Você lembra quando sua mãe dizia para você baixar o volume da eletrola? Você ria na
cara da coroa. É três-em-um, mãe. Três-em-um! Pois hoje quem chama o som de três-em-um
merece ser empalhado e doado para um museu de história natural, e quem chama a mãe de
coroa também. Nada revela mais a nossa idade do que o vocabulário. Um amigo meu chegou a
fazer uma lista de expressões que foram vencidas pelo tempo, mas meu maior fornecedor era
Paulo Francis, que em suas crônicas usava e abusava de termos datados da década de 60. As
crônicas de Nelson Rodrigues, tão bem adaptadas para a tevê, também fazem um retrato
perfeito de época através da linguagem. Mas como muita gente não gosta nem de Francis, nem
de Nelson Rodrigues, o jeito é fazer uma sessão nostalgia, você sabe onde: na casa da coroa.
É lá que você ainda vai ouvir que sua calça de brim está imunda e que é preciso chamar
um auto de praça para levá-la à rodoviária. Mas não ache muita graça. Se abrir o seu diário de
adolescente ou reler as cartas que escrevia quando se achava a mais moderna dos mortais, vai
encontrar um baú de expressões que, não fazia muito tempo, estavam na crista da onda.
"Querido diário. Ando meio jururu. Não fui convidada para o bota-fora da Penélope.
Ah, grande áfrica. A festa vai ser numa big de uma casa mas isso não quer dizer chongas. A
Soninha me contou que vai todo mundo na maior estica e que o Rodrigo vai pegar a caranga do
pai dele escondido. Credo, se ele for pego na tampinha vai levar o maior carão. Ou até uma
sova. A turma acha que eu estou borocochô. Uma pinóia. Só quero sossegar o pito. Se me der
na veneta, vou até lá para tirar um sarro, mas entrar na baia eu não entro, que eu não sou
furona, e depois, lá só vai ter bocó. Os amigos da Penélope são todos uns bitolados, uns
bodosos, não entendem patavina de nada. Eu sei por que a Penélope não me convidou. Ela é
gamada no Sérgio, e ele está dando lance para mim. Outro dia foi me buscar na saída do
colégio na maior beca e não deu a menor pelota para a Penélope. Aziras. Não tenho nada a ver
com o peixe. Nem tô para aquela desgranida."
Atire a primeira pedra quem nunca falou assim. Eu mesma me pego, até hoje, usando
umas expressões antigas que continuo achando bacana. Mas reciclar é preciso. Sair por aí
dizendo que o último filme do Scorsese é do arco é atestar total incompatibilidade com a
mídia. Tome umas aulas com a MTV.
Portanto, gurizada medonha, não riam de suas avós, não riam de suas mães, de seus
pais, de seus tios. Amanhã o vocabulário de vocês estará morto e enterrado e ainda assim
vocês insistirão em dizer "zoar", que já vai ser total careta. Dizer que o cara está caidaço ou
que a garota é uma naja vai fazer seus filhos rolarem de rir. Você vai contar como conheceu o
pai deles? Que "ficou" com ele no Planeta Atlântida? Eles vão ter um treco. Vão achar que
vocês se conheceram no fundo de uma caverna, isso sim.
O vocabulário da hora (lembra "da hora"?) não resiste a mais de uma geração. Às
vezes, nem a um único verão. Fazer o quê? Continuar tagarelando do jeito que se sabe, com as
palavras que encontrar. Só não vale fechar a matraca.
Fevereiro/97