AFELICIDADE NO FIM DE SÉCULO

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Para nossas bisavós, ser feliz era fácil. Bastava casar e ter filhos. Aos 20 anos de


idade, muitas já tinham alcançado o seu objetivo. Para outros, a felicidade estava em ser


competente na profissão escolhida: muitos anos de estudo, um período de estágio, alguma


experiência e chegava-se lá. Ser feliz sempre foi o grande desejo universal e as pessoas não


se preocupavam com a quantidade de tempo investida para alcançar sua meta. Dois anos?


Dez? O que importava era a realização.


Priscas eras. Quem, hoje, está disposto a esperar meia-hora para ser feliz? A felicidade


conquistada lentamente, passo a passo, virou uma vaga lembrança. Estamos vivendo a era da


felicidade instantânea. Precisamos, para ontem, de um jatinho particular, um apê em Nova


York e um nariz novo. Nada que uma Supersena acumulada não resolva.


Por que esta urgência de viver? Simples: porque a morte tem chegado à bala. A


violência urbana mudou o nosso conceito de felicidade. De dia comemos um churrasco com a


família, à noite podemos estar enterrando um amigo morto estupidamente num acidente de


carro. Na segunda-feira tossimos, na terça temos câncer no pulmão. De manhã nossa filha era


uma criança, à tarde ela está nos braços de um marginal, virando mulher à força. Nossa vida


está valendo muito pouco. Uma briga de trânsito, uma porta aberta inadvertidamente, um


diagnóstico, e the game is over.


Então a ordem é pedir demissão, largar a família e sair por aí vivendo cada dia como


se fosse o último? Não se trata do apocalipse. Ao contrário de Nostradamus, acredito que


fazer previsões, mais do que nunca, virou tarefa de charlatão. Não há como adivinhar o que


vai acontecer amanhã, e este amanhã não significa a próxima geração, mas amanhã mesmo,


daqui a 24 horas. Os fatos atropelam nossos planos, e ser feliz, hoje, é adequar-se à realidade,


nem que para isso seja preciso trocar de sonhos, de ideais, de rumo.


Vida efêmera não combina com projetos a longo prazo. Arnaldo Jabor é uma prova


ambulante desta mobilidade frente à vida. Cineasta consagrado, ficou sem condições de


trabalhar quando o governo Collor deu o tiro de misericórdia no cinema brasileiro. Jabor fez


o quê? Canalizou sua criatividade e seu talento para outra direção, em vez de ficar chorando


sobre o celulóide derramado. Trocou a câmera pelo computador e tornou-se, do dia para a


noite, um dos melhores jornalistas deste país.


Danuza Leão foi a promoter mais badalada da noite carioca. Ia dormir com o sol alto,


quando o resto da cidade estava acordando. Vivia para dançar, conversar, divertir, até que a


tragédia bateu em sua porta e Danuza fechou para balanço. Nasceu uma mulher madrugadora,


que caminha à beira-mar e escreve best-sellers. Voltou para a vida por outra estrada.


Jô Soares um dia cansou dos próprios personagens e de seus bordões cansativos e foi


comandar um talk show que dispensa apresentações. Era feliz quando se vestia de Norminha


ou Capitão Gay? Era, mas deixou de ser. Não há aí nenhuma infidelidade ao passado, apenas a


busca da felicidade, que constantemente muda de lugar.


O ser humano sempre foi mutante. Só que agora, em tempos mais liberais e


imprevisíveis, ele muda inúmeras vezes, fragmentando suas emoções. É fácil encontrar a


felicidade: ela continua onde sempre esteve, na trilogia amor-dinheiro-saúde. Só que as pessoas estão se apaixonando a cada minuto, o dinheiro troca de mãos a todo instante e


ninguém sabe a hora em que Sarajevo vai ser aqui. A felicidade passou a ser a arte de pensar


ligeiro e tomar decisões. A arte de ganhar e perder em frações de segundo. A arte de


compensar. Vence quem for mais rápido no gatilho.

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