Millôr Fernandes uma vez escreveu que quem gosta de viajar é gentinha. Apesar de eu
adorar viajar e odiar a palavra gentinha, tenho que reconhecer que a afirmação tem sua razão
de ser. Com a moeda estável, viajar deixou mesmo de ser um prazer exclusivo dos bemnascidos:
basta dar uma espiada nas areias de Cancún. Executivos e socialites já freqüentam o
mesmo mar caribenho onde mergulham suas secretárias e motoristas. First class ou classe
econômica, estamos todos no mesmo avião.
Viajar pode, sim, ser um tremendo programa de índio. Basta que o turista não siga as
regras básicas do turismo inteligente. Na turma dos deslocados estão, por exemplo, aqueles
que resolvem fazer a Europa inteira numa única viagem. Acabam conhecendo 20 cidades em
30 dias, ficando a média de um dia e meio em cada lugar. Nesses casos, é comum o turista
achar que a Avenida Champs-Elysées fica em Bruxelas e que em Londres faz sol o tempo todo,
só porque no dia em que esteve lá, milagrosamente, fez. É compreensível que pessoas sem
grande poder aquisitivo, que pressentem estar tendo a única oportunidade de suas vidas de
viajar para o exterior, queiram aproveitar para conhecer o máximo que puderem, mas esse
verbo conhecer acaba ficando mal conjugado.
Tem também aquela turma que nos mata de vergonha: os espertinhos, ou que se julgam
como tal. São aqueles que saltam por cima das roletas de metrô para não pagar a passagem,
que escondem CDs dentro dos casacos e que pensam que cinzeiros e toalhas de hotel são
suvenires. Geralmente essa turma é composta por pessoas que, aqui no Brasil, se comportam
como lordes ingleses, mas que em solo estrangeiro resolvem usufruir as delícias do
anonimato.
Um grupo engraçado é aquele formado por casais que são amigos íntimos. Jantam fora
todos os sábados, vão juntos ao cinema, às festas, às missas de sétimo dia, parecem irmãos
siameses. Até que têm a brilhante idéia de fazer uma viagem em grupo. Passar dias e dias
grudado 24 horas com amigos de infância pode parecer a coisa mais simples do mundo, mas
longe disso. Muitas vezes esses amigos "pra vida toda", que vão daqui até lá cantando a
Macarena dentro de um boeing 767, voltam em vôos diferentes e nunca mais se telefonam. A
convivência diária é implacável, seja aqui ou em Madri. Uns gostam de acordar tarde, outros
não querem perder o café da manhã incluído na diária. Uns querem passar a tarde no Museu do
Prado, outros acham que Velázquez é nome de jogador de futebol. Uns querem assistir a uma
tourada, outros acham que matar uma mosca já configura um assassinato. É por isso que eu
digo: amigos, amigos, viagens longas à parte. Tripulação máxima, dois, e ainda assim vai
haver derramamento de sangue de vez em quando.
Não posso deixar de mencionar a turma que só tem olhos para as vitrines. Viajar com o
único objetivo de fazer compras, só se você já viu o que tinha que ver em viagens anteriores e,
mesmo assim, deve reservar um tempo para caminhar pelas ruas da cidade e rever seus locais
preferidos, deixando para visitar as lojas entre um programa e outro.
Mas para sacoleiros natos, tiempo es dinero. Para eles, estar em Miami ou Nova York
dá na mesma, desde que haja um camelódromo em volta do hotel. E não pense que eles vão
comprar batons, camisetas, porta-retratos, essas coisinhas mignon. Compram televisores, carrinhos de bebê, botas de esqui, tudo tamanho gigante. Uma vez ouvi o seguinte diálogo
entre duas brasileiras na sala de embarque de um aeroporto internacional:
– Como é que você fez para embalar os treze cachepôs de cerâmica?
– Os que eu comprei perto daquele rio na Suíça?
– Não, os que você comprou perto daquela igreja na Itália.
– Sei, aquela igreja. Que igreja era aquela mesmo?
– E eu que vou saber?
"Aquela igreja" era a Basílica de São Pedro, no Vaticano.