TECNOLOGIA ENGORDA

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Acabo de ter minha primeira experiência como ghost-writer: dei o tratamento final de

texto a um livro direcionado aos gordinhos e que será lançado em breve pelos profissionais

do CREEO – Centro de Recuperação e Estudo da Obesidade. Até então, nunca havia parado

para pensar no assunto: fui uma criança raquítica e uma adolescente bem-feitinha. Adulta,

ganhei volume em lugares inevitáveis, mas sigo magra. Até quando, veremos.

Qualquer pessoa sabe que fazer exercício é condição sine qua non para ter saúde e boa

forma, mas há outros tipos de atividades físicas que podem ser praticadas fora das academias

e das canchas de esporte. São as chamadas atividades não-programadas, como subir escadas,

varrer a casa ou levantar da cama para trocar de canal. Maravilha. Mas quem se dá esse

trabalho?

A tecnologia é a mãe da preguiça. Facilita muito nossa vida, mas não ajuda ninguém a

perder calorias. Levantar para trocar de canal? Só se você ainda vive numa caverna. Até tevê

de meia polegada vem com controle remoto. Zap, zap, zap. O mundo ao alcance da sua mão e

bem longe das suas pernas.

Subir escada, só se faltar luz. Grande parte das pessoas prefere perder tempo esperando

o elevador do que encarar meia dúzia de degraus. Inexplicavelmente, é o meio de transporte

favorito de quem mora no primeiro andar. A única escada que faz sucesso é a rolante. Em

shoppings, formam-se filas homéricas para alcançar os degraus motorizados, enquanto a

escada convencional continua com sua função decorativa. Mais mordomia que isso, só as

esteiras rolantes, comuns em aeroportos. Para quem está chegando de viagem com excesso de

bagagem é um luxo, mas para quem está viajando com uma pastinha executiva é o cúmulo da

lerdeza. Fazer o quê? Somos completamente atraídos pela lei do menor esforço.

Os braços tampouco têm sido exigidos. A direção hidráulica, o botãozinho para abrir o

vidro do carro e os rádios digitais são os culpados de não podermos mais usar camiseta

regata. O trabalho doméstico há muito tempo não provoca suor: espremedores de sucos,

aspiradores de pó, batedeiras elétricas, multiprocessadores, centrífugas, máquinas de lavar,

tudo isso só exercita o nosso dedinho: on/off.

É uma vergonha mas existe: escova de dentes com motor. Em breve, até o aperto de

botões será uma atividade em extinção. Tudo poderá ser acionado com o simples tom da nossa

voz. Bastará exercitar as cordas vocais para abrir a porta de casa ou ligar o carro. Diante

deste quadro estarrecedor de letargia, a única atividade que nos deixa em forma ainda é o

sexo, mas até ela está com os dias contados: nas sexshops, cresce a venda de parceiros

movidos à bateria.

Abril/97

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