Quatro dias depois eu finalmente acordo um pouco melhor. Os dias em coma foram péssimos, tentei várias vezes acordar, mas não conseguia. Quase morri. Eu estava em estado grave, tive mais de três paradas cardíacas, acho. Leonel ainda deve ser o médico responsável por mim.
Ah, não. É só falar dele que ele aparece. Meu coração vai à mil, minhas mãos ficam gélidas. O pai do meu filho é lindo demais. Ele usa calça jeans preta, camisa branca, paletó de terno cinza e jaleco branco por cima da roupa. Nossa, a barba, o cavanhaque e o bigode dele é sexy. Ai! Como eu queria que ele me chupasse com essa barba por fazer. Deve ser tão gostoso senti-lo ali. Que isso, garota?
— Bom dia — diz ele, me tirando dos devaneios. Seu bom humor está estampado em sua face. Graças a Deus! Mas ele esconde algo por baixo dessa felicidade.
— Bom dia — respondo com a voz rouca. Mexo nos cabelos, mas me canso rapidamente. Sinto meus braços finos demais.
— Ai — gemo. Leonel põe as duas mãos na barreira da cama, ele me fita, amável.
— O que está doendo?
— Minha cabeça. Estou fraca.
— Já lhe trouxeram um espelho?
O quê?
— Espelho? Para quê?
Ele saca um espelho pequeno do jaleco, o objeto é quadrado e tem bordas pretas. Parece um pequeno aparelho celular. Pego o objeto nas mãos. Respiro.
— Meu Deus! — falo num suspiro. Fico incrédula diante da imagem. Estou seca e magra demais. Leonel me fita sem falar nada.
— O que aconteceu comigo?
Ele dá de ombros.
— Os remédios que estava tomando emagrecia. Você está fraca e não vai aguentar caminhar muito, mas precisamos sair desse quarto — murmura ele todo apreensivo.
— Como?
— Eu vou ajudar você. Vamos para o jardim respirar ar fresco.
— Agora?
— Sim.
Ah, nossa, ele vai tocar em mim. Acho que faz uns sete dias que eu não o sinto. Ele anda tão distante esses últimos dias. Quero aproveitar esse momento para tocá-lo em todos os lugares (nem todos). Ele me pega nos braços abruptamente. Eu estou fraca mesmo. Caminhos pelo corredor grande até a porta dos fundos.
Poso a cabeça sobre seu peito e levo a mão em seu jaleco. Ele hesita.
— O que foi?
— Não toque em mim, Srta. Winkler.
— Por quê?
— Porque estou zangado com você, e muito.
— O que eu fiz?
Paramos em frente a um banquinho pintado de braco. Ele é de madeira. Há uma pequena lagoa à frente do círculo onde fica uma árvore cheia de flores amarelas. A paisagem é linda. Leonel me deixa sentada no banco. Ajoelhando-se diante de mim, ele pega minha coxa.
Ah, que cheiro bom. Ele é mesmo um homem vaidoso, cheira tão bem. O jaleco que está usando o deixa mais lindo e sexy. Ele me olha mal-humorado.
— O que foi? — pergunto.
— Você está muito magra.
Olho para mim e depois volto a atenção para ele.
— É.
— Você sofre de anorexia nervosa. Eu estou fazendo o possível para te ver melhor, mas preciso que você se esforce também.
— Está bem. Cadê minha família?
— Eles vieram agora a pouco, antes de você acordar. Foram para casa descansar, Esther.
— Ah.
Ele se aglomera no banco junto a mim, mas não me toca. Ficamos contemplando a pequena lagoa, emudecidos.
— O que o Edward Drummond quer com você?
Enrubesço.
— Ele disse que quer ser o pai do nosso filho.
Ele dá uma gargalhada. Franzo as sobrancelhas sem entender.
— Esse cara é muito ousado. Você perdeu o bebê no acidente, Esther — ele nota meu espanto.
O sangue lateja em minha veia. Não posso acreditar que perdi essa criança. Não é possível, Leonel parece relaxado e nem um pouco preocupado.
— Você não está comovido?
— Estou.
— Pois não parece. Nós dois perdemos essa criança, Leonel.
— Eu sei. Você é a culpada.
Como é que é? Um cara desgovernado bate de frente com o carro e eu sou a culpada?
— O quê? Um carro desgovernado me pega de surpresa e eu sou a culpada? — falo com ar de incredulidade. Ele me fita, impassível.
— Se tivesse obedecido seu irmão mais velho isso não teria acontecido. Você sempre é assim, rebelde, desobediente. Acha que eu não conheço esse seu lado de menina mimada? Realmente, Esther, você é inacreditável. Sua gravidez era de risco, essa criança ia nascer com problemas de pulmão e coração. Você não se cuidou nos primeiros meses de gravidez.
Nossa! Coitadinho dele ou dela, não sei. Neste momento eu adoraria ter esse bebê em meus braços. Quem sabe eu ia ser mais feliz?
— Eu queria... — emudeço, pois o choro me atormenta.
— Eu sei. Mas eu não estava preparado para ser pai tão cedo. Só tenho vinte e oito anos, e você dezoito. Ainda é uma adolescente. Começamos errado, Esther. Eu deveria me envolver...
— Com uma mulher mais experiente? — interrompo-o. Ele me olha e baixa a cabeça, estarrecido.
— Com todos os alunos, para dar o melhor de mim como cirurgião geral.
— Você se arrepende de se envolver comigo?
— Uma hora sim, outra hora não. A relação que tivemos foi errada. Você caiu do galho seco e se machucou. Me desculpe por isso.
— Pelo o quê?
— Por fazer você acreditar em mim e depois...
— Leonel, você está com algum problema?
Ele franze as sobrancelhas.
— Todo nós temos.
— Quero saber o seu.
— Tenho. Alguns... você não vai entender, vai achar que estou maluco.
— Não, conte — toco as costas de sua mão.
Ele pega meus dedos carinhosamente. Uma música surge eloquente no alto-falante do corredor do hospital. É intervalo dos pacientes que fazem terapia e psiquiatria. A música se chama Litle Things da banda One Direction. É linda e minimiza a tensão dos pacientes no hospital.
— Conte, por favor — insisto com a voz meiga. Ele hesita.
— Eu... — ele passa as mãos na nuca e volta a me encarar — sou possesso, não consigo me controlar quando as sombras negras me atormentam.
O quê? Sombras negras? Ele é perseguido por sombras de demônios? Não acredito. Será que isso é possível? Minha reação é de horror.
— De onde vem essas sombras?
— Não faço ideia. Elas me atormentam quase todos os dias, principalmente, quando eu estava sob o domínio da Jaqui.
— E agora vai estar em novas mãos. Não se preocupe.
Minha garganta dá um nó. É triste dizer isso, mas quando se ama... Continuo:
— Vai ser feliz. Parabéns, você tem uma esposa muito bonita.
— Eu desisti do casamento quando soube que você estava morrendo no hospital. Eu entrei em desespero profundo. Queria você ao meu lado àquela hora do acidente. Esther, não vou me casar sem amor.
Meu coração se enche de esperanças à medida que ele continua falando. Mas ele parece triste. Acho que gosta dela.
— Eu não gosto dela.
Nossa! Ele acabou de ler meus pensamentos. Ajeito-me no banco desconfortavelmente.
— Fizeram amor alguma vez?
— Só uma vez.
— Foi bom? Tipo: como você queria.
— Não.
— E por que fizeram isso?
— Porque eu a quis para matar meus desejos carnais, mas me arrependo.
— Como você fez comigo — rebato. Ele me olha.
— Me desculpe, eu te submeti a fazer coisas desagradáveis em minha cama. Às vezes eu saio do controle, prometo fazer amor e depois... — ele pausa para suspirar. — ...castigo sem piedade.
— Você não é sádico.
— Eu sei. Tem uma coisa que me atormenta quando transo com as mulheres. Essa coisa me faz virar um bruto total, que machuca. Você é à prova disso. Desculpe por te machucar muitas vezes.
Ai, céus! Eu não consigo falar vendo esse homem na minha frente, olho no olho. Ele é tão... tão lindo. Sua pele é acetinada, sua barba é perfeita, seu corpo é robusto, sexy, ele cheira bem. O cabelo dele é preto num corte tipo social, uma franja lisa e bagunçada no topo da cabeça.
— Desculpe. Não pude salvar nosso filho, Esther. Entre você e ele ou ela, escolhi você no processo da cirurgia.
— Ah.
Nossa, ei ia bater as botas mesmo. Acho que era àquela hora em que vi uma sombra negra ao pé da cama, me vigiando, esquentando minhas mãos igual a um fogo. Leonel se levanta da cadeira, ele me pega de novo no colo.
— O que vai fazer?
— Vou te levar de novo para o quarto.
Caminhamos pelo corredor. A música da banda One Direction termina. Entramos no quarto. Leonel me coloca na cama com cautela. Ele me cobre com os lençóis e saca uma seringa do bolso do jaleco branco.
— O que você fazer com essa seringa?
— Aplicar em você.
Ah, não...
— Por favor, não.
— Esther, isto aqui é um sedativo. Você vai dormir daqui a pouco.
Ele injeta a injeção de uma maneira perspicaz. Deve estar tentando me impressionar e está conseguindo, ele trabalha tão bem, até agora não o vi dando um sorrisinho se quer.
— Durma, Esther.
Ouço ele sussurrar em meu ouvido.
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Minha estúpida coragem
RomanceInconformada com a vida sem o prestigioso Leonel Blanchard, Esther vê seu mundo desabar ao se mudar para Porto Alegre. E nessa jornada, ela descobrirá um Leonel sem escrúpulos, possessivo além da conta e descontrolado. Esther se vê sem saída ao p...