A economia está estabilizada, você recebeu seu salário hoje e não está nem aí para os
conselhos do governo: vai entrar na primeira loja que aparecer e consumir feito louca.
Apoiado. Só não esqueça de levar uma dose extra de bom humor. Não por causa dos preços,
que você está careca de saber que andam pela hora da morte. O problema é outro: o
atendimento. Você não dá bola? Eu dou.
Comecemos nosso tour por uma loja de departamentos de um shopping. O atendimento é
self service, mas como tem umas moças de uniforme circulando na área, você se enche de
coragem e pergunta: "Por favor, tem esta saia no tamanho 42?". A vendedora te olha como se
você tivesse pedido o marido dela emprestado e responde: "O que tem, taí". Assunto
encerrado. Ela já está fora do seu raio de visão e você se sente uma idiota. Claro, o que tem
está aqui. O pior é que em vez de sumir e nunca mais voltar, você resolve levar a saia tamanho
40, mesmo que esteja um pouco apertada. Dirige-se ao caixa. Algumas perguntas terão que ser
feitas: cheque, cartão, descontos à vista, como é que é? Dê-se por satisfeita com respostas
monossilábicas: sim, não. Elas não querem papo. Desista. Vá para uma livraria, que o nível da
conversa vai ser outro.
"Boa tarde. Vocês têm o livro Escrever, de Marguerite Duras?"
Antes de continuar, quero dizer que esta história não é ficção. Aconteceu comigo, e
numa livraria bem conceituada da cidade. Voltemos à cena.
"Então, tem?"
A moça que me atendeu ficou em estado de choque. Depois de alguns segundos, ela
perguntou: "É sobre o quê?". Respirei fundo. "É sobre o ofício de escrever, provavelmente
inspirado na experiência da autora." Seus olhos se iluminaram: "Ah! Vou procurar entre os
livros técnicos". Neste momento, entra em cena o gerente da loja. Travou-se o seguinte
diálogo entre os dois: "Ela está procurando um livro sobre escrever". E voltando-se para
mim: "Qual é mesmo o nome da escritora?". Repeti, caprichando na pronúncia. Desta vez foi
o gerente que entrou em choque. Adivinhe o que ele me perguntou: "É sobre o quê?". Ainda
tentei explicar que eu havia visto o livro na vitrine uma semana antes e que era bem possível
que tivessem algum exemplar no estoque. Eles suavam frio. "Não serve Lair Ribeiro?"
Com a saia que nunca me serviria e sem o livro de Duras, fui ao banco. Filas imensas,
lógico. Até que chega a minha vez. A moça que me atende não tem pressa alguma. Está
ocupadíssima contando pra colega como foi a festa no sábado. Parece que ela levou um fora
do Rogério e agora está namorando o Valdo, só que o Valdo mora muito longe, e ainda por
cima ela ainda gosta do Rogério. Com um problemão desses, quem vai ligar para o meu
saldo?
Fim de tarde no supermercado. O carrinho está com as rodinhas tortas e tem uma folha
de alface presa na grade. Tudo bem. Recolho das prateleiras o que preciso e vou para o caixa:
"A senhora lembra o preço do palmito?". Claro que não lembro. Lá vai um garoto verificar. A
fila vai aumentando atrás de mim e eu prometo que nunca mais vou comer palmito na vida,
quando o garoto volta. Engraçado, eu podia jurar que ele ficou grisalho. Já estou preenchendo
o cheque quando lembro que vai ser preciso chamar o gerente para endossá-lo. Rasgo o cheque e puxo o dinheiro. Não tem troco. Lá vai o garoto trocar uma mísera notinha de dez. E
agora quem está ficando grisalha sou eu.
O salário de todo esse pessoal é uma vergonha, dá-se o devido desconto. Mas será que
nossos empresários nunca ouviram falar em treinamento? A maioria dos estabelecimentos
comerciais possui um quadro de funcionários completamente despreparado para atender a
população. São pessoas que não valorizam o próprio serviço, não olham os clientes nos olhos
e dão a impressão de estar prestando um tremendo favor em desperdiçar o seu sagrado tempo com a gente. Sorriso é raridade. Bom dia, obrigado, volte sempre, latim. Informações na ponta
da língua, nem pensar. Parecem aliviados quando saímos da loja, e se não voltarmos mais, tanto melhor. Abram o olho, patrões. Um dia esta euforia consumista acaba e quem vai precisar de nós são vocês.