Até madre Teresa de Calcutá deve ter dito o seu ao longo de toda a sua casta existência.
Mesmo que ela nunca tenha ficado presa num engarrafamento, mesmo que nunca tenha topado
com o dedão do pé numa pedra, mesmo que nunca tenha faltado luz bem na hora da
transmissão da missa do galo, ainda assim, em algum instante e por algum motivo, ela deve ter
ao menos pensado: que merda! Deus perdoaria, com certeza. Em certas ocasiões, nada
substitui o bom e velho palavrão.
Palavrão é feio, vulgar, às vezes até obsceno, mas faz parte da linguagem popular de
todos os povos, sejam árabes, croatas ou chineses. No Brasil, já foram catalogados mais de 3
mil. Na França, 9 mil. Na Inglaterra, existe até o Dicionário de Insultos em Cinco Línguas, o
primeiro guia prático destinado a turistas que são obrigados a lidar com bagagens perdidas,
reservas malfeitas, café frio, serviço ruim e contas exorbitantes. Poucos são os que ainda
negam a utilidade do palavrão para radiografar uma determinada sociedade, seus costumes e
tendências.
Nelson Rodrigues era malcriado? Pois a cultura brasileira não seria a mesma sem ele.
Ferreira Gullar chocou com o seu Poema Sujo? E Adélia Prado, com o poema Objeto de
Amor? Pois seria impossível imaginar estas obras sem seus pequenos ferrões. E quem vê
Jorge Amado com sua cabeleira branca, uma espécie de avô baiano de todos nós, não imagina
que é dele o recorde de palavrões usados por um único autor brasileiro, segundo pesquisa
realizada por Mário Souto Maior, autor do Dicionário do Palavrão e Termos Afins. Em um
texto encomendado pela jornalista Lu Lacerda para o livro 131 Posições Sexuais, Jorge
Amado a certa altura fala da xoxota (sic) de Lilian Ramos. A autora ruborizou-se. Pediu ao
mestre que substituísse o termo. Nada feito. Ou saía como ele tinha escrito, ou vetava o texto
inteiro. Ela cedeu, que não é boba, e seu livro de depoimentos ganhou o aval de um dos
maiores romancistas de todos os tempos.
Existe uma palavra para definir o que leva alguém a censurar um palavrão: hipocrisia.
A mesma hipocrisia que perseguiu Leila Diniz, Plinio Marcos e tantos outros artistas que
ousaram colocar a linguagem das ruas nos jornais, revistas e peças de teatro, desafiando a tese
de que existem palavras que se dizem mas não se escrevem. De certo modo devemos a eles o
fato de Dercy Gonçalves e Faustão terem liberdade para dizer o que bem entendem em plena
matinê dominical, ainda que gratuitamente.
Se escritores e dramaturgos quase sempre usam o palavrão com pertinência e
adequação, o mesmo não se pode dizer de alguns cineastas que atormentaram nossos ouvidos
por décadas. Por trás de cada impropério deixavam transparecer uma absoluta falta do que
dizer. Tudo bem que no auge da repressão, o palavrão era uma resposta ao silêncio, aliviava
tensões, funcionava como catarse, mas abusaram. O cinema nacional está ressurgindo agora
com um vocabulário mais inteligente.
Usar o palavrão com o único propósito de escandalizar é antigo e ineficaz. Rebeldes
sem causa deveriam ler Bukowski, Henry Miller, Glauco Mattoso. Ficariam corados. Nomes
feios? Podem ser até carinhosos. "Vem cá e me dá um abraço, seu puto." Nada mais fraterno.
A única coisa que ainda agride é o mau gosto.