JOVENS DEMAIS PARA MORRER

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Histórias de pais que perdem seus filhos não são casos inéditos na literatura. Para citar

um exemplo bem recente, a chilena Isabel Allende fincou pé na lista dos mais vendidos com o

extraordinário Paula, onde descreve a doença e a morte de sua filha de 28 anos, num relato

comovente.

Diza e Régis Gonzaga não têm o dom de Isabel Allende. Aliás, nem escritores são. Mas

estão colocando nas prateleiras das livrarias um livro que trata do mesmo assunto: a morte de

um filho, no caso, a de Thiago Gonzaga, que aos 18 anos foi vítima de um acidente

automobilístico em Porto Alegre. Diza e Régis não esperam, com isso, entrar na lista dos mais

vendidos. A intenção é outra, mil vezes mais importante: a de conscientizar pais, educadores,

políticos e a sociedade em geral de que um carro pode ser uma arma nas mãos de um

adolescente e que a prevenção de acidentes merece tanta atenção quanto a prevenção contra as

drogas e a Aids.

No livro, Diza, a mãe de Thiago, relata episódios da infância e da adolescência de seu

filho. É uma maneira, suponho, de administrar a dor e de repartir uma vivência comum a todas

as mães, que nunca esperam que uma tragédia vá bater-lhes à porta. Pois bateu na porta dos

Gonzaga, bateu na porta de diversas outras famílias e vai bater em muitas outras ainda se não

dermos um basta na condescendência geral.

Para deter a velocidade e a imprudência é preciso duas coisas: lei e educação. Os pais

não podem colocar de castigo ou dar umas palmadas em jovens que correm demais, que

bebem antes de dirigir ou que não usam o cinto de segurança. A punição tem que vir da

legislação. Só quando os adolescentes virem um colega atrás das grades ou prestando serviços

gratuitos à comunidade é que cairão na real e tirarão o pé do acelerador.

A outra parcela de vigilância cabe aos pais, que devem negar a chave do carro a um

garoto ou garota sem habilitação. O papel de carrasco é horrível, mas alguém tem que

desempenhá-lo. É mais difícil dizer não do que dizer sim, mas não se espera outra coisa de um

adulto responsável. Seu filho tem 16 anos, é maravilhoso, estudioso e só quer um pouquinho

de aventura? Mande-o para a Disney, para o Beto Carrero World, para os estúdios

cinematográficos de Los Angeles, onde se pode fazer, entre outras coisas, uma viagem virtual

a 300 quilômetros por hora. Só não deixe-o atrás de um volante de verdade. Por mais que

você confie, lembre-se que ele é jovem e, como tal, acha que nada de ruim pode lhe acontecer.

Outra coisa: jovens temem ser chamados de careta. Se acaso a turma incentivar um pega

ou uma cervejada no carro mesmo, enquanto se deslocam de um lugar para outro, ninguém com

menos de 18 anos vai dizer: "Pára tudo que eu quero descer". É um momento da vida em que a

gente precisa da aprovação dos amigos e, para não virar um deserdado da noite, acaba

topando qualquer parada. É aí que mora o perigo. Alguém precisa acordar esta garotada e

dizer que corajoso é aquele que é autêntico, que diz o que pensa, que vai contra a corrente se

for preciso, e não aquele que embarca em qualquer onda, mesmo se borrando de medo. Quem

vai ensinar isso para eles? Nós, os caretas.

O livro Thiago Gonzaga, Histórias de uma Vida Urgente não vai conseguir, sozinho,

que os adolescentes (incluindo aí alguns marmanjos que não crescem nunca) parem de voar 

pelas avenidas da cidade como se fossem imortais, mas levanta a discussão, que é o que

interessa. O pai de Thiago, em texto no início do livro, cobra dos senadores a aprovação do

novo Código de Trânsito, exigindo penalidades mais pesadas aos infratores, e insiste na

criação da disciplina Educação para o Trânsito e sua inserção nos currículos escolares. Régis

Gonzaga é professor e sabe a influência que todo educador têm sobre seus alunos. E, como

pai, está generosamente transmitindo sua cruel experiência para que nós não precisemos

vivenciar, como ele e sua família, a única dor que não cessa.

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