Se você prestar atenção, vai reparar que não são apenas as locadoras de vídeo que
reproduzem-se em cada esquina. Os brasileiros têm hoje à disposição muitas e ótimas lojas de
decoração, coisa rara dez anos atrás. Casas especializadas em tecidos, luminárias, tapetes,
objetos de design, paisagismo, móveis para escritório, enfim, vestir uma casa ou local de
trabalho deixou de ser uma tarefa inglória. O consumidor está fazendo a festa: pinta a casa
com cores vibrantes, testa novos materiais, amplia aposentos, abre nichos, rebaixa o teto e
enfeita cada ambiente com o que há de melhor no mercado, deixando seu lar doce lar digno de
ser exibido na Casa Cor. Já não era sem tempo. A casa da gente tem que ser nada menos do
que linda, não importa se bate ou não com o gosto dos mestres da decoração. O que importa é
ter um canto aconchegante, confortável, onde você e o homem da sua vida possam ficar
protegidos da desordem reinante lá fora. Fecha o pano.
Entre as quatro paredes do ninho, porém, começa a discussão. Tirando os profissionais
da área – arquitetos, decoradores e afins –, homens e mulheres têm interesses completamente
antagônicos na hora de mobiliar a casa. Os homens querem funcionalidade. Espaço para
caminhar. Uma cama king size. Quatro caixas de som bem potentes. Lugar para seus sapatos.
Um absurdo completo.
Nós, mulheres, não treinamos uma infância inteira brincando de casinha para permitir
que uma caixa de som horrorosa repouse em cima do persa e faça par com aquele jarro artnouveau
português que foi trazido no colo desde Sintra. Espaço para caminhar? Esses homens
enlouqueceram. Nunca ouviram falar da Redenção, do Parcão, do Parque Marinha? Pois que
peguem aqueles tênis enormes que ocupam meio guarda-roupa e façam exercício ao ar livre,
bem longe do nosso aparador de marfim, das nossas cadeiras de ferro escovado e das nossas
luminárias estrategicamente localizadas no meio da sala. Falando nisso, é hora de confessar o
desejo secreto de toda mulher: homens que calcem 36. Um mocassim 43 é incompatível com
qualquer closet, por mais bem planejado que seja.
Não acaba aí. Qualquer kitchenette tem hoje uma sacada com churrasqueira. Ótimo para
colocar avencas e violetas. Só que os homens levaram a proposta a sério e fazem churrasco
todo santo domingo, deixando o resto da casa parecendo Londres, imersa em bruma. O local
para a televisão é outro constante motivo de divórcio. Eles a querem no quarto. Estéreo,
digital e com trezentas polegadas. Quando você diz que não vai tirar a bergère do lugar por
nada deste mundo, mesmo que apenas sua bolsa sente nela, ele vem com a sugestão que acaba
com o casamento: e se colocássemos a tevê num suporte aéreo, que nem em motel? Fecha o
pau.
Com tantos manuais de auto-ajuda resolvendo a vida de milhares de casais, se faz
urgente o lançamento de um livro que auxilie as mulheres a fazer valer suas posições
decorativas. Como explicar para um marido pão-duro que aquela tela de Tomie Ohtake é uma
pechincha e que você vai trocar a sala de jantar inteira só para combinar com uma palmeira
californiana em tamanho natural? Haja saliva para fazê-lo entender que seus livros (dele,
lógico) não combinam com a poltrona Le Corbusier e que paredes cor-de-pêssego não
merecem ouvir a transmissão de Grêmio x Palmeiras narrada pelo Silvio Luiz. Desligue o rádio, baby, e vamos escutar Ravel.
Para que tantos abajures, se já temos uma coleção de dicróicas? Para que tantos
cinzeiros, se nem fumamos? Para que este porta-retrato com a foto do Brad Pitt? E para que
esta escada em caracol se não moramos numa cobertura? Perguntas, perguntas. Homens não
sabem abstrair.
Até que um dia ele se enche e aluga um flat com tudo o que sempre quis, ou seja, quase
nada. É o céu nos primeiros dois meses. Depois ele começa a sentir um vazio, uma fome, uma
falta de lençóis de linho. Bingo! Ele volta. E descobre que nada mudou, a não ser os armários
da cozinha, os azulejos do banheiro e um tapete de Bali que nunca esteve ali.