capítulo 04

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Estou pensando em meu filho agora. Será que é menino? Ou menina? É estranho estar com um ser humano dentro de você, às vezes penso que não estou grávida.
   Coitado do meu irmão, ele parece estar preocupado com algo.
   Fito-o com os olhos, enquanto estamos à mesa. Suas mãos entre laçadas à frente da boca não escondem sua expressão imperscrutável, posso sentir a decepção no recôndito de seu âmago.
Eu tenho que sair daqui.
Sinto muito, Érodys. Ele me olha e sorri. Sua comida está intacta.
- O que foi? - murmuro, levando a colher cheia de sopa na boca.
- Estava fazendo uma breve introspecção na mente.
- Sobre o quê?
- Sobre como é cuidar de um sobrinho - ele ri.
Ah.
Termino a sopa de galinha. Estava delicioso. O sono toma conta de mim. Já são oito horas da noite, o dia passou rápido.
- Quem é o pai dessa criança, Marihá? - ele me pega de surpresa. Enrubesço. E agora? Sujou tudo.
- Fale.
Entreolho as paredes da cozinha, com uma aflição fugazmente.
- É o Dr. Leonel Blanchard. - falo rápido, sem hesitar. Baixo a cabeça. Ele me olha, incrédulo.
- Leonel! Esse filho é do seu ex-professor? - ele aumenta a voz. - Não pode ser. Ah... ele está lascado.
Ergo a cabeça e fito seus olhos. Ele parece furioso.
Parece não, ele está.
- Que droga, Esther, você foi escolher logo esse homem - ele bate na mesa.
- Desculpe, Érodys.
- Esse cara me paga - ameaça entre dentes.
- Esqueça.
Ele me encara muito furioso.
- Esquecer? Não, não mesmo. Ele vai ter o que merece. Filho da puta. Vou botar ele na cadeia.
Cadeia?! Cadeia não! Isso não! Ai, Esther, você e sua boca grande. Leonel não pode ser preso.
- Érodys, isso já é demais.
- Demais é ele casar com outra e deixar você com um filho na barriga.
Disso ele tem razão.
- Érodys, por favor, não faça isso.
- Você é uma idiota - branda.
As lágrimas estão ameaçando a sair. Pense, pense, Esther.
- Se você fizer isso, eu saio do seu apartamento.
Ele cerra as mandíbulas e revira os olhos totalmente inibido. É a minha decisão, Érodys, sinto muito.
- Tudo bem. Mas o Athos vai ficar sabendo disso.
Rio. A lágrima não vai mais sair. Pisco os cílios várias vezes rindo com ironia.
- Tem certeza?
- Do que está rindo?
- O seu pai não liga mais comigo, simples assim. Ele é seu pai, não meu.
- Ele cuidou de você, é claro que é seu pai também.
- Ai, ai - suspiro num riso. Me levanto da cadeira. - Boa noite, irmão.
Dou um beijo em sua bochecha e saio, deixando-o incrédulo. O que ele pensa? Que o Athos vai ligar com isso agora? Não, jamais! Ele deixou de ser aquele pai compreensivo e carinhoso comigo.
Debruço-me na cama e penso. E agora? Não posso ficar dependendo do meu irmão, tenho que sair daqui, seguir minha vida e cuidar do meu bebê. Isso não é responsabilidade do Érodys, não mesmo. Eu fiz... quer dizer, o Leonel e eu fizemos essa criança, mas ele vai casar, não quero que haja uma barreira entre ele e sua esposa.
Meu Deus, o domingo inteiro fiquei em casa, não falei com as minhas amigas, minha mãe não me ligou e meu pai... Ah, esqueci que ele não liga mais comigo também. Eu preciso tanto de vocês. Não vou aguentar ficar sem pai e mãe. É difícil relembrar o que ouvi hoje de manhã "você não é minha filha". Isso dói dentro de mim. Me mexo na cama, pego meu iPod debaixo do travesseiro e o ligo. Droga! Uma das notificações na tela, fala sobre o casamento de Leonel.

O médico mais querido do Rio de Janeiro irá se casar daqui a uma semana.
Obs: Dr. Leonel Blanchard.

Hum, todo mundo fala dele. Abro uma imagem que representa a união do casal - um coração vermelho com lacinhos. Eu poderia ser a outra parte do coração, não essa tal de Lara. Ai, que sono...

