Diante de tantas chacinas, assassinatos de crianças, seqüestros e homens queimados
vivos, é natural que o assunto pena de morte volte à baila. Como deter a estupidez dessa gente
capaz de tanta atrocidade por motivos tão fúteis? Cadeira elétrica, forca, paredón, defendem
muitos, como se isso inibisse os delinqüentes. Inibe nada.
Tirando Ronald Biggs, o famoso ladrão inglês que assaltou um trem e se refugiou no
Brasil, não existe bandido velho. Bandido não se aposenta. Não sobrevive para contar suas
aventuras aos netos. O tipo de vida que esses marginais levam exclui qualquer apego à vida,
seja a nossa ou a deles. Nasceram apanhando, com fome, sem ir à escola e sem nenhuma
chance de virar cidadãos decentes. Tiros são música para seus ouvidos. Não fazem planos
para o futuro. O futuro deles é o próximo assalto. Se entrarem armados numa agência bancária
e mantiverem uma criança como refém é mais provável que sejam alvejados ali mesmo em vez
de condenados a tomar uma injeção letal. Qualquer bandido sabe que o risco está no ato da
transgressão. O flagrante delito é a verdadeira pena de morte.
Se eles tivessem medo de morrer, não ousariam entrar na casa dos outros sem saber o
que vão encontrar lá dentro, se uma família dormindo ou o dono da casa bem acordado e
armado. Lembram de Leonardo Pareja, que dizia aguardar a morte na próxima esquina? Ele,
que tinha alguma instrução, sabia que sua "profissão" vinha com prazo de validade vencido.
Imagine quem não domina nem o be-a-bá: está se lixando para o dia de amanhã.
A morte não assusta quem vive dela. Estamos enganando a nós mesmos quando
defendemos a pena de morte como instrumento de inibição da violência. Paulo Francis tinha
toda a razão: pena de morte é vingança. É fazer alguém pagar seus pecados na mesma moeda.
Funciona como catarse social, mas não soluciona o problema, se é que existe solução. É claro
que educação, alimentação e família ajudam muito. Também ajudaria um sistema carcerário
que não tratasse seus detentos como animais enjaulados, e sim que utilizasse sua mão-de-obra
para trabalhos que custeassem sua pena. Ajudaria uma melhor distribuição de renda e um
combate mais firme ao tráfico de drogas. Ajudaria mais policiamento nas ruas. Já a pena de
morte só ajudaria a praticar nossa própria crueldade. Matar dentro da lei seria uma senhora
revanche.
Nem quero pensar no que eu seria capaz caso acontecesse algo de ruim com um dos
meus, mas não se pode tratar a pena de morte emocionalmente, como um ajuste de contas
particular. A punição da violência tem que ser coletiva. Tem que interessar a toda sociedade e
não apenas às suas vítimas diretas. Até posso, intimamente, desejar a morte de quem destruiu
minha felicidade, mas não é correto passar esta procuração para o Estado. Há outras maneiras
de ele nos proteger. Segurança estatizada, tudo bem, mas nosso ódio deve continuar sendo um
assunto privado.
Maio/97