Capítulo 02

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Leonel, não vá, fique, por favor. Ele se foi... No caminho bate o carro num caminhão. Não, não, não!

16:19 PM

Acordo ofegante e assustada. Leonel está sentado na minha poltrona de riscas marrom. Não acredito, ele veio, depois de tanto tempo. O pesadelo... Ufa! Era só um pesadelo ruim. Olho para ele, trêmula. Leonel está sério e impassível, e lindo com barba, nunca o vi com barba antes, parece até mais velho e responsável. Que horas são?
- Oi.
É só que eu consigo dizer.
- Oi - diz ele num tom de voz seco.
- Que horas são?
Ele vira o braço e olha o relógio.
- São quatro e vinte - ele volta à cruzar as mãos à frente da boca.
- Dormi todo esse tempo?
- E você nem almoçou. É impressionante como você ainda continua com essa magreza insuportável. Chame alguém para trazer algo para você comer.
- Não quero nada.
- Ai, garota! Chame logo alguém! - grita ele furioso.
Levo um susto na hora, faço cara feia e acabo pegando o telefone da mesinha ao lado da minha cama.
- Vany, traga um suco para mim e... - olho para Leonel, ele está ouvindo atentamente.
- ...algo para comer, não exagere, quero uma comida leve.
- Sim, Srta. Winkler.
Desligo o telefone e desço da cama. Fico um pouca tonta e quase caio no chão, mas Leonel me apara antes de eu cair. Ele me coloca na cama de novo e pega seu medidor de pressão.
- Você não está bem de saúde - ele coloca a faixa preta em mim, o cabinho em seu ouvido e aperta várias vezes a bola de plástico, fazendo-o crescer em meu antebraço.
- Sua pressão baixou.
Será que ele sabe que estou grávida?
- Descobriu o que eu tenho?
Ele me olha sério, como quem diz: "Sínica".
- Você está grávida. De quem é esse filho? - rosna.
Putz! Caramba. E agora? Ele já sabe - menos que o filho é dele. Emudeço e baixo a cabeça. Ele ergue meu queixo com grosseria e o aperta.
- É seu.
Ele me solta.
- Mentira! Você fez de propósito porque sabia que eu ia me casar! - grita.
- Eu não fiz de propósito, Leonel. Você sabe.
Ele arregala os olhos, estupefato.
- Há quanto tempo você está grávida?
Fico quieta, e por muito tempo. Ele alarma a boca, dizendo:
- Eu sou o pai, a última vez em que transamos foi em dezembro.
Uau! Como ele calculou isso? Fico com raiva.
- Cale a boca, seu imbecil! - grito e o empurro da minha frente, ele me agarra e me joga na cama de novo.
- Agora você vai ouvir umas verdades - ele vai até a porta e a tranca com a chave. - Esse filho é meu ou não? Você teve outro homem durante esse dois meses?
O quê? Claro que não. Emudeço, mas de propósito. Ele me pega à força nos braços e me sacode.
- Responda! - grita.
O canalha está machucando os meus braços. Ele sabe que o filho é dele.
- Você não se acha o doutor magnata? Então, descubra sozinho - murmuro amargamente, penetrando no fundo dos seus olhos pretos.
- Ah, se eu descobrir que esse filho é meu...
A empregada bate a porta antes dele completar a frase.
- Espere, Vany. Me solte, por favor - digo a ele, que me solta imediatamente.
Abro a porta para Vany, que entra com uma bandeja na mão. Leonel anda de um lado para o outro, olhando o relógio no pulso. O celular dele toca.
- Obrigada, Vany, pode se retirar.
- Dá licença.
Pego a bandeja e a coloco na mesinha. O canalha do Leonel está lindo de doer, como sempre.
- ...para levar você de volta. Por favor, Lara, me obedeça. Tchau.
Por favor, Lara, me obedeça. Ah, coisa chata! Resmungo mentalmente. Ele volta a se sentar na poltrona.
- Esther, eu não quero ser grosseiro com você. Estou pedindo. É a vida de um ser humano que está em jogo.
- Você não tem obrigação de ficar aqui.
- O seu pai me chamou.
Reviro os olhos.
- Grande coisa. Eu não estou precisando de você.
Ele me olha, furioso.
- Você está mal de saúde. Isso é coisa séria. Não brinque, pelo amor de Deus.
- Eu sei me cuidar, doutor. Você tem que vigiar sua esposa, cuidar dela, não de mim.
Isso me corta ao meio. Ele também sente, sei disso.
- Eu vou me casar para tentar esquecer você. Eu não amo a Lara.
Como pôde? Não é certo se relacionar com uma pessoa para esquecer a outra.
- Desejo o melhor do mundo a vocês dois.
Ele fecha os olhos e abre.
- Às vezes eu tenho vontade de amarrotar você.
O quê?
- Não estou nem aí - zombo, sabendo que não é verdade. Ou será que é?
- Você é muito mimada. Se eu fosse seu pai ia te dar uma boa surra.
- Mas não é, por isso, vai baixando a sua bola.
Meu olhos ardem e meu apetite some, deixo a comida no prato. Respiro. Mês que vem é o seu casamento.
- Parabéns.
Ele cerra as mandíbulas, parece meio achaque.
- O que foi? Não está feliz? O magnata do Rio de Janeiro vai se casar, anime-se, Dr. Blanchard.
Ele hesita e baixa a cabeça, inacessível.
- Por um momento achei que você gostasse de mim, pelo menos um pouquinho - murmuro. Ele me olha.
- É claro que eu gosto, gosto muito. Você não sabe o quanto.
- Gosta dela?
Ele nega com a cabeça.
- Não sei dizer.
- E por que vai se casar?
Leonel emudece, apático.
- Isso não importa. Eu quero saber de quem é esse filho.
- Isso também não importa. Não quero estragar seu casamento.
- Então, ele é meu?
Faço que não com a cabeça, ele perde a paciência.
- É claro que é meu! Você está achando que eu sou idiota?! - grita, me puxando para si. Minhas costas doem com o puxão.
- Fale de uma vez e deixe de rodeios! - grita de novo, penetrando meus olhos com frieza. Ele está muito zangado.
- Ai - gemo ao sentir uma pontada forte.
Abro a boca e fecho, começo a chorar, sentindo a dor nas costas. Leonel ainda está me apertando forte, não consigo sair dos braços dele.
- Não comece com a sua proeza, não suporto o seu chorinho. Para mim, isso é puro cinismo - ele segura meu queixo nem um pouco carinhoso.
- Ai, por favor, eu não estou bem. Me solte.
- Quem não está bem sou eu - rosna.
Não aguento mais, não aguento. Pego no sono e deito a cabeça em seu peito, ele me segura nos braços, estarrecido. Não vejo mais nada, apenas uma escuridão.