NOSSA, O SONO ainda não passou, cheguei à faculdade há meia hora. Olho para o meu colega, ele é especial, mas é bonito. Será que tem namorada? Deve ter, por ser cadeirante não significa que não pode namorar, ele é bonito mesmo, moreno alto, cabelo grisalho. Passo para a cadeira da frente a fim de bater um papinho.
- Oi, Esther - diz ele sorrindo.
- Oi. Tudo bem?
- Melhor agora.
- Por quê?
- Porque você sentou aí, ninguém senta na minha frente.
- Ah - sorrio.
- Você está linda.
Enrubesço.
- Obrigada.
- Ninguém merece - resmunga.
- O quê?
- Hoje é segunda-feira. Eu não terminei o trabalho do Dr. Bactérias - ri, também rio.
- Você chama o Breno de Dr. Bactérias?
- Sim, mas não fale nada para ninguém. Esse homem é um capeta em pessoa.
- Ele não é tão ruim assim.
- Tem razão, mas ele não explica direito nem parece que é médico.
- É.
- Vou corta a língua dele.
Caio na gargalhada e ele me acompanha.
- Ele fala demais. Mas ele é alto e não tem como eu alcançar.
- Está bem - minimizo o riso exagerado. - Chega, não aguento mais.
- Vamos matar ele e jogar seu corpo no IML.
- Chega.
Nossa, é para rir ou chorar? Ele é muito engraçado. De repente, eu fico meio tonta, ele me olha perplexo e pega meu ombro.
- O que foi?
- Nada. Já passou.
- Esther, você precisa ir ao médico. Isso deve ser sério.
Ir ao médico? O pai do meu filho é médico. Mas ele não liga com você.
- Não - recuso sem jeito.
- Você está bem mesmo?
Sorrio timidamente para ele.
- Estou, obrigada.
O Dr. Breno entra muito sério na sala. Hum. Hoje não é o seu dia. Ele pousa uma maleta preta e grande em cima da mesa de vidro. Breno, o magnata da universidade, entreolha seus alunos e começa a contar mentalmente, absorto. A matéria que eu menos gosto é...
- Vamos para o laboratório de anatomia.
Viu? Ele respondeu por mim, odeio ficar com mau cheiro nas mãos, se quer aprender alguma coisa, você tem que pegar até em mortos, sangue... sala com o oxigênio insuportável de formol ... Ah! Que nojo! Mas aprendi com Leonel que não devemos ter medo. Isso faz parte da medicina. Faltam poucos anos para eu me formar e quando eu conseguir, vou me mudar de vez para o Rio de Janeiro. Eu amo essa cidade, é a melhor do Brasil. Todos os alunos se aglomeram junto à porta do laboratório, um auxiliar de serviços da universidade está parado bem na entrada, entregando jaleco para os alunos. Pego o meu e visto-o, ah, eu fico linda vestida como futura médica.


ABRO OS OLHOS RAPIDAMENTE como se alguém estivesse prestes a fincar uma faca em mim. Ainda são três e quarenta da tarde. Tenho que ir à empresa do meu pai para tentar conversar com ele - se é que ele vai me receber. A esperança é a última que morre. Meu celular toca quando vou ao banheiro, esfrego os olhos meio sonolenta e levo-o na orelha. O número não está na agenda.
- Alô?
- Esther, sou eu, Leonel.
Minha boca vai no chão. É ele. O que eu digo? O que ele quer? Saber do filho. Droga!
- Liguei para saber se você melhorou.
Ai, que fofo, mas não posso mais me derreter pelas suas palavras bonitas.
- Eu... - fico sem fala.
Não quero apenas dizer que estou bem, tenho que puxar assunto com ele. Vai, ande, pense. Leonel respira no telefone.
- Estou bem. E você? - pouso o braço na estante do banheiro.
- Bem também. Esther, a Maryelli abriu o jogo não adiante você esconder. Eu sei toda a verdade.
Caramba, Mary, você é uma grande dedo duro. Tento recuperar a fala.
- Leonel, por favor, não quero estragar seu casamente, eu posso me manter, sozinha.
- Eu nunca vou deixar um filho meu desprotegido nesse mundo. Quando essa criança nascer, eu quero ela para mim.
Não, não pode ser, ele não faria isso. Começo a chorar, mas de raiva, uma parte de mim fica totalmente mórbida. Ele vai tirar o filho de mim.
- Você não pode fazer isso.
- Claro que posso.
- Deixe ele comigo, por favor. Você pode ter outros filhos com a sua noiva - suplico em prantos de choros. Ele adora ver meu sofrimento.

