Depois de um inverno gélido e interminável como o que nos deixou recentemente, a
chegada do verão merece ser comemorada com vestidos de alcinha, redes nordestinas, um
livro ameno e litros de vinho branco repousando em baldes de gelo. Um verão com piscina,
brisa, ar condicionado. Um verão com árvores floridas, manhãs ensolaradas, luares, estrelas,
sossego, você e o amor da sua vida. Na Côte D'Azur, que tal?
Não vai dar? Bem-vinda ao clube. Eu, você e a maioria esmagadora da população
temos que nos contentar em ver esse verão idílico através das propagandas de refrigerante e
bronzeador, porque aqui, na vida real, não existe civilização acima dos 20 graus centígrados.
A primeira a ser assassinada pelo calor é a elegância. Depois de esbanjarmos charme
com nossos mantôs, botas e suéteres de gola rulê, somos obrigadas a usar verde-limão e cor-
de-laranja até em missa de sétimo dia. As vitrines do Brasil não me deixam mentir. Sumiram
com o violeta, o mostarda, o azul-noite. Só dispomos de cores histéricas.
O calor não desvirtua apenas o bom gosto: também corrompe os bons modos. Os
homens trabalham sem camisa, dirigem sem camisa, almoçam sem camisa e vendem pêssegos
na calçada, adivinhe, sem camisa, num despudor de dar inveja ao parlamento inglês. Nada
contra, se fossem todos galãs de novela e morassem na beira da praia, mas o que vemos são
cavalheiros com pneus inflados nas laterais do corpo, peitos que nunca viram um haltere,
pêlos em abundância e barrigas suadas sob um sol africano. Very fashion.
Nós, as donzelas, não ficamos atrás. Tivéssemos a altura e os ossos de Shirley
Mallmann, qualquer canga amarrada em volta do pescoço seria considerada alta-costura, mas
somos baixinhas e avantajadas nos quadris. Shortinhos, bermudas- ciclista, minissaias,
frentes-únicas, calças-cigarrete e camisetas de barriga de fora combinam conosco tanto quanto
um hábito franciscano combina com a loira do tchan.
Franjas colam na testa. Cabelos grudam no pescoço. Coques são feitos às pressas, com
qualquer coisa que se tenha à mão: fita-crepe, cadarço de tênis, prendedor de roupa. Encontrar
um grampo no console do carro, num engarrafamento às quatro da tarde, é mais comemorado
que descoberta de petróleo no quintal. Aliás, engarrafamentos. Quem se locomove em
veículos sem ar condicionado sabe o que sentem aquelas pobres franguinhas que são cozidas
em fornos rotativos de padaria. Nosso cérebro entra em combustão e ai daquele que nos pedir
passagem, principalmente se ele estiver com todos os vidros fechados e uma aparência de
quem acabou de sair do banho. Rosnar será uma delicadeza de nossa parte. Nova Deli, 40
Umidade, abafamento, sufoco. Pegar a estrada parece ser a única saída, e lá vamos nós,
viajar três horas num congestionamento-monstro rumo a paraísos chamados Imbé, Tramandaí,
Cidreira, Capão. Lugares onde sempre chove em algum horário do dia, geralmente entre 10 da
manhã e três da tarde, protegendo os veranistas que insistem em se expôr aos raios
ultravioletas. O vento levanta guarda-sóis, a areia invade os calçadões e a mesa de biriba é o
point da noite. Mas tudo isso é compensado pela certeza de que, aconteça o que acontecer, o
mar estará onde sempre esteve e do jeito que sempre foi. Nem verde-limão, nem cor-de-
laranja. Marrom. Très chic.