Foi muito comentado o programa de Paulo Sant'ana transmitido pela TVCOM no dia 19
de outubro e reprisado no dia 26, quando, inspiradíssimo, o jornalista pôs-se a imaginar o
próprio velório. No domingo passado, o Fantástico também colocou no ar uma reportagem
onde pessoas saudáveis mostravam seus caixões previamente adquiridos e davam instruções
de como gostariam que fosse seu último ato. Pareciam estar falando de uma festa, de uma
boda, de um baile de carnaval.
Aproveitando o clima de Finados, cabe a pergunta: será que a morte banalizou-se a tal
ponto que ninguém mais a teme? Pois sim. Todos nós rangemos os dentes diante da única
certeza absoluta de nossas vidas. Falar sobre ela, chamá-la para a briga, desafiá-la, nem que
seja apenas com palavras, nada mais é do que um recurso para mantê-la a distância. É como
se disséssemos: "Veja, estamos atentos, preparados", e com isso virássemos o jogo, fazendo-a
temer a nós. Todos sabem: os desavisados é que são tomados de assalto.
Eu, rainha das céticas, não acredito em premonições. Prever a própria morte, então, é o
mesmo que apostar num cavalo que corre sozinho: não tem como errar. Até podemos intuir
nosso futuro profissional, o rumo que tomará nosso relacionamento amoroso, mas sempre há a
possibilidade de sermos surpreendidos pelo destino. Já a morte é fato consumado, não dá
chance ao adversário. E mesmo quando parece longe, ainda assim está próxima demais.
Quantos casos não nos contaram de pessoas que sentiram essa aproximação, e não eram
pacientes terminais. "Resolvi topar aquela viagem a Montevidéu, sabe-se lá quando vou poder
ir de novo." Pimba. Um mês depois o cara parte desta para melhor e alguém diz que ele estava
"intuindo" a fatalidade. Quantas vezes não dizemos em voz alta expressões tipo: "nem morta",
"só por cima do meu cadáver", "prefiro morrer a usar cor-de-laranja". Se cinco minutos
depois cairmos fulminadas por um enfarto, sempre haverá alguém para dizer que estávamos
prevendo a catástrofe.
Eu mesma já fui mais impressionável. Uma vez tive que viajar de carro para o interior
do Estado. Durante as várias semanas que precederam a data, senti calafrios. Tinha certeza
que seria uma viagem só de ida. Na manhã fatídica, cheguei ao absurdo de, antes de sair,
acordar minha filha mais velha para me despedir, numa atitude mórbida que não faz meu
estilo. E lá fui eu. Resultado: voltei intacta. Nem um pneuzinho furou. Essa tal de intuição
feminina já viu melhores dias.
"Morrer, que me importa? O diabo é deixar de viver." Quem mais escreveria esta
pérola senão o sábio Quintana? Também não me preocupo com o que há do lado de lá:
silêncio, escuridão, inconsciência. Minhas madrugadas são iguaizinhas. Terror é nunca mais ir
ao cinema, nunca mais caminhar na beira da praia, nunca mais estar perto de quem se ama.
Quando me dizem que morte é passagem, faço que concordo com a cabeça, mas penso com
meus botões: "Para a Grécia é que não há de ser". Me explicam, piedosos da minha
ignorância, que é uma passagem para outro nível de consciência, sem ambições materiais e
onde encontraremos nossos entes queridos. Não parece ruim. Um lugar sem espelhos, sem
limite de lotação e sem o barulho que faz a obra aqui do lado. Negócio fechado: podem vir me
buscar na virada do quarto milênio.