- Por favor - choro em soluços. - Eu estou passando por um momento difícil, Leonel, aconteceu muita coisa desde domingo. Eu não quero que meu filho cresça assim, longe da mãe.
- Você quis assim. Eu disse o que faria se essa criança fosse minha, então aguente as consequências. Tchau.
Ele desliga, sem ao menos me deixar falar. Droga! Será ele tem raiva de mim? Por quê? Não fiz nada a ele, pelo ao contrário, ele é quem fez. Vai se casar sabendo que eu o amo. Acho que Leonel não senti o mesmo que eu, ele nunca disse que me ama. Ah, que momento chato que estou passando. Se esse bebê não existisse, estaria tudo como era antes, mas ele não tem culpa, não pediu para nascer. Vou ao banheiro, ligo o chuveiro e entro com o baby doll e tudo. Não estou nem aí. Começo a me ensaboar, usando um sabonete líquido. É cheiroso. Odeio lembrar de Leonel no chuveiro comigo. Isso me dá arrepios, me causa desejos agudos difíceis de perscrutar.
Meu irmão está no escritório trabalhando quando entro. Ele me olha de cima abaixo e sorri ironicamente.
- Onde vai toda arrumada, senhorita?
- Vou à empresa do nosso pai. Preciso de um carro.
- Pegue a Mercedez - ele me entrega a chave.
- Obrigada. Vou passar na casa da mamãe também, é provável que vou voltar somente à noite.
- Tome cuidado.
- Pode deixar - dou um beijo em sua bochecha.
Bom, agora é só aguentar mais um pouco de humilhação só porque não sou filha dele, mas gosto muito do Athos, ele cuidou de mim durante esses anos da minha existência. Graças a Deus, eu o encontrei para dar a vida que eu tenho hoje. Mas, sinceramente, ele foi grosso, hostil, impertinente e arrogante quando me expulsou de sua casa.
Ah, Deus! Me ajude a sair desse impasse, minha vida está desaprumada, estou enervada num abismo sem fim, às escuras. O que eu faço? Será que vou sofrer mais ainda? O que será do meu pequeno bebê sem o pai?
Meu celular toca na bolsa, enquanto sigo para o centro da cidade. É Taylison.
- Oi, Taylison.
- Oi. Como você está, irmã?
- Na mesma - murmuro.
- E o Érodys?
- Está em casa. Ele está bem.
- Esther, a mamãe quer que você jante com ela hoje à noite.
- Onde?
- Aqui em casa.
O quê?
- Não vai dar. O seu pai vai se irritar com ela por minha causa.
- Por favor, Esther.
- Não.
Atravesso a avenida que dá acesso à empresa. Paro o carrro e olho acima do prédio. O movimento de vaivém de executivos aqui embaixo não para. O frio bate na face de quem sai para fora do prédio.
- Tenho que desligar.
- Onde você está?
- Neste momento, na empresa de Athos.
- O que você quer aí?
- Vou tentar falar com ele. Tchau.
- Tome cuidado, o nosso pai está louco.
- Para mim não, ele só precisa cair na real. Vou desligar.
- Tchau.
Desço do carro com o casaco jeans na mão. Está frio aqui fora e vai chover daqui a pouco. Atravesso a porta depois de um senhor de idade, ele anda apressado com uns papéis nos braços. Pego o elevador para o 19° andar do prédio. Cubro-me com as luvas e contemplo meu rosto pálido nas paredes de alumínio.
O elevador para, o barulho insuportável da porta me desperta rapidamente. Vou até a recepcionista Nayara Andrade, ela me odeia. Não sei o motivo desse ódio.
- Nayara, meu pai se encontra?
- Sim - ela não tira os olhos de seu monitor.
Olhe para mim, sua vaca.
- Diga a ele que eu estou aqui.
Ela pega o telefone e disca o número da sala dele.
- ... é, ela mesma, em pessoa. Posso liberar, senhor? Sim... está bem - ela dá um sorriso sardônico para mim.
- Pode entrar, Srta. Winkler.
- Obrigada.

Minha estúpida coragemOnde histórias criam vida. Descubra agora