Que a informática dominará o mercado editorial, ninguém discute. Assim como já
podemos "ler" um livro pelo toca-fitas do carro, muito em breve será possível devorar um
Jorge Luis Borges através da tela do computador. Outro dia, conversando com um editor, fui
devidamente catequisada: o livro como o conhecemos hoje, feito de papel, está condenado.
Abram alas para o livro digital!
Diante desta profecia desanimadora, recorri aos clichês de praxe: como levaremos o
livro para a praia, para a cama, para a rede? Elementar, minha cara Neanderthal, respondeu o
editor. O computador não será o trambolho que conhecemos hoje. As telas serão menores do
que uma calculadora de bolso e poderão ser acopladas nuns óculos, por que não?
Seja feita a vontade de Bill Gates. Mas, no que me diz respeito, não vou deixar meus
livros virarem peça de museu. O livro não é um produto descartável: usou, jogou fora. Nunca
fiz isso nem com namorado, imagine com um livro, que é muito mais útil.
Existe uma sensível diferença entre gostar de ler e gostar de livros. Muitos dos que se
incluem no primeiro grupo lêem apenas revistas, manuais de instruções, outdoors, bulas de
remédio, encartes de discos, volantes distribuídos em sinaleiras e um que outro best-seller,
tudo em nome da informação. Nada contra, antes isso do que ser analfabeto.
E há os fanáticos. Aqueles que têm com o livro uma relação íntima, quase religiosa, e
que não deixam para abri-lo só quando a tevê está estragada. Eu, por exemplo, gosto do cheiro
dos livros. Gosto de interromper a leitura num trecho especialmente bonito e encostá-lo contra
o peito, fechado, enquanto penso no que foi lido. Depois reabro e continuo a viagem. Gosto de
sublinhar as passagens mais tocantes. Gosto do barulho das páginas sendo folheadas. Gosto
das marcas de velhice que o livro vai ganhando: orelhas retorcidas, a lombada descascando, o
volume ficando meio ondulado com o manuseio. Tem gente que diz que uma casa sem cortinas
é uma casa nua. Eu penso o mesmo de uma casa sem livros. É como se fosse habitada por
pessoas sem imaginação, que não têm histórias pra contar. Prefiro casas assombradas pelos
fantasmas de Virginia Woolf, Monteiro Lobato, Dorothy Parker. Prefiro até mesmo um Paulo
Coelho jogado em cima do sofá do que uma almofada comprada em Santiago de Compostela,
vejam a que estado cheguei.
Reconheço que esta minha resistência à tecnologia é antiga e inútil. Até hoje morro de
saudades das charmosas máquinas de escrever manuais, com seu tlec-tlec-tlec, o chão lotado
de papéis amassados e um cigarro abandonado aceso no cinzeiro. Acho a cena romântica à
beça, eu que nem fumo. Não nego que viver sem computador, hoje, é o mesmo que viver sem
geladeira. Mas não consigo imaginar o livro deixando de ser um objeto para ser um
equipamento. O livro podendo ser apagado. As livrarias se transformando em lojas de
disquetes. Todos os volumes de uma biblioteca cabendo numa única gaveta. Como serão as
sessões de autógrafos? Que graça terão as aulas de inglês, se o book não estará mais on the
Que venham as Bienais e Feiras do Livro cibernéticas, mas não se apressem por minha
causa. Folhear um livro com o mouse não haverá de ser o meu hobby preferido.