08:01 AM

   Meu quarto está  iluminado sob as cortinas da parede de vidro. Tudo está branco.
   A empregada abre a janela, que vai do teto até o chão. Pisco os cílios várias vezes, contemplando o alvor lá de fora. O branco das cortinas estão fortes em meus olhos.
- Bom dia, Srta. Winkler.
- Bom dia, Vany.
- A senhorita melhorou? - ela passa a mão em meu pescoço.
- Um pouquinho.
- Está com muita febre. Quer que eu chame o doutor de ontem?
- Não, obrigada, Vany.
   Dou um sorriso forçado para ela.
- Meu pai está?
- Sim - diz ela se retirando.
   Chegou a hora, é hoje que vou contar a todos sobre minha gravidez.
   Saio da cama, vou ao banheiro, escovo os dentes e tomo um banho. Enquanto me ensaboo, penso em Leonel, no amor que ele fazia, era tão bom e tão gostoso. Meu corpo enrijece num arrepio de arder a pele. Sinto falta dele. Deus, quando esse sofrimento vai acabar? É impossível ele voltar para mim! Eu sempre achei que ele era meu.
   Saio do banheiro e meu encaminho para o meu closet. Opto por um vestido verde-escuro e curto, cai como uma luva. Ficou perfeito.
   Solto o cabelo e o escovo, olhando para o espelho. Estou pálida, não preciso passar maquiagem e muito menos batom - meus lábios já estão rosados.
   Ontem dormi à tarde inteira, lembro-me que caí nos braços de Leonel. Onde será que ele foi? Deve ter indo ficar com a noivinha, agora sei que ele gosta mais de mulheres encorpadas, sempre vivi falando que odia magreza - eu sou a prova disso. Olho mais uma vez para a revista do Rio. Leio um trecho que diz:

§ O famoso cirurgião, Leonel Blanchard, irá se casar no dia 13 de março com a estudante de literatura, Lara Aguilera. Segundo Lara, eles iram passar a lua de mel em Paris (França). Mais um dos melhores médicos do Brasil construindo sua família ao lado de quem ama.
_____\jornalfaxik@novidades\_

   Fico torsa diante disso, meus olhos enchem d'água, jogo a cabeça para trás e devolvo eles para dentro. Não posso mais chorar, não posso mais chorar. Se acalme, Marihá.
Meu estômago dá um nó com essa notícia ruim - pelo menos para mim é ruim. Ele disse que não a ama.

   Eu nunca amei ela. Sinto carinho, só isso.

   Como? Por que vai se casar se não é por amor? Ele vai sofrer. Mas... Não! Não! Será que essa mulher está grávida? Não pode ser, se ela estiver mesmo, Leonel nunca vai saber que tem um filho comigo. Não posso destruir uma família com um estorvo entre eles.

   Não fale assim do seu filho, porra!

   Saio do quarto ajeitando-me para ninguém notar minha tristeza. Athos, Angeliquê, Érodys e Taylison se encontram na sala, conversando sobre negócios.
   Meu pai se levanta do sofá e vem em minha direção sorrindo alegremente.
- Marihá, filha - ele beija minha testa com carinho.
- Bom dia, pai - abraço-o.
   Ele me arrasta para um sofá perto da minha mãe.
- Oi, filha.
- Oi, mamãe.
- Como está se sentindo? - diz Érodys.
- Um pouco melhor, obrigada.
- O Dr. Blanchard disse que você precisa se alimentar direito, por isso está tendo tonturas e desmaios.
   Ah, Deus! Meu pai está muito enganado. Meu coração se aperta numa profunda angústia. Está na hora, coragem, Esther. Todos se levantam para ir à mesa de jantar, mas eu os interrompo:
- Esperem.
   Eles me olham.
- Preciso falar uma coisa.
   Taylison faz uma cara de quem diz: "É agora que o mundo desaba".
- Mãe, pai... eu... eu estou grávida - murmuro depressa. O sangue foge do rosto deles. Meu pai me olha, incrédulo e minha mãe boquiaberta com a notícia. Érodys balança a cabeça em negativa e eu
viro o centro das atenções.
- O quê?! - diz meu pai, a voz grave e grossa.
   Ele abre a boca e fecha, olha para o teto e volta os olhos para mim.
- Que brincadeira é essa, Esther? - Érodys me olha, impassível.
- Não é brincadeira, eu estou grávida.
   Meu pai vem em minha direção furiosíssimo e me lasca um tapa bem forte que acabo caindo no sofá em prantos de choros. Ele tira o cinto da calça e meus dois irmãos entram no meio para impedir.
- Me soltem! - grita Athos.
- Não faça isso, pai - aconselha Érodys.
   Vejo minha mãe chorar de decepção. Meu pai empurra os dois e eles caem no sofá.
- Vadia! - grita Athos, ele me dá mais um tapa no rosto.
- Não, Athos! - implora minha mãe, sem forças.
- Vem cá, sua mal-criada - ele me pega pelos cabelos e sobe comigo para cima. Tento fazê-lo parar, mas é impossível com a força que tem nos braços, e meu coro cabeludo já não aguenta mais. Minha mãe passa na frente dele, amedrontada.

Minha estúpida coragemOnde histórias criam vida. Descubra agora