabendo que eu estou aqui.
— Bom dia — digo baixinho ao me sentar ao lado dele na cama.
— Bom dia para quem?
   Nossa.
— Ah! Só estou lhe dando um bom dia.
   Observo sua barba. Eu senti esses pelos nas minhas partes íntimas, que delicia. Ele é tão bom no sexo, soube usar essa barba em mim direitinho.
— Vou te levar para a casa.
— Eu vim de carro — digo.
— Hum.
   Ele vai até o espelho do banheiro para arrumar uma gravata preta e fina no pescoço.
— Como foi que o Derick soube de você? — diz ele do banheiro.
— Pela internet, eu acho.
— Sei... E como ele te avaliou quando chegou aqui?
   Droga! Será que falo, bom, não devo mentir, aliás, não quero.
— Eu só tirei a roupa para ele.
— O quê?
   Leonel sai do banheiro rápido e sério, observo as linhas das minhas mãos para não encará-lo.
— E você ainda tem piedade de um sujeito desses? Oras, Esther! Ele vai ter o que merece, ah, se vai.
— Não faça nada com ele, Leonel. O Derick me tratou bem, foi educado, gentil...
— Você não sabe do que os homens são capazes, Esther. Ele quer você, assim como Edward e aqueles seus amiguinhos.
— Não tem cabimento uma coisa dessas — me levanto da cama totalmente ofendida.
— Ah, não? Vou colocar esse indivíduo no olho da rua hoje mesmo — fala ele baixinho.
— Por quê?
— Porque ele quer você, e você é minha, não dele. Entendeu?
— Eu não sou de ninguém, Leonel Blanchard.
   Isso é para doer, filho da mãe. Ele me olha, muito sério e zangado.
— Eu posso destruir qualquer homem que chegar perto de você, qualquer um, ai de quem se atrever. O Edward ainda vai me pagar. Não brinque comigo, Esther — ameaça.
— Será possível que você não pode controlar esse ciúme uma vez na vida?
— Não! É impossível com você, garota.
   Garota? Agora ele fala que nem quando falava na sala de aula com algumas alunas petulantes.
— Vamos embora agora mesmo — Leonel resmunga, de mau humor.
   Pegando o celular e uma pulseira de cima da cômoda, ele agarra minha mão bem forte e saímos do quarto.
— Não olhe para ninguém que passar por aqui.
— Você não manda em mim, doutorzinho — rebato. Minha mão é esmagada pela dele. Dou um gritinho de dor. Doeu!

08:21 AM

   ABRO A PORTA DE CASA bem devagar para Yany não notar que cheguei, piso no azulejo glacial na ponta dos pés. Isso me lembra uma vez que sai de casa escondida com os meus irmãos. Foi engraçado.

                      ~♪~

— Não pisa aí, seu bobão — dizia Érodys para Taylison, que subia as escadas de madeira de uma casa antiga da família Winkler.
— A mamãe vai matar a gente — eu dizia um pouco com medo, mas em divertimento.
— Ah, se vai... Bebemos demais — Taylison ria.
   Nossa mãe havia aparecido na sala de star de uma hora para outra, e tivemos que esconder: Érodys me jogou dentro de um cesto enorme de lixo que estava parado na lareira, Taylison atrás das escadas e Érodys agachado sob o sofá.
   A mamãe olhava os cantos da casa, mas não encontrava nada de surpreendente, então saiu de lá convicta de que não era nada demais. Saímos um de cada vez dos esconderijos rindo como bobos alegres.
— Pa-ra-tu-do, ela não percebeu nada.
— Quem fez barulho?
— Não fui eu — eu dizia inocentemente a Érodys. Davamos gargalhadas juntos.
— Eu, confesso. Esbarrei sem querer naquele cesto de lixo ali, onde você jogou a Esther.
   Taylison ria sem parar.
— Eu não sou lixo, viu?
— Foi mal, irmãzinha.
                    
                       ~♪~

   Paro o que estava fazendo só para relembrar os velhos momentos que eu tinha quando nós três dávamos uma escapadinha dos nossos pais.
   Àquela noite foi divertida, estávamos vindo de um show em 2008 quando eu tinha quinze anos de idade, a primeira vez em que coloquei álcool na boca. Se o arrependimento matasse... Era show de uma banda cujo nome eu esqueci. Estávamos bêbados, bizarros e loucos. Érodys era o responsável — levou a culpa no dia seguinte por ser o mais velho da casa.
— Esther — Yany desse as escadas olhando para mim. Estou parada com os olhos lacrimejantes.
— Bom dia, Yany.
— Bom dia. O que foi, amiga?
   Que bom que ela percebeu o meu estado. Quando estou triste, gosto que pessoas me notam. Ela me puxa para o sofá.
— Por que dormiu fora?
— Porque... Eu... tive um imprevisto.
— Não minta — ela me encara como se fosse a minha mãe.
— Transei com ele, Yany — falo rápido.
— Ah, não! Não acredito. Com ele? O dout...
— É, ele.
— Meu Deus! Depois de tudo que eu te falei, você ainda foi...
— Fácil — complemento. — Eu sei, como sempre em relação à Leonel.
— E como foi? Bom ou ruim.
   Nossa, não é a minha primeira vez. Tenho vontade de falar isso a ela.
— Você sabe como o Leonel é.
— Não sei, não. Nunca transei com ele.
— Ah, foi bruto comigo.
— Nem um pouco carinhoso?
— Nem um pouco — falo baixinho.
— Amiga — ela me abraça ao ver minhas lágrimas escorrerem pela minha face.
— Por que será que ele ficou tão obsessivo, Yany?
— Talvez seja porque ele sofreu na sua ausência, ou...
— Ele me mandou embora. Foi culpa dele.
— Não chore. Vou preparar um chá para você.
   Ela se desvencilha de mim indo em direção à cozinha. Enxugo as lágrimas, que eu acho que não vai mais cair.
— O que ele fez contigo durante todo esse tempo?
— Me torturou dentro da boate. Me prendeu em uma roleta e começou a lança punhais sobre a madeira, tudo só para me deixar com medo.
— Nossa, Esther, agora não tenho dúvidas de que ele é louco. E é obssecado por você. Isso não é amor.
— Talvez seja, ele confessou uma coisa?
— O quê?
— Que me ama.
   Ouço uma xícara se estatelar no chão.
— Yany — nem olho.
— Desculpe — grita da cozinha. — Me empolguei. Então, o canalha ama você?
— Ama.
— Não, não, isso aí é obsessão.
—Aquela boate é dele também.
— Para tudo! — Yany vem saltitando com as xícaras de chás nas mãos, ela me entrega uma.
— E o Derick?
— Foi demitido na hora.
— Coitadinho, mas esse Leonel é um filho da puta mesmo.
— O Derick só estava cuidando de tudo na ausência do patrão. Eu o entendo.
— Como é que ficou o seu emprego?
— O Leonel não vai me deixar trabalhar naquela boate.
— Ufa! — ela respira pondo a mão no peito.
— Ele disse que lá não é o meu lugar.
— Ah, nessa parte eu concordo com ele. Aquela boate é de mulheres que precisam trabalhar... err... como vou dizer...?
— Prostitutas, Yany.
— Isso mesmo. Você não é dessa laia. Pare e pense. Não precisa trabalhar dessa maneira.
— Não há mais saída. Deus, eu tenho que trabalhar. Como vamos viver?
— Eu faço tudo sozinha, amiga.
— Eu não me conformo, Yany.
   De repente, surge uma ideia na minha cachola, mas não vou dizer nada para Yany, com certeza ela não vai concordar comigo. Posso fazer isso amanhã mesmo. Levanto-me do sofá.
— Aonde vai, Esther?
— Para o quarto, se me der licença.
— Toda. Ah... vou trabalhar agora mesmo, não abra a porta para estranhos.
— Ahã.

  

Minha estúpida coragemOnde histórias criam vida. Descubra